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Por que os ricaços argentinos estão de mudança para o Uruguai

De um lado da fronteira, crise pandêmica e econômica; do outro, condições mais atraentes

Por Caio Saad Atualizado em 16 out 2020, 10h43 - Publicado em 16 out 2020, 06h00

Não é de hoje que Punta del Este, o balneário mais movimentado do Uruguai, é praticamente a casa de fim de semana dos argentinos abonados. Agora eles estão dando um passo à frente. Motivados por uma série de medidas destinadas a atrair mais moradores para o pequeno país e por sua relativa tranquilidade diante da pandemia, cerca de 30 000 argentinos se mudaram de mala e cuia de chimarrão para o vizinho desde março, o que desencadeou um boom imobiliário e comercial sem precedentes na pequena cidade de 10 000 habitantes fixos. “Há idosos e aposentados entre os imigrantes, mas a maior parte é de pessoas que querem investir em negócios já estabelecidos”, diz Marina Oliphant, diretora da imobiliária Focus Properties, especializada em assessorar estrangeiros em Punta del Este.

Além de apartamentos (um de dois quartos sai por 250 000 dólares, em média), a Focus Properties tem negociado muitos terrenos, indicação de que a leva argentina foi para ficar. Uma concessionária local da Mercedes-Benz revela que as vendas cresceram mais de três vezes nos últimos meses. O empresário portenho Facundo (ele prefere não dar o sobrenome), acostumado a passar as férias no Uruguai, vai cruzar de vez o Rio da Prata até o fim de outubro, junto com a mulher e os filhos — só aguardam os derradeiros documentos e o fim das obras na casa de quatro quartos que a família comprou. O plano, diz ele, é abrir uma franquia de fast-food e, de quebra, fugir de três fantasmas. Um é a Covid-19, que, depois de um esquema inicial animador de combate na Argentina, com quarentena severa e contenção de contágio e mortes, disparou em consequência do relaxamento desordenado de regras, e, com um balanço de quase 25 000 mortes, levou o governo a reimplantar regras duras.

Outro fator que afugenta argentinos é a desastrosa situação econômica do país, onde 30 000 lojas e comércios já faliram, segundo a Câmara de Comércio da Argentina, e a inflação bate nos 41,7%. Por fim, há o desencanto entre o empresariado com a troca de presidente, do liberal Mauricio Macri para o peronista Alberto Fernández, que tem como vice Cristina Kirchner — eles já cravaram um imposto anual de até 2,25% sobre todos os bens e propriedades, inclusive no exterior, e ameaçam taxação extra sobre fortunas acima de 3 bilhões de dólares. “É complicado ter perspectiva de futuro quando não se tem ideia de como vai ser o amanhã ou se o dinheiro no banco vai valer alguma coisa”, suspira Facundo.

RETALIAÇÃO - Fernández: restrições de estada aos argentinos que partirem – (Natacha Pisarenko/Glow/.)

No Uruguai, ao contrário, foram pouco mais de 2 300 casos confirmados de Covid-19 e 51 mortes. Graças a um programa colossal de testagem e rastreamento de contato, a maioria das escolas e restaurantes e até alguns teatros já reabriram. O governo se transferiu da esquerda, onde estava fazia quinze anos, para o liberal Luis Lacalle Pou, que tem entre suas bandeiras uma virada demográfica no país de apenas 3,5 milhões de habitantes, baixa taxa de natalidade e muitos idosos. Um decreto emitido em julho e aprovado pelo Congresso em agosto facilitou tremendamente o assentamento de estrangeiros ricos no país. Para se qualificar como residentes, eles precisam comprar um imóvel de no mínimo 380 000 dólares — antes era 1,7 milhão. Para empresários, o investimento inicial foi cortado de 5,5 milhões de dólares para 1,6 milhão. A isenção de boa parte dos impostos duplicou, de cinco para dez anos. Além disso, a obrigação de passar um tempo no país baixou de seis para dois meses. “O Uruguai é uma nação de portas abertas, com uma política migratória que oferece segurança pública, jurídica e econômica a todas as pessoas que desejam se radicar aqui”, diz Lacalle Pou.

Em represália contra a fuga dos milionários, a Casa Rosada determinou que os argentinos que se mudarem terão de viver ao menos seis meses por ano no novo país e passar no máximo noventa dias por ano na Argentina, sob pena de serem duplamente taxados. O chanceler argentino Felipe Solá, referindo-se à elite que está migrando para o Uruguai, definiu-a como “um grupo pequeno que não tem problema em morar aqui ou em qualquer lugar do mundo”. A emigração é vista como saída para os cidadãos em condições de fazê-lo a cada grande crise que o país atravessa. “O sentimento de querer ir embora se intensifica com a repetição sempre dos mesmos problemas”, diz Alejandro Piscitelli, diretor do Departamento de Sociologia da Pontifícia Universidade Católica Argentina. Os destinos preferenciais eram Europa e Estados Unidos. Com o Uruguai logo ali do lado, e oferecendo regalias, pegar a mala e a cuia e partir ficou mais fácil ainda.

Publicado em VEJA de 21 de outubro de 2020, edição nº 2709

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