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O Equador à mercê do ‘hiperpresidencialismo populista’

Rafael Correa atropela o legislativo e consegue, com estilo centralizador e personalista, corroer alguns consensos construídos com diálogo

Por João Marcello Erthal, de Quito, Equador
5 out 2010, 05h57

“O que estava em curso era uma manifestação séria, mas ainda assim uma manifestação. Em vez de resolver politicamente o conflito, deixando a cargo de seus ministros a mediação direta, o presidente ateou fogo à revolta, desafiando desnecessariamente os rebelados”, afirma o professor de políticas públicas Santiago Basabe

O estilo de governar de Rafael Correa, evidenciado no episódio em que o presidente transformou um protesto de policiais em crise nacional, faz do Equador um dos mais claros exemplos de como as práticas populistas podem ser nocivas a um estado e a seu povo. Correa, que no início de seu governo conseguiu reunir setores divergentes da classe política em nome de uma “reconstrução do estado” equatoriano, vem corroendo, com um repertório de medidas autoritárias e desrespeito à liberdade de pensamento, um consenso caríssimo a uma nação marcada pela instabilidade do poder.

A atitude que deflagrou o levante policial é emblemática: depois de meses de negociação entre o grupo suprapartidário que dá sustentação ao governo na Assembleia Nacional e a oposição, foi aprovado, por 108 do s 124 integrantes do legislativo, o texto da nova lei do Funcionalismo Público. Para a aliança governista, que não chega a ter maioria mas consegue, negociando com blocos isolados, fazer andar a ‘revolução cidadã’ do presidente, o placar era uma vitória.

Irrompe, então, a tentação autoritária: dos pouco mais de 120 artigos, Correa vetou nada menos que 80, entre eles os que preservavam gratificações concedidas a quem é promovido. Os aliados do presidente chegaram a alertar que, por seu simbolismo, acabar com tais benefícios irritaria sobremaneira as duas categorias. Não deu outra: a onda de insatisfação na Polícia Nacional, que é militar, e nos postos mais baixos das Forças Armadas eclodiu no movimento que, não sem algumas demonstrações de imperícia do presidente, culminou em dez mortes e em um estado de exceção que afeta a vida de todo o país.

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Integrante da base de apoio do governo, a deputada Nivea Vélez faz parte dos deputados que alertaram para o efeito nocivo do veto de alguns dos artigos da lei do funcionalismo. “Os vetos presidenciais são um mecanismo para permitir ao executivo co-legislar. Mas, em vez disso, Correa, com seu volume de vetos, vem jogando por terra um trabalho árduo de negociação dos integrantes da Assembleia”, lamenta.

Na avaliação de César Montúfar, um dos líderes da oposição na assembléia, contribui para esse abuso de a forte concentração de poder nas mãos do presidente proporcionada pela constituição de 2008. “O executivo no Equador tem, a meu ver, um poder desproporcional. Nas mãos de um chefe de estado de personalidade centralizadora, isso se transforma em uma espécie de hiperpresidencialismo”, afirma Montufar.

Aos poucos, e cada vez mais rápido, os vícios autoritários suplantam alguns avanços que o Equador teve nos quase quatro anos do governo de Rafael Correa e que mantêm a aprovação do presidente na faixa dos 60% – nada mal, em um estado que teve presidentes recentes que não conseguiam chegar aos 10% e, como se viu, não terminaram seus mandatos. “Diria que há qualidades no governo Correa. Ele não está, até onde se sabe, envolvido direta ou indiretamente em casos de corrupção, como outros presidentes recentes. Criou ou ampliou programas sociais importantes e tem promovido acesso à educação básica. Mas, como está cercado de quadros da esquerda ortodoxa dos anos 70, não consegue desenvolver o setor privado e, em pleno século 21, trata o empresário como um inimigo burguês”, analisa o professor Santiago Basabe-Serrano, especialista em políticas públicas da Faculdade Latinoamericana de Ciências Sociais (Flacso), em Quito.

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O golpe inventado – Basabe enxerga, no episódio que o presidente apresentou à comunidade internacional como tentativa de golpe, uma imprudências de Correa. “O que estava em curso era uma manifestação séria, mas ainda assim uma manifestação. Em vez de resolver politicamente o conflito, deixando a cargo de seus ministros a mediação direta, o presidente ateou fogo à revolta, desafiando desnecessariamente os rebelados”, afirma.

A necessidade de manusear com habilidade um episódio naturalmente explosivo sucumbiu diante de força da personalidade do chefe de estado, diz Basabe. “Não podemos esquecer que Correa é um caudilho. Como tal, quer antes de tudo resolver seus próprios problemas. Acredito que ele não imaginava aquele desfecho e planejava amainar a revolta com seu discurso, posando como herói diante da nação”, analisa o professor.

Diante da derrota, restou a Correa colocar-se publicamente na condição de vítima, angariando a solidariedade internacional e atribuindo o episódio a seus inimigos políticos. A tese do golpe de estado convenceu mais ao resto da Amédica do Sul do que ao próprio Equador – onde as condições para a derrubada de um presidente são tão conhecidas como os efeitos da altitude andina. “Um golpe de quem?”, pergunta o professor Basabe. “Os militares rebelados não eram oficiais, mas praças sem qualquer formação ou ideologia. Até agora, não se tem notícia de alguém que tenha reclamado o poder”, ironiza.

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