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Irmandade Muçulmana: os fundamentalistas contra Mubarak

Maior e mais antigo grupo de oposição do Egito diz ter abdicado da violência, mas alguns membros continuam a apoiar terroristas pelo mundo árabe

Por Cecília Araújo
22 fev 2011, 17h47

Em 18 dias de intensos protestos nas ruas do Egito, representantes do grupo Irmandade Muçulmana fizeram coro com outros manifestantes pedindo a renúncia do presidente do país, Hosni Mubarak. No dia 11 de fevereiro, a “voz das ruas” prevaleceu e o ditador renunciou, deixando nas mãos do Exército a tarefa de governar até as eleições e abrir caminho para um regime democrático no país. Diante do receio dos ocidentais de que os fundamentalistas ameaçariam tal transição, membros da Irmandade afirmaram que não apresentarão um candidado à Presidência, porém anunciaram a formação de um partido político. Mas, afinal, em que consiste o movimento, quem são seus integrantes e qual sua força e participação nos recentes protestos?

A Irmandade Muçulmana é a maior e mais antiga organização islâmica do Egito e principal grupo opositor ao governo de Mubarak – apesar de nunca ter chegado a ser de fato um partido político. Fundado por Hassan Al Banna, em 1928, com o objetivo de espalhar os preceitos do Islã, o movimento teve suas ideias disseminadas rapidamente e, no fim da década de 1940, estimava-se que possuísse 2 milhões de seguidores no Egito. Logo o movimento ganhou ramificações em outras nações árabes, como a Síria e o Iraque. Em meados da década de 1950, a ascensão do teólogo Sayyid Qutb como liderança pôs a Irmandade Muçulmana na trilha do radicalismo. Qutb foi e continua sendo inspiração para grupos como o Hamas (palestino), o Hezbollah (libanês), e mesmo para a rede terrorista Al Qaeda – organizações às quais a Irmandade presta ajuda financeira.

Apesar de seus porta-vozes afirmarem ter adotado o caminho da moderação e da renúncia à violência, o movimento desperta temor e desconfiança no Egito e no Ocidente. Enquanto diz apoiar princípios democráticos, um de seus objetivos ainda é criar, gradualmente, um estado regido pela lei islâmica da Sharia. Seu mais conhecido slogan é: “O Islã é a solução”. Banido várias vezes pelo governo egípcio ao longo da história, o grupo ainda assim se infiltrou no parlamento com candidatos independentes que defendiam, além da liberalização da legislação partidária, a instauração das leis islâmicas no país. Na década de 1980, com a chegada de Mubarak ao poder, a Irmandade apostou em alianças com o partido Wafd, em 1984, e com os partidos dos trabalhadores e dos liberais, em 1987, tornando-se a principal força de oposição no Egito. Porém, em todos esses anos, assim como nos subsequentes, não conseguiu aprovar projetos de seu interesse.

Apenas nas eleições de 2005 o grupo voltou a ganhar expressão, alcançando a sua melhor marca: candidatos aliados independentes ganharam 20% das cadeiras da Assembleia Nacional. Embora não representasse uma ameaça imediata, diante das rigorosas leis impostas por Mubarak, o resultado surpreendeu o presidente por demonstrar a força do movimento. O governo logo lançou mão de novas medidas contra a Irmandade, detendo centenas de seus membros e instituindo um conjunto de reformas legais para sufocá-la. A constituição foi reescrita para estipular que nenhum tipo de atividade política poderia ser baseada na religião. Candidatos independentes foram proibidos de concorrer à presidência, e leis deram vastos poderes às forças de segurança para deter pessoas e desfazer reuniões políticas. Nas eleições parlamentares de novembro de 2010 (certamente manchadas por fraudes), 80% das cadeiras da Assembleia ficaram com o partido governista. A Irmandade não conseguiu um assento sequer.

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Apoio e adesão – Sufocados por décadas de repressão, os grupos opositores possuem uma base popular restrita no Egito. Já a Irmandade Muçulmana, embora ilegal e com menos importância do que no passado, tem grande apoio entre as massas. Segundo Carrie Rosefsky Wickham, professora do departamento de Ciências Políticas da Universidade de Emory, em Atlanta, a aprovação popular do grupo estaria entre 20 e 40% – embora não existam dados oficiais que comprovem os números.

Em entrevista ao site de VEJA, o neto do fundador do movimento, Tariq Ramadan, afirma que a Irmandade não é um todo coeso. Ela abriga tradicionalistas da primeira geração, reformistas seduzidos pelo exemplo da revolução turca e radicais que desejam a imposição do islã pela violência. “Por trás da fachada de uma organização unificada e hierarquizada, existem linhas contraditórias, e não há um prognóstico fechado para o futuro do movimento”, diz ele.

Carrie e Ramadan concordam na avaliação de que a Irmandade não espera assumir o poder no curto prazo. “O repúdio à corrupção do regime de Mubarak era de fato um dos motores do movimento e, para se ver livre desse regime, a Irmandade buscará, ao menos num primeiro momento, partilhar o poder com outros grupos representativos da sociedade egípcia”, diz Carrie. De acordo com Ramadan, as alas moderadas do movimento querem participar processo político e ter um papel no período de transição, mas sabem que não possuem representatividade suficiente para assumir o poder no momento.

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Confira na linha do tempo o histórico da Irmandade Muçulmana:

Cronologia

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  • 1928 A Irmandade Muçulmana é fundada por Hassan Al Banna, com objetivos sociais.
  • 1948 – Organização é dissolvida pelo governo egípcio e se mantém na clandestinidade.

    – Integrante da Irmandade é acusado de assassinar o premiê do Egito, Mahmoud Al Nuqrashi.

    – Banna é morto por um atirador, possível membro das forças de segurança do Egito.

  • 1950 – O número de seguidores do grupo em todo o país chega a 2 milhões de pessoas.

    – Radicalismo trazido pelo ideólogo Sayyid Qutb inspira grupos como a Al Qaeda.

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  • 1952 Um golpe de estado derruba o regime colonial no Egito, com o apoio da Irmandade.
  • 1954 – Movimento é acusado por atentado do qual o presidente Gamal Abdul Nasser saiu ileso.

    – Irmandade é novamente banida. Milhares de membros são presos e torturados.

  • 1966 Governo toma medidas drásticas: Qutb é executado e se torna um mártir na região.
  • 1981 Membros são acusados de assassinar o presidente Anwar Sadat, antecessor de Mubarak.
  • 1984 – Grupo tenta voltar ao meio político através de alianças com partidos de oposição.

    – Irmandade se alia ao partido Wafd, tornando-se a principal força de oposição no Egito.

  • 1987 – Movimento constrói uma aliança com os partidos dos trabalhadores e dos liberais.

    – Gradualmente, Irmandade diz adotar o caminho da moderação e da renúncia à violência.

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  • 2000 – Organização ganha 17 assentos na Assembleia Nacional com candidatos independentes.

    – Irmandade apoia reformas pela abertura do sistema político e o fim da lei de emergência.

  • 2005 – Grupo alcança sua melhor eleição: candidatos independentes aliados têm 20% das cadeiras.

    – Governo detém centenas de membros e institui reformas legais para sufocar o grupo.

  • 2010 – Líderes do partido governista são acusados de fraudar as eleições parlamentares de novembro.

    – Oposição se revolta, mais de 80% das cadeiras da Assembleia são de partidários de Mubarak.

  • 2011 – Contínua repressão à oposição é um dos principais motivos para os recentes protestos.

    – Irmandade participa das manifestações populares, embora seu membros não sejam os protagonistas.

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