Água: Volume morto do Cantareira pode causar doenças
Alckmin reconheceu pela primeira vez a possibilidade racionamento; poluentes do volume morto podem causar Parkinson, Alzheimer e alterações no fígado
A captação de água do volume morto do Sistema Cantareira, que baixou para 12,4% da capacidade nesta quinta-feira, ameaça trazer à tona poluentes depositados no fundo das represas, onde se concentram contaminantes que não são tratados por sistemas convencionais para o abastecimento. Três especialistas em biologia e toxicidade d’água fizeram o alerta ao Ministério Público Estadual (MP), que abriu inquérito civil para investigar a crise hídrica do sistema.
“Quando se cogita fazer o uso do volume morto por causa das condições emergenciais de necessidades hídricas, antes que esteja disponível para o abastecimento público, deve passar por análise criteriosa e tratamento adequado para atendimento dos padrões normatizados de qualidade de água”, afirmam, em parecer, Dejanira de Franceschi de Angelis e Maria Aparecida Marin Morales, da Unesp, e Silvia Regina Gobbo, da Universidade Metodista de Piracicaba (Unimep).
O documento embasou o pedido feito pelos promotores do Grupo de Atuação Especial do Meio Ambiente (Gaema) para que a Agência Nacional de Águas (ANA), o Departamento de Água e Energia Elétrica (DAEE), a Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental (Cetesb) e a Companhia do Saneamento Básico de São Paulo (Sabesp) informem quais os critérios de uso do volume morto. Além disso, o MP exige saber quais garantias foram pedidas para que não haja movimentação do lodo das represas durante a captação e quais exames de qualidade da água serão feitos.
Segundo as pesquisadoras, “quanto mais baixo o nível dos reservatórios, maior é a concentração de poluentes, recomendando maiores cuidados com seus múltiplos usos”. Entre os elementos citados que contaminam os mananciais há compostos inorgânicos – metais e outros agentes tóxicos -, orgânicos altamente reativos com os sistemas biológicos – hidrocarbonetos aromáticos, biocidas e fármacos -, microbiológicos, como bactérias, fungos e protozoários patogênicos, e vírus.
“Muitos dos poluentes que contaminam os rios apresentam potencialidade de alterar o material genético dos organismos expostos, até mesmo do homem, e, consequentemente, desencadear problemas de saúde, como desenvolvimento de doenças crônicas (tais como alterações nas funções da tireoide, do fígado e dos rins), agudas (como intoxicações, alergias e diarreias), degenerativas (como Parkinson, Alzheimer etc.) e o câncer”, relataram as pesquisadoras.
Para os promotores do Gaema, a mortandade de mais de vinte toneladas de peixe no Rio Piracicaba, em fevereiro, provocada pela baixa vazão do manancial, foi “apenas um dos primeiros indicadores visuais da gravidade da situação, que, se persistir, poderá acarretar em impactos gravíssimos, muitas vezes irreversíveis”. Nesta quarta-feira, diante da situação, o MP negou à ANA e ao DAEE pedido de prorrogação de trinta dias para que eles respondessem quais critérios serão adotados para a retirada da água do volume morto.
A Sabesp informou que apenas se pronunciará sobre os questionamentos após ser notificada pelo MP. No entanto, a empresa afirmou que tem todas as autorizações ambientais para a execução da obra de captação do volume morto e que, de 1995 a 2013, investiu 9,3 bilhões de reais para elevar a integração do sistema de abastecimento e o volume de água disponível para a Grande São Paulo.
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Rodízio – Alckmin afirmou pela primeira vez que não descarta impor rodízio de água na Grande São Paulo caso a chuva nos próximos meses seja incapaz de resolver o problema de abastecimento. Anteriormente, o governador de São Paulo havia descartado totalmente esse cenário. Entretanto, nesta quarta, após a Sabesp admitir a possibilidade de racionamento, Alckmin voltou atrás e afirmou que “o rodízio não está descartado e vai ser monitorado pelos técnicos que vão acompanhar este trabalho”.
O governador de São Paulo iniciou um diálogo com o governador do Rio de Janeiro, Luiz Fernando Pezão (PMDB), visando o entendimento quanto ao uso de águas comuns aos dois Estados. Pezão quer que Alckmin suspenda por trinta dias qualquer iniciativa quanto ao projeto de transposição de água da Represa Jaguari, no Vale do Paraíba, para o Sistema Cantareira.
Ao mesmo tempo, em Brasília, os secretários de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais responsáveis pelo setor de saneamento e recursos hídricos se comprometeram, durante reunião realizada na sede da ANA, a fazer estudos técnicos para unificar as medidas de vazão das águas dos rios comuns aos três Estados. Foi o primeiro passo da rodada de negociações entre os Estados para evitar a seca e o racionamento de água.
Crescimento populacional – Nos dez anos da outorga do Sistema Cantareira, que termina em agosto, a Sabesp deveria ter aumentado sua oferta hídrica para a Região Metropolitana de São Paulo em 25 metros cúbicos de água por segundo. O volume, equivalente à vazão atual do Sistema Cantareira para o abastecimento público, seria necessário para atender ao crescimento populacional. Ou seja, um novo sistema, do mesmo tamanho e capacidade do Cantareira deveria ter sido feito para suprir a demanda de água da população, que cresceu.
O aumento da oferta também reduziria a dependência do Cantareira. A análise consta de um documento sobre a “criticidade e a dependência hídrica da Região Metropolitana de São Paulo”, inserido no inquérito civil instaurado pelo Gaema para acompanhar a renovação da outorga.
De acordo com a promotora Alexandra Facciolli Martins, o compromisso de reduzir a dependência do Cantareira foi assumido pela Sabesp em 2004, mas no período pouco se fez para ampliar a oferta. “Tanto que, mesmo em uma situação de grave crise hídrica, continua sendo retirado um volume de água acima da vazão primária máxima para a Região Metropolitana de São Paulo, com risco de colapso do sistema e em detrimento da bacia do PCJ (Piracicaba, Capivari e Jundiaí)”, disse Alexandra.
(Com Estadão Conteúdo)
A água que abastece São Paulo
O Sistema Cantareira, formado pelas represas Jaguari, Cachoeira, Atibainha e Paiva Castro, tem capacidade total de um trilhão de litros e abastece 8,8 milhões de pessoas na capital e outros dez municípios em todo o Estado.
Atualização: 12/2/2014