Opinião: desta vez, Fluminense tem, sim, direito de reclamar
Não importa se Henrique estava, de fato, impedido no Fla-Flu: interferência externa ainda é proibida. E desequilibra o campeonato
O gol anulado, validado e novamente anulado do zagueiro Henrique, do Fluminense, dominou o noticiário esportivo e as conversas de boteco desta sexta-feira pós Fla-Flu. A discussão certamente durará muitas semanas mais e pode até parar nos tribunais – o que já levanta piadas sobre, mais uma vez, o “advogado do Fluminense” entrar em ação. Neste caso, porém, não resta dúvida: só uma interferência externa pode ter feito o árbitro Sandro Meira Ricci ter mudado sua decisão, depois de quase 13 minutos de confusão. E interferência externa ainda é proibida no futebol – ainda que seja evidente que o auxílio tecnológico só traria benefícios ao esporte mais popular (e atrasado) do planeta.
“O árbitro corrigiu um erro, a justiça foi feita, a decisão salvou o campeonato”, dirão alguns. É verdade. Caso validasse o gol, Sandro Meira Ricci teria cometido um erro gravíssimo (já que Henrique estava em claro impedimento) e poderia ter decidido o campeonato. Mas também é verdade que, num torneio de pontos corridos, todos os jogos valem três pontos e que, neste Brasileirão, não houve outro caso – flagrante, ao menos – de interferência externa. Aconteceu o mesmo em anos anteriores. Os mais recordados, coincidentemente, envolvem o líder Palmeiras: uma “desexpulsão” de Egídio, em 2015, e um gol de mão anulado de Hernán Barcos, em 2012. Mas não importa qual time foi lesado ou beneficiado e se houve punição no passado: o fato é que interferência externa é ilegal.
O caso do Fla-Flu foi flagrante, ainda que Sandro Meira Ricci, com enorme cara de pau, nada tenha relatado na súmula. Não há a menor chance de o experiente árbitro, cotado para apitar na Copa do Mundo da Rússia, escapar de uma punição severa. Menos provável, no entanto, é a anulação da partida, como pediu o presidente do Fluminense Peter Siemsen. “Sou o maior defensor do uso de vídeo, mas ele ainda é irregular e a regra tem de ser igual para todos. Esse jogo tem de ser anulado”, disse Siemsen à Rádio Tupi. Seu raciocínio faz todo o sentido. “Eu até estou achando que os dirigentes do Fluminense vão pensar bem e não vão querer se beneficiar de um lance que foi claramente ilegal”, rebateu o presidente do Flamengo, Eduardo Bandeira de Mello. Ele também teria razão, não fosse o fato de que interferência externa também é ilegal.
Abre-se aí uma discussão filosófica: o árbitro Ricci deveria ter feito o “mais justo” ou o que “manda a lei”. Optou pela justiça dentro da ilegalidade. Não só o Fluminense, que briga por vaga na Libertadores, e o Palmeiras, líder do campeonato, têm direito de reclamar. Todos os 20 clubes do Brasileirão, inclusive o Flamengo, deveriam se sentir ultrajados com o que ocorreu em Volta Redonda, pois todos os times, sem exceção, tiveram erros e acertos a seu favor. Mas apenas um teve um equívoco (ainda que grave) corrigido graças ao um auxílio externo. O Fluminense ainda não protocolou o pedido de anulação da partida, mas caso o faça tem alguma chance de consegui-la. O maior desafio seria definir claramente o que configura “interferência externa”, um conceito ainda nebuloso. Seria uma enorme pena que o campeonato fosse novamente parar no tribunal, mas não seria um absurdo do ponto de vista jurídico. O caso até se assemelha um pouco ao rebaixamento da Portuguesa, em 2013, que mais uma vez evitou que o Fluminense disputasse a Série B. Para quem não é tricolor, o caso representou uma enorme “injustiça”. No entanto, a decisão do STJD cumpriu a lei.