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Referendo catalão pode levar Espanha à pior crise desde Franco

O confronto entre o governo central e os separatistas catalães poderia levar, em último caso, à intervenção na autonomia regional e até a um Estado de sítio

Por Julia Braun Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 28 set 2017, 19h26

O governo central da Espanha e as autoridades regionais da Catalunha se envolveram em uma grande batalha pela realização do referendo de independência marcado para o próximo domingo. Madri tomou medidas drásticas nas últimas semanas para impedir a votação, considerada uma clara violação à Constituição nacional.

Ainda assim, as autoridades catalãs insistem que realizarão sua consulta a qualquer custo e, caso seja a vontade da maioria da população local, declararão a independência em até 48 horas. Ao que tudo indica, o confronto entre o governo central e os separatistas da Catalunha poderia levar a uma das piores crises políticas do país desde o fim da ditadura de Francisco Franco, em 1975.

“A crise constitucional já está aberta independente do que ocorra no dia 1 de outubro. E o referendo não vai encerrá-la, somente aprofundará suas feridas”, diz o professor de sociologia da Universidade Autónoma de Barcelona e membro do Conselho Consultivo do Governo de Transição Nacional da Catalunha, Salvador Cardús.

Nas últimas semanas, funcionários do governo catalão foram presos e multados em até 12.000 euros (45.000 reais) por dia, gráficas e jornais foram revistados em busca de material propagandista, cerca de 10 milhões de cédulas eleitorais foram recolhidas e centenas de prefeitos foram investigados por apoio ao pleito.

Madri anunciou também a tomada parcial do controle das finanças catalãs e a coordenação a polícia regional, os Mossos d’Esquadra, pela Guarda Civil espanhola para isolar os centros de votação e manter seus responsáveis sob vigilância a partir da sexta-feira até a noite de domingo. Os Mossos disseram que respeitarão a diretriz com a condição de não gerar um risco importante de perturbação da ordem pública.

O catedrático de direito constitucional da Universidade Autónoma de Barcelona, Francesc de Carreras, não vê nenhum sinal de que o governo espanhol esteja atuando fora da lei e, diante de todas as ações tomadas, crê que os separatistas encontrarão muitas dificuldades para realizar o pleito. “Um referendo sério necessita de uma organização, sensos, mesas de votação, administração eleitoral, uma jurisdição para controlar. Isto nunca existiu e agora não há mais tempo para que aconteça”, diz.

Segundo a Comissão de Veneza, um órgão do Conselho da Europa especializado na democracia por meio do direito, referendos devem ser organizados por um “órgão imparcial”. Mas a comissão eleitoral catalã foi designada pelo próprio governo separatista e seus membros tinham laços com os independentistas. Seus cinco membros e delegados provinciais renunciaram para evitar as multas impostas pelo Tribunal Constitucional. Porém, o Executivo regional poderia renomeá-los no último minuto para reduzir o valor das penalidades. A polícia ainda busca a central de contagem de votos, que também deve ser responsável por recolher as urnas no final do domingo, e estaria nos arredores de Barcelona.

A segurança é uma das questões que mais preocupam moradores e autoridades. A administração dos Mossos acredita ser “mais provável” que o isolamento das sessões eleitorais provoque “perturbações da ordem pública”. Para prevenir qualquer eventualidade, o governo espanhol enviou para a região dois terços de seus agentes antidistúrbios e mais de 10.000 agentes das forças de ordem, além dos 16.000 integrantes da polícia local. Ainda assim, confrontos são esperados para o dia da votação.

Para alguns especialistas, as medidas tomadas pelo governo central são extremas, adotadas como último recurso. Porém, poderiam ter sido evitadas caso Madri tivesse aberto a porta ao diálogo político muito antes. Desde 2012, a Espanha tem recusado qualquer tentativa de negociação com a região.

Cinco anos atrás, o então presidente da Catalunha, Artur Mas, pediu ao premiê espanhol Mariano Rajoy a assinatura de um acordo similar ao adotado pelo País Basco, segundo o qual a região receberia do governo federal investimentos equivalentes ao que paga em impostos. O primeiro-ministro recusou a oferta prontamente e, desde então, tem respondido a todos os pedido dos separatistas com um enfático “não”.

“A janela de oportunidade para o diálogo já passou e agora as tensões alcançaram um ponto em que não há mais solução alternativa”, diz a professora da Universidade Aston e especialista em política espanhola, Caroline Gray.

Crise política

Ao que tudo indica, o governo catalão prosseguirá com sua tentativa de referendo em algumas áreas da região. As pesquisas até agora apontavam uma vitória apertada do “não” para a separação. Mas, após muitos opositores e sindicalistas decidirem boicotar a votação, é provável que o pleito favoreça a independência.

Certamente o governo da Espanha não aceitará o resultado de um referendo que considera ilegal e, caso os separatistas insistam em declarar independência, poderia ativar o Artigo 155 da Constituição, que outorga a intervenção pontual em alguns aspectos da autonomia regional. Ou seja, a administração central poderia legalmente intervir na Catalunha e adotar as medidas para estabelecer a ordem constitucional, como anular a votação.

Se isso acontecer, aprofundará a crise política espanhola e poderá impulsionar ainda mais o movimento separatista e sua causa. Para Francesc de Carreras, o governo central poderia ir ainda mais adiante e declarar Estado de sítio ou exceção para proteger a integridade de seu território. “Mas creio que não chegaremos até lá, as leis penais e o cumprimento de sentenças deve bastar. E se não, ainda podem apelar para o Artigo 155”, diz.

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Independentemente do resultado e das ações do governo, a chama do separatismo foi acesa e agora encontra apoio de quase 50% da população regional. “O problema vai continuar e veremos essa questão ser debatida de novo e de novo”, diz Caroline Gray. Ainda que a situação seja normalizada nas próximas semanas, novas reivindicações devem surgir no futuro e Madri precisa encontrar uma solução que agrade a ambos os extremos o mais rápido possível.

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