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A Dilma que Lula queria

Depois de fazer campanha na ofensiva e de ultrapassar limites em ataques a adversários, petista chega à eleição como favorita e com a chance de sedimentar hegemonia do PT

Por Gabriel Castro e Felipe Frazão
26 out 2014, 07h48

“A nossa presidente primeiro começou dizendo: ‘Ah, eu não sei se gosto muito de política’. Mas a bichinha agora adora comício”, Lula

Na noite do último dia 16 de outubro, Dilma Rousseff acabara de sair de um debate desfavorável no SBT contra o adversário Aécio Neves (PSDB). Levantou-se e, em pé, aguardou cinco minutos até que chegasse o momento de conceder uma entrevista ao vivo em rede nacional. Enquanto esperava, conversou com a repórter encarregada de entrevistá-la. Mas, após se atrapalhar duas vezes e pedir para recomeçar uma entrevista, concordou com a pergunta da repórter: “Eu não estou me sentindo bem”. A pressão havia caído, anunciou a presidente. Dilma sentou-se e a repórter passou a palavra a outro colega. Pouco tempo depois, quando a imagem retornou para a candidata, ela desculpou-se com os telespectadores, mas soou antipática ao se queixar à repórter do pouco tempo concedido para sua entrevista: “Eu gostaria, querida, de completar”. Saiu forçando um sorriso pouco sincero ao ouvir uma resposta negativa. A imagem da presidente desorientada após o “nocaute” de Aécio parecia resumir a situação da campanha petista naquele momento.

A primeira semana do segundo turno se aproximava do final e Dilma Rousseff não aparecia à frente de Aécio Neves em nenhuma pesquisa eleitoral. O tucano havia obtido uma votação surpreendente no primeiro turno após uma arrancada inédita. Os apoios de Marina Silva e do PSB, somados aos de Eduardo Jorge, de candidatos nanicos e nomes de siglas como PMDB e PDT reforçavam a imagem de que o tucano tinha mais capacidade de agregar e poder de fogo para vencer. Além disso, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva passou em silêncio os primeiros dias do segundo turno. Era um sinal de que a campanha de Dilma estava na defensiva.

Nos primeiros dias do segundo turno, o PT tentou igar Aécio Neves à uma suposta “herança maldita” do governo Fernando Henrique. Era a adaptação de uma estratégia velha. Depois de um primeiro debate equilibrado, Aécio levou sua munição para o encontro no SBT: soube reagir de forma enérgica aos ataques de Dilma e emplacou um golpe certeiro ao revelar que o irmão da adversária era funcionário-fantasma na prefeitura de Belo Horizonte.

Dez dias depois do debate, entretanto, a presidente chega ao dia da votação com leve favoritismo nas pesquisas. Curiosamente, a reação parece ter se iniciado justamente após o desastre no SBT. De lá, a poderosa máquina de propaganda petista, cujas palavras de ordem reverberam país afora com eficiência incomparável, construiu a narrativa segundo a qual o tucano desrespeita as mulheres e foi agressivo com a chefe da nação. A partir dali, o PT aumentou a quantidade de golpes abaixo da linha da cintura. Nas palavras da própria presidente, quando ainda não era candidata oficial, em março, “fizeram o diabo” já que o período é de eleições.

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Nas últimas duas semanas de campanha, Lula assumiu a linha de frente dos ataques para desqualificar o adversário de Dilma. Com certa autonomia do comitê de campanha, o ex-presidente e padrinho político passou a fazer atos políticos e comícios em paralelo a Dilma. O petista hostilizou Aécio Neves em seguidos atos públicos de campanha, para inflamar militantes e dar sobrevida a insinuações graves sobre o adversário. Em Belo Horizonte, acusou Aécio de ser agressivo com as mulheres. No Recife, chegou ao ápice dizendo que os tucanos queriam acabar com o PT e “agrediam como os nazistas na Segunda Guerra Mundial” e como “Herodes mandou mantar Jesus Cristo”. Luiz Inácio Lula da Silva rodou o Brasil na reta final de campanha fazendo o jogo sujo do qual Dilma mantinha a uma distância mais prudente.

Ao atacar o tucano, o PT obteve o efeito desejado. Pesquisas do Datafolha apontaram que Dilma avançou após o início da artilharia pesada contra Aécio, embora tenha perdido um ponto na véspera da eleição e seu adversário ganhado um ponto – estão empatados tecnicamente no limite da margem de erro.

O principal alvo do PT no segundo turno foram as regiões metropolitanas do país, onde Marina Silva recebeu mais votos. Marina prejudicou a votação de Dilma até mesmo no berço político do Partido dos Trabalhadores, as cidades do ABC paulista. Liderou, por exemplo, em Mauá, Suzano e Guarulhos – segundo maior colégio eleitoral de São Paulo. Aécio também quebrou a barreira no “cinturão vermelho”, região no entorno da capital paulista conhecida por ser um reduto de votos do PT. O tucano venceu em Osasco, Santo André e São Bernardo do Campo.

Outro eleitorado na mira do PT eram as mulheres da classe C, mais sujeitas a violência doméstica, moradoras de regiões periféricas. As pesquisas internas da campanha petista haviam detectado um avanço do tucano no segmento. Isso precisava ser barrado, daí o discurso de desqualificação adotado por Lula e propostas direcionadas especificamente às mulheres. .

O PT concentrou esforços nos principais centros urbanos. No segundo turno, Dilma fez um giro pelo Nordeste na primeira semana e depois concentrou caminhadas e comícios em capitais e cidades de grande porte. Dilma também assumiu uma atitude mais combativa. Acuada pelos depoimentos dos réus na Operação Lava Jato, cujo teor arrastou PT, PP e PMDB para a suspeita do recebimento de dinheiro desviado da Petrobras, a presidente decidiu enfrentar o Judiciário e colocou em suspeita a atuação do juiz Sergio Moro, responsável pela condução do processo.

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Dilma também mudou a atitude em público. A muito custo, João Santana e outros conselheiros próximos da presidente, como o ministro da Comunicação Social, Thomas Traumann, conseguiram tornar o comportamento de Dilma mais simpático diante dos holofotes. Ainda sem jeito para discursos, encurtou as falas, passou a sorrir mais e a interagir com a plateia durante comícios. Em Florianópolis (SC) e Recife (PE) chegou a trocar juras de amor com militantes do PT. Em São Paulo (SP) e em Goiana (PE), dançou seu jingle, deu pulinhos no palanque e puxou coros da juventude petista. Dilma também se mostrou mais segura em entrevistas coletivas, concedidas com mais frequência.

“A nossa presidente primeiro começou dizendo: ‘Ah, eu não sei se gosto muito de política’. Mas a bichinha agora adora comício”, disse Lula, em um comício em Goiana (PE), na última semana. “Ela se pudesse fazia dez por dia”, completou. O padrinho político também recomendou um comportamento mais comedido ante as críticas do tucano: “Seja doce”. Lula, entretanto, seria amargo para Aécio.

A desconstrução de Marina Silva e Aécio Neves mostram que a máquina de propaganda petista continua perfeitamente azeitada. Graças a ela. Dilma Rousseff se tornou favorita para vencer a eleição, obter mais quatro anos de mandato e consolidar a hegemonia do PT no plano nacional. Os protestos de junho, o caso de corrupção na Petrobras, os sinais preocupantes da economia e as evidentes dificuldades de comunicação da presidente foram contornados. O hábil marqueteiro João Santana conseguiu pautar o debate durante a maior parte do tempo. Lula – sem medo de ser grosseiro – ajudou a desferir os ataques contra Aécio Neves.

Se perder, a presidente se tornará símbolo do declínio do PT, que perdeu espaço na Câmara dos Deputados e viu seu apoio entre os mais jovens despencar, além de ter recorrido ao jogo baixo. Caso assegure a reeleição, a presidente Dilma Rousseff – que “fez o diabo” nestas eleições – levará o PT a um marco histórico: o Partido dos Trabalhadores se tornará a única sigla a vencer quatro eleições diretas seguidas para o Palácio do Planalto.

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