A tragédia das chuvas no Rio, contada pelas vítimas
Moradores das cidades atingidas pelo temporal no Rio contam, com imagens, o drama de descobrir os estragos e perdas nos dias seguintes ao desastre
O medo que tomou conta das cidades com as primeiras inundações, o inexplicável surgimento de rios sobre ruas, a descoberta da dimensão da catástrofe, o resgate das vítimas. Em vídeos publicados na internet, a população das cidades mais atingidas pelas chuvas da semana passada criou uma espécie de documentário gigante da tragédia. Cada um a seu modo, com celulares, câmeras simples ou, em alguns casos, equipamentos sofisticados, os maiores atingidos pelo desastre têm muito para falar sobre o que se dá na região serrana deste a madrugada do dia 12 de janeiro.
A primeira constatação é de que é possível recontar, com ajuda desses pequenos fragmentos do começo de 2011, o drama de um estado que ainda chora seus mais de 600 mortos. Mas o material armazenado na internet, em canais como o Youtube, terá utilidade para ajudar as autoridades e pesquisadores a entender a mecânica dos deslizamentos e inundações que devastaram três cidades e afetaram de alguma forma a vida de todo o país.
O registro de um morador do bairro Vila Amélia, em Nova Friburgo, mostra como a força da inundação foi capaz de romper até mesmo a pavimentação das ruas. Ainda sem entender o que se passava, o morador comenta que “parece ser o estouro de alguma barragem”, ou de uma cisterna. Sem interromper a gravação, ele e seus vizinhos percebem que a água não vem só de cima. “Está brotando da calçada, da terra. A água vem de baixo”, comentam. Em algumas regiões montanhosas do estado, os aqüíferos subterrâneos, saturados por um mês de chuvas intermitentes, podem, sim, devolver a água para a superfície – e este tipo de saturação do terreno é uma das explicações possíveis para a quantidade3 e a intensidade dos deslizamentos de terra em Teresópolis, Petrópolis e Nova Friburgo.
No dia seguinte à inundação, no mesmo bairro, outro morador da cidade mostra o resultado de algumas horas de enxurrada: a rua do bairro pacato foi coberta pela lama e a força da torrente fez um carro submergir – algo até então inimaginável em uma área com prédios e casas bem construídos, na região central de Nova Friburgo. No dia seguinte à catástrofe, moradores do condomínio Parcville filmaram carros embaralhados pela força da água, que ainda corre entre as casas, transformando a área de lazer do conjunto residencial em uma corredeira.
Na cidade vizinha, Bom Jardim, para onde escoa toda a chuva de Friburgo, quando o Rio Bengalas deságua no Rio Grande, a inundação cobriu grande parte do bairro São Miguel. Um clube, próximo ao centro da cidade, aparece nas imagens do cinegrafista amador coberto d’água até o telhado, enquanto uma caudalosa massa marrom varre o que antes eram ruas. Outro morador da pequena cidade constatou, perplexo, a violência das águas do mesmo rio, que carregou os móveis recém-comprados de um casal. “A máquina de lavar chegou ontem”, narra o cinegrafista, mostrando o que sobrou da casa: apenas uma cama em um quarto que parece de brinquedo, diante do tamanho das ondas formadas pelo rio.
Em Teresópolis, o morador de um dos bairros devastados pela avalanche que desceu das montanhas documentou a própria perplexidade com o estado em que encontrou sua rua e os fundos das casas da área. A piscina amanheceu coberta de terra, e a parte de trás das casas virou um grande canteiro de cor marrom.
A manhã seguinte à devastação em Vieira, distrito de Teresópolis, aparece nas imagens de um morador da área que percorreu um dos vales atingidos pelo desastre. Os endereços mudam, mas a sensação é sempre de perplexidade: em Itaipava, um outro cinegrafista acompanhou equipes de resgate tentando chegar aos locais atingidos pela tempestade, descobrindo pouco a pouco o que sobrou de pé depois da avalanche.
O trabalho das equipes de resgate é um capítulo à parte, que confere às imagens característica de filmes de ação. Em Itaipava, um homem gravou o momento em que o helicóptero da Polícia Civil faz um pouso rápido em frente ao quartel do Corpo de Bombeiros para deixar feridos recolhidos em áreas remotas.