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A turma de invasores como ela é

Setenta e dois manifestantes passaram o dia na delegacia. Depois de toda a balbúrdia, eles puderam experimentar pelo menos uma punição: o cansaço

Por Bruno Abbud
Atualizado em 10 dez 2018, 10h34 - Publicado em 10 nov 2011, 07h02

https://www.youtube.com/watch?v=HwQFNhhvCRw

A faxineira Maria José da Silva, de 48 anos, nunca teve de varrer tantas bitucas de cigarro como na madrugada desta quarta-feira. Ela trabalha há nove meses no 91º Distrito Policial (Ceagesp), no período das 22h às 8h da manhã. Nesta terça-feira, os 72 manifestantes ─ 68 estudantes e 4 funcionários ─ presos durante a reintegração de posse da reitoria da Universidade de São Paulo (USP) passaram mais de quinze horas revezando-se entre as cadeiras de um ônibus e o chão do estacionamento da delegacia, esperando para ser soltos. A maioria fumava.

O cigarro entre os dedos é apenas um dos itens que compõem o figurino dos invasores da USP. Alguns fazem o estilo “comunista”, usam boinas, cavanhaque e coturnos. Outros optam pelo modelito “hippie”, cabelos longos, saias longas e conversas ainda mais longas. Nenhum dos 48 rapazes presos sabe o que é fazer a barba e boa parte das 24 garotas detidas não depila a axila. Às 21h28 desta terça-feira, dia 8, uma advogada trouxe na bolsa 39.240 reais em dinheiro vivo, valor arrecadado por sindicatos ligados à Central Sindical Popular Conlutas para pagar a fiança dos invasores. Estava chegando ao fim mais um capítulo da novela que teve início na noite anterior, quando uma assembleia de 450 alunos decidiu manter a ocupação do prédio da reitoria – invadida em 1º de novembro.

Nesta terça-feira, os manifestantes que dormiam no local amanheceram cercados por 400 homens da tropa de choque, foram colocados dentro de três ônibus e encaminhados para a delegacia, onde passaram o dia sendo interrogados. Por volta das 23 horas, enquanto aguardavam a expedição dos alvarás de soltura, os invasores descansavam nos ônibus ou no chão de asfalto dos fundos da delegacia. Jogavam truco, comiam frutas, pão francês e bebiam Coca-Cola Zero. “Hoje é um dia que ficará marcado como o dia em que vivemos a ditadura militar na USP”, diz Diana, que veste calça multicolorida e fala ao celular sentada com as pernas cruzadas. Alguns eram amparados pelos deputados estaduais Adriano Diogo, João Paulo Rillo e Telma de Souza, filiados ao PT e integrantes da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa.

Como usam roupas iguais, falam as mesmas gírias, compartilham das mesmas ideias e adoram discursar em favor da coletividade, o desfecho na delegacia não poderia ser diferente: ficou determinado que os 72 deveriam aguardar uns aos outros e sair juntos. Todos deveriam se abraçar e comemorar a liberdade. Eles são realmente muito parecidos ─ principalmente nas atitudes.

Imprensa – “Vampiros!”. “Urubus!”. “Mídia burguesa!”. “Comedores de carniça!”. Era assim que os manifestantes se dirigiam aos jornalistas desde quinta-feira, 27 de outubro, quando três estudantes flagrados pela PM com maconha foram detidos ─ algo que provocou a fúria de um grupo de alunos que invadiu o prédio da Administração da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) e, posteriormente, a reitoria.

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A noite desta terça-feira, contudo, revelou uma nova relação com a imprensa. Incrivelmente, os 72 manifestantes fizeram questão de mostrar o rosto para as câmeras de televisão – o que não faziam há uma semana. Michel de Castro, 25 anos, aluno do curso de Letras, apontou para um corte na sobrancelha ─ fruto da truculência dos policiais, que o acertaram com um escudo, diz. Tiago, 25, aluno de Ciências Sociais, apareceu com sangue no nariz ─ resultado de uma cabeçada desferida por um soldado, garante. “Fomos agredidos”, berra Rafael Alves, um dos líderes da ocupação. “Foi a polícia que provocou aquelas depredações e plantou os coquetéis molotov”. Alexandre Guimarães, 21, estudante do 3º ano do curso de Ciências Sociais, que integrou o movimento desde o começo, acredita que a violência dos policiais acabou contribuindo com a causa da turma de invasores. “Naquele primeiro dia, não imaginávamos que a reitoria chegaria ao ponto de acionar a tropa de choque”, afirma. “Nosso movimento sofreu um salto de qualidade”.

Inconformado com as prisões, um dos alunos presos, vestindo uma camiseta amarela estampada com a sigla do Partido da Causa Operária (PCO), sacou o celular do bolso e contatou os estudantes que promoviam uma assembleia com cerca de 2.000 pessoas a alguns quilômetros de distância, no prédio da faculdade de história da USP. “Questão de ordem, companheiro”, interferiu, pelo telefone. “Queremos que vocês coloquem a greve geral de estudantes em votação”. A reinvindicação foi atendida e, nesta quarta-feira, os alunos, principalmente os da FFLCH, não apareceram nas aulas. A reitoria, no entanto, garantiu que a rotina da universidade não foi alterada.

O arsenal – Na assembleia que precedeu a chegada do batalhão de choque, quando os alunos ─ exatamente às 22h36 de segunda-feira ─ decidiram manter a ocupação da reitoria sob gritos de “Ocupa! Ocupa!”, um integrante da comissão de segurança dos invasores revelou à reportagem do site de VEJA que rojões, rotas de fuga e, quem diria, coquetéis molotov, tinham sido providenciados para o caso de a polícia aparecer. O estudante mascarado não percebeu que a polícia já estava lá. Enquanto a assembleia se desenrolava, policiais à paisana circundavam o prédio e fotografavam os locais que, na manhã seguinte, serviriam de entrada para os soldados.

O desfecho – No fim de uma semana de “revolução”, os estudantes puderam experimentar pelo menos uma punição: o cansaço. Embora tenham sido autuados em flagrante por dois crimes ─ depredação de patrimônio público e desobediência à ordem judicial ─, saíram tranquilamente pela porta da frente da delegacia. Ao mesmo tempo em que abraçavam as mães, reclamavam da fadiga e beijavam as namoradas ─ todos aglomerados, enquanto esperavam pelo exame de corpo de delito ─ traficantes magros e algemados eram trazidos por camburões e empurrados para dentro do Instituto Médico Legal, no prédio vizinho, onde também seriam submetidos ao exame. Os alunos, que passaram a semana criticando a repressão policial na Cidade Universitária e na periferia da cidade, sequer notaram.

Alguns, surpreendentemente, cogitaram até abdicar da luta política. “A única palavra de ordem que me mobiliza agora é ‘alvará!’”, dizia um estudante, ansioso pela emissão do alvará de soltura. Outro completava: “O grito que me mobiliza agora é ‘um banho e uma cama!’”. Às 22h24, um dos investigadores surgiu para organizar grupos de dez invasores que deveriam passar, um por vez, pelo exame no IML. Ele pediu que formassem uma fila. “Fila? Ah, isso é muita humilhação”, constatou Guilherme. Às 23h20, alguns estudantes estavam deitados no chão, enquanto outros jogavam futebol com garrafas plásticas. Meia hora depois, os primeiros presos foram libertados – e, como foi determinado pela “cúpula revolucionária”, esperaram a liberação dos companheiros ao lado de 50 manifestantes histéricos reunidos na calçada da delegacia. Por volta das 3 horas da manhã, o último foi solto. E Maria pôde terminar de varrer as bitucas de cigarro aglomeradas no estacionamento.

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