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Francisco põe a Igreja a serviço dos fiéis

Papa encerra sua primeira viagem internacional fazendo do Brasil um altar de onde cobra mais proximidade dos sacerdotes com os cristãos do mundo todo. Aos jovens, deixa um pedido para viver a fé com alegria e coragem

Por João Marcello Erthal, Carolina Farina e Cecília Ritto
28 jul 2013, 20h23

“Simplesmente cada papa dá [à Igreja] a cor que considera a melhor. Cada um tem sua preferência e tem direito de ser diferente. É muito bom que cada papa seja diferente e que não repitam. Afinal, o filme se gasta. Agora, temos novo filme”, diz Jesus Hortal.

No sexto dia de uma semana de mensagens dirigidas aos jovens, aos políticos, aos sacerdotes, aos usuários de drogas e até aos manifestantes, Francisco dissolveu, diante de uma multidão estimada em 3 milhões de pessoas, acampada entre o Atlântico e os prédios de Copacabana, os vestígios de dúvida sobre os caminhos que traça para a Igreja Católica. O mar de fiéis festejava o início da vigília na 28ª Jornada Mundial da Juventude, numa faixa de areia castigada pelo vento constante de uma noite atipicamente gélida no Rio de Janeiro. Jorge Mario Bergoglio citou São Francisco de Assis diante do crucifixo. “Francisco, vai e repara minha casa”, lembrou o papa, citando palavras de Jesus ao jovem que se tornou frei. A voz, agora, é dele, Francisco, e quem ouve é uma massa que embaralha nacionalidades e classes sociais, a quem pede “coragem” e a quem chama de “construtores de uma Igreja mais bela”. Ao se despedir do Brasil, na noite deste domingo, o pontífice deixou entre os católicos brasileiros a sensação de que há alguém nos altares disposto a ouvir e falar mais. A visita também envia, para o resto do mundo, a ideia de que a transformação começou.

É imensa a espontaneidade do papa. Perde seu tempo quem tenta encontrar, nos gestos de humildade, alguma incoerência do argentino que ocupa o trono da Igreja e abre mão dos privilégios a ele conferidos através dos séculos. Foi o “estilo Francisco” a primeira mensagem recebida no Brasil, chamando a atenção de quem, por ventura, não tenha tomado conhecimento do novo papa e do que ele quer dizer aos católicos: o papa exigiu um carro simples, andou de vidros abertos, dispensou o guarda-chuva para a caminhada até o hospital de dependentes químicos, no meio de chuva forte. O pontífice não descansou do primeiro ao sétimo dia da viagem – a sua primeira como papa. Apresentou, em capítulos, aos fiéis e sacerdotes, os sinais do que pode ser um novo tempo para uma instituição voltada excessivamente fechada em si mesma, que deixou seu rebanho exposto ao assédio de crenças que não usam meias palavras – com destaque, no Brasil, para as correntes evangélicas, que avançaram enquanto os católicos perderam cerca de 1,7 milhão de fiéis, um encolhimento de 12,2% em uma década, segundo o IBGE.

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Francisco fala sem pompa, sem rodeios. Aos jovens, de forma geral, pediu fé, o abandono aos “falsos ídolos”, e que sejam protagonistas de sua trajetória como cristãos. Ao falar para os dependentes químicos, bateu forte na tendência de legalização das drogas que começa a despontar na América Latina. E, no Complexo de Manguinhos, na favela de Varginha, onde quem manda é o tráfico de drogas, alertou que a “pacificação” não resolve tudo. No sábado, defendeu a ética na política, e, na cidade onde há mais de 30 dias persistem os protestos violentos e uma surdez recíproca entre polícia e manifestantes, propôs uma saída mais serena: “Entre a indiferença egoísta e o protesto violento, há uma opção sempre possível: o diálogo. O diálogo entre as gerações, o diálogo com o povo, a capacidade de dar e receber, permanecendo abertos à verdade”, afirmou, no encontro com representantes da sociedade civil.

Um dos organizadores do livro Francisco – Renasce a Esperança (Ed. Paulinas, 23,90 reais), o cientista da religião Afonso Maria Ligório Soares, da PUC-SP, enxergou na mensagem deixada pelo pontífice os traços característicos de jesuíta e franciscano de Jorge Mario Bergoglio. “Francisco demonstra o despojamento do santo que o inspirou, criticou o consumismo e a distração diante de ninharias. Como jesuíta, ele também é um soldado de Deus. Tem disciplina, disposição de ir à frente, o que o faz cobrar comprometimento de seu clero. Submeteu-se a uma agenda extenuante de compromissos, incluindo a visita a uma favela”, disse Soares.

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As mensagens ao clero foram duras. A homilia do sábado com os bispos mostrou um papa bem menos brando e mais incisivo do que o dos altares diante dos peregrinos. “Não se pode apenas adorar Jesus no sacrário. É preciso adorá-lo nas favelas”, ordenou o pontífice, pedindo que os religiosos ganhem as ruas. Para o estudioso da PUC-SP, somados os exemplos e as falas do papa ao clero, há um chamamento evidente para que se abandone a cultura de luxo e ostentação enraizada em parte da Igreja. “Francisco está provocando uma grande confusão no status quo da Igreja Católica”, acredita Soares.

Firmeza – Na tarde de domingo, o pronunciamento do papa aos bispos mostrou, em vez de um simpático e carismático Francisco, um homem de fala firme, com a postura de gestor – apesar de, ainda assim, manter proximidade, uma forma de apresentar-se como semelhante, não alguém acima dos interlocutores. No Centro de Estudos do Sumaré, na Zona Norte do Rio, Francisco se reuniu com os bispos do Conselho Episcopal Latino-Americano (Celam). “A proximidade cria comunhão e pertença, dá lugar ao encontro. A proximidade toma forma de diálogo e cria uma cultura do encontro. Uma pedra de toque para aferir a proximidade e a capacidade de encontro de uma pastoral é a homilia. Como são as nossas homilias?”, perguntou, chamando os religiosos à reflexão.

A mudança de estilo no comando da Igreja se assemelha, em alguns pontos, aos choques de gestão e à substituição de culturas empresariais ortodoxas por formas mais diretas de confrontar funcionários e suas funções. Uma sacudida, como se diz. Ao apresentar-se como “um irmão no episcopado”, Francisco faz algo revolucionário para a hierarquia da Igreja. Coloca-se como “um igual”, não no altar do sumo pontífice, e propõe que a Cúria não esteja isolada nas decisões sobre o futuro do catolicismo. Isso tem relação direta com as tarefas que aguardam o papa no seu retorno ao Vaticano. O primeiro compromisso de Francisco após a JMJ é uma reunião com a comissão que conduzirá a reestruturação econômica e administrativa da Santa Sé. Entre as tarefas do grupo, estão a de conter custos e dar transparência financeira ao Instituto para as Obras de Religião (IOR), o Banco do Vaticano e à Administração do Patrimônio da Sede Apostólica (Apsa).

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Como discutir finanças com alguém que abre mão de todo tipo de regalia, que pede comida, transporte e cerimônias de tamanha simplicidade? Francisco quis mostrar em sua primeira excursão como pontífice que a simplicidade não é uma necessidade conjuntural, mas uma forma de vida que nos garante a felicidade. “É verdade que hoje mais ou menos todas as pessoas, e nossos jovens, experimentam o fascínio de tantos ídolos que se colocam no lugar de Deus e parecem dar esperança: o dinheiro, o poder, o sucesso, o prazer”, falou. “Frequentemente, uma sensação de solidão e de vazio entra no coração de muitos e conduz à busca de compensações, destes ídolos passageiros”, alertou, falando para o público em Aparecida, na quarta-feira, cidade à qual prometeu retornar em 2017.

Como se esperava, todos os dias havia uma mensagem dirigida aos jovens, maioria absoluta da JMJ e para os quais foi criado o encontro. Para o pesquisador da PUC-SP, Francisco tentou estimular a juventude a ser católica com fervor, não se acanhar e, principalmente, demostrar sua fé com ações. “Quem querem ser? O Cirineu que ajuda Cristo a levar a cruz ou Pilatos, que lavou as mãos?”, perguntou, depois de assistir, de volta ao Rio, à encenação da Via-Sacra.

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Para o mundo – As referências à realidade brasileira, como nas citações da “pacificação” – termo cunhado pela propaganda do governo do estado do Rio – e das manifestações, foram de certa forma surpreendentes. Por ser um evento internacional, há um protocolo – que nem Francisco pode quebrar – que exige um discurso orientado para o mundo. Ainda assim, Francisco destacou a realidade nacional, analisou o padre Jesus Hortal, doutor em Direito Canônico e professor em faculdades de Teologia e Direito da PUC-Rio, atualmente também reitor da Universidade Católica de Petrópolis. Diz Hortal: “O recado das jornadas resume-se a uma celebração da alegria de viver, a dimensão religiosa como algo intrínseco também à juventude, e não só aos mais velhos”.

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As particularidades e o carisma de Francisco são, além de cheios de significado para os fiéis e os sacerdotes, uma quebra na narrativa que faz com que o mundo preste atenção e tenha interesse na Igreja. “Simplesmente cada papa dá [à Igreja] a cor que considera a melhor. Cada um tem sua preferência e tem direito de ser diferente. É muito bom que cada papa seja diferente e que não repitam. Afinal, o filme se gasta. Agora, temos novo filme”, acredita Hortal.

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<p>Neste domingo, Francisco se despede do Brasil com a missa de encerramento da Jornada Mundial da Juventude, de manhã, em Copacabana, e um encontro com voluntários, no fim da tarde.</p>
<p>https://storify.com/vejanoticias/acompanhe-o-7-dia-do-papa-no-rio/embed?border=true

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