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A construção de um monstro: na infância, humilhações e solidão; na juventude, jogos de tiro no computador

Passado de isolamento e ausência de amigos alimentam suspeitas de que o assassino de Realengo tenha sofrido bullying. Mãe tinha distúrbios mentais

Por Cecília Ritto Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 8 abr 2011, 11h29

“Falávamos sobre jogos de computador. Ele gostava de Counter Strike (jogo de tiros)”, revela Guilherme

Da casa de muro branco, cujas manchas amareladas revelam a marca do tempo, avista-se o campo de futebol da Rua Jequitinhonha, em Realengo. Ao abrir a porta da residência, esse era o cenário que encontrava o olhar de Wellington Menezes de Oliveira, de 24 anos. O chão de terra e a bola nunca atraíram o rapaz. Calado e de poucos amigos, preferia atividades que não demandassem a presença de outra pessoa. Em sua vida, não havia espaço para muita gente. Sentar na calçada e observar o campo de futebol, só quando não havia nenhuma partida e não precisasse interagir com vizinhos.

Às vezes, caminhava um quarteirão para comprar pão na padaria ‘Jequitipão’. Chegava sozinho, pegava a mercadoria e ia embora, quieto e sempre sem reclamar. Para as vendedoras, parecia educado, mas nunca trocou mais do que as palavras necessárias para o seu pedido ser entendido. Era um rapaz tímido, o que, em um bairro do subúrbio onde conversar na porta do vizinho é uma prática cotidiana, fez Wellington logo ser taxado de esquisito. “Ele nunca se divertiu”, afirma Fábio dos Santos, de 27 anos que cresceu e trabalhou com Wellington. “A impressão é de que ele não fazia mal a uma formiga”, acrescentou.

A infância de Wellington aconteceu quase inteira dentro de casa. A vizinha de muro Deise dos Santos, de 59 anos, consegue ver a casa onde Wellington passou a infância e a adolescência. “Ele brincava no quintal, sozinho”, conta. Mais velho, ele descobriu a internet e, a partir daí, formou-se de vez o seu casulo. Na Rua Jequitinhonha, Guilherme Boniole, de 28 anos, foi o único que disse que conversava com Wellington, principalmente quando os dois eram testemunhas de Jeová. “Falávamos sobre jogos de computador. Ele gostava de Counter Strike (jogo de tiros)”, revela Guilherme.

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Em seu último trabalho, no almoxarifado de uma indústria de alimentos, comentava-se a sua fixação por jogos online. “Era da casa para o trabalho e do trabalho para casa”, conta a vizinha Elda Lira, de 55 anos. Durante o serviço, ele falava o básico, Costumava andar de cabeça abaixada. “Só vivia no mundo dele”, explica Fábio. Wellington não fumava, não bebia, não tinha namorada. Os vizinhos não se lembram de tê-lo visto nos últimos tempos de bermuda, só de calça e roupa preta.

Há cerca de um ano, Wellington deixou Realengo para ir morar em Sepetiba, também na zona oeste, um pouco mais longe do centro do Rio, a caminho do litoral sul do estado. A decisão foi tomada depois da morte de sua mãe adotiva – Rosilene, irmã dele, ainda mora no local. Wellington é o único filho adotivo da família, como se fosse um temporão. Os relatos sobre os pais de adoção são os melhores possíveis. “Eram muito legais e cuidavam muito bem dele. Lembro deles passeando de mãos dadas, quando o menino ainda era pequeno”, diz Maria José Ferreira, de 70 anos, que era amiga de Dicéia, mãe adotiva de Wellington.

Ele foi parar com Dicéia porque a mãe biológica, como contam vizinhos em Realengo, tinha distúrbios. “A mae biológica tinha jeito de maluca. A Dicéia já me falou que a mãe verdadeira não era normal”, afirma Maria José.

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“A Dicéia gostava muito dele. Dizia que ia comprar uma casa em Sepetiba e passar para ele depois”, fala Maria José. Essa casa foi para onde Wellington se mudou nos últimos tempos e destruiu antes de se encaminhar à escola Tasso da Silveira. No colégio, onde matou 11 jovens, sobretudo meninas, o assassino foi percebido pela primeira vez pelos que não eram de sua família.

Até então, ele era inexpressivo. E as poucas lembranças que antigos colegas têm dele fazem referência ao que, hoje, é tratado como bullying – uma preocupação constante de pais e professores. Ao jornal ‘O Globo, o estudante Bruno Linhares, de 23 anos, que estudou com Wellington na escola Tasso da Silveira, contou que alguns alunos provocavam o rapaz. Wellington ganhou os apelidos de ‘Sherman’, em alusão ao personagem nerd do filme American Pie, e ‘Suingue’, porque mancava de uma perna. “O Wellington era completamente maluco. Ele era muito calado, muito fechado. E a galera pegava muito no pé dele, mas não a ponto de ele fazer o que fez”, afirmou.

Um primo do assassino afirmou ao jornal ‘O Dia’ que, certa vez, ele foi colocado em uma lixeira. “Wellington tinha 10 anos e estudava na Tasso da Silveira. Ele sofria discriminação dos colegas. Mais ainda porque era retraído e não tinha amigos. Certo dia, jogaram ele numa lixeira e ele ficou chateado com a gozação”, contou.

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Só uma investigação detalhada – e talvez nem ela – poderá dizer se a monstruosidade teve relação com o bullying. Mas já são fortes os indícios de que, dentro do universo secreto de Wellington, as coisas estavam fora de ordem. A começar pela carta deixada por ele: um amontoado de referências com motivação religiosa mas sem uma doutrina ou orientação clara. Segundo o relato da irmã, Rosilene, à rádio Band News, “ele estava muito focado em islamismo”. “Tinha deixado a barba crescer muito. Era estranho, ficava na internet o dia inteiro lendo temas relacionados (ao islamismo) e era muito reservado”, contou.

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