Mourinho x Guardiola: muito mais que um simples United x City
Treinadores mais badalados do futebol mundial já foram próximos antes de se tornarem inimigos. Neste sábado, voltam a se cruzar no clássico em Old Trafford
O estádio de Old Trafford, em Manchester, abrigará duas enormes rivalidades em uma única partida. O sempre picante dérbi entre United e City chegará ao ápice de sua animosidade (e popularidade) neste sábado, a partir das 8h30 (de Brasília), graças ao reencontro de dois velhos conhecidos: José Mourinho e Pep Guardiola. O treinador português do United e o catalão do City já foram bastante próximos, mas, desde 2010, formam a maior rivalidade entre treinadores do futebol mundial – possivelmente de todos os tempos.
Ao longo de uma série de duelos – em campo ou nas entrevistas – Guardiola e Mourinho provaram ter personalidades e filosofias quase antagônicas. Em comum, apenas a vaidade e a fome voraz por vitórias, mas sempre fiéis a seus estilos: Guardiola com a posse de bola e Mourinho, o maquiavélico, como tiver de ser. Neste sábado, eles iniciam uma nova era de duelos em condições iguais: as equipes da cidade investiram milhões de libras em 2016 e lideram a liga inglesa com 100% de aproveitamento em três rodadas. Nesta sexta, Guardiola tentou manter um clima de paz e disse que “tomaria uma taça de vinho com Mourinho, caso fosse convidado”. No passado, porém, o ambiente já foi bastante pesado.
Relembre as fases e frases da rivalidade que incendeia o clássico de Manchester.
1996 a 2000: amizade em Barcelona
As fotos e vídeos de Mourinho e Guardiola lado a lado em jogos e treinos do Barcelona ganharam enorme valor mais de uma década depois de serem registradas. O português, ainda sonhando em se tornar um treinador de elite, trabalhou no Barcelona entre 1996 e 2000 como um auxiliar (e também tradutor e conselheiro) dos técnicos Bobby Robson e Louis Van Gaal. Neste período, Guardiola era o capitão da equipe catalã e, por ironia do destino, era um dos atletas mais próximos do “estagiário” de Setúbal. Anos mais tarde, Mourinho contou que guarda uma foto sua com Guardiola do dia em que o Barcelona conquistou a Recopa Europeia de 1997 sobre o PSG, com gols do brasileiro Ronaldo. “Ainda tenho guardada uma foto desse abraço. Éramos próximos”, admitiu à emissora espanhola Cadena Ser. Segundo relatos de pessoas próximas, o fato de os dois terem sido companheiros antes da rivalidade é justamente o que mais magoa Guardiola. “Tivemos uma amizade. Bem, uma relação de trabalho”, despistou Guardiola, certa vez.
2008: o início da ruptura
Mesmo depois de confrontos tensos contra o Barcelona, já como treinador do Chelsea, José Mourinho nutria o desejo de retornar ao clube catalão, mas como chefe da comissão técnica. A chance apareceu em 2008, quando o já consagrado treinador português chegou a se reunir com dirigentes do Barcelona, em Lisboa, para apresentar suas ideias e se candidatar ao cargo que estava livre depois da saída de Frank Rijkaard. Chegou-se a discutir a hipótese de Mourinho ter ninguém menos que Guardiola – que vinha de um bom trabalho realizado no Barcelona B – como seu auxiliar. Segundo relatos de diversos envolvidos, o que pesou contra Mourinho foi uma recomendação feita pelo holandês Johan Cruyff, ídolo histórico do clube (como técnico e jogador), que trabalhava como conselheiro do presidente Joan Laporta. O craque da Copa de 1974 não gostou da personalidade e das ideias de Mourinho e considerou que Guardiola já estava pronto para assumir o posto. Dito e feito: Guardiola foi contratado e conquistou todos os títulos possíveis já naquela temporada. Para Mourinho, foi o fim da relação com o Barcelona e com o antigo amigo.
2010: o primeiro duelo
Sem chance no Barcelona, Mourinho se transferiu para a Inter de Milão e fez história na equipe italiana justamente ao acabar com a hegemonia do time de Guardiola. Conquistou a Liga dos Campeões de 2010 numa final diante do Bayern de Munique, em Madri. O duelo mais quente, no entanto, aconteceu na semifinal. A Inter de Milão venceu a partida de ida contra o Barcelona por 3 a 1 em Milão e conseguiu a classificação com uma derrota por 1 a 0 no jogo de volta, com uma estratégia extremamente defensiva – além de provocações de Mourinho. Naquela partida, o português chegou a se intrometer em uma conversa entre Guardiola e seu camisa 9, Zlatan Ibrahimovic, numa das cenas mais emblemáticas da rivalidade. Ibrahimovic adora Mourinho desde quando trabalharam na própria Inter, tanto que o sueco aceitou a oferta do United e também estará em campo neste sábado em seu primeiro dérbi. Ibra também detesta Guardiola, com quem trabalhou apenas um ano no Barcelona. Ao apito final da partida em 2010, Mourinho, antes ironizado como “ex-tradutor” do Barcelona, permaneceu no gramado do Camp Nou, pulando e provocando a torcida catalã – chegou a ser contido pelo goleiro Victor Valdés. No ano seguinte, a rivalidade alcançaria um nível inimaginável.
2010 a 2012: guerra espanhola
O Real Madrid não perderia a oportunidade: em junho de 2010, não mediu esforços para contratar o novo ícone “Anti-Barça”. Mourinho chegou com a promessa de competir de igual para igual com o Barcelona de Guardiola. Para isso, usou todos os meios possíveis (principalmente o microfone), mas levou a pior na maioria dos duelos. Logo no primeiro, foi derrotado por 5 a 0 no Camp Nou. Se recuperou meses depois ao vencer a final da Copa do Rei, por 1 a 0. O momento de maior tensão da história do maior clássico espanhol ocorreu em abril de 2011, na semifinal da Liga dos Campeões. Farto de tantas provocações, Guardiola desabafou: ironizou Mourinho, o “puto chefe” (ver box abaixo com frases), e disse que o título de campeão midiático era e sempre seria do português. Em campo, o Barcelona ganhou com show de Messi, e Mourinho, como de costume, culpou a arbitragem. Neste período, a rivalidade entre os clubes se tornou tão agressiva, com entradas violentas e trocas de farpas entre atletas, que até o treinador da seleção espanhola Vicente Del Bosque teve que intervir. Pep teve mais vitórias que derrotas e jamais abdicou de sua filosofia, de toque de bola e jogo vistoso, mas sucumbiu à pressão psicológica. Segundo amigos contaram a jornais espanhóis, a guerra mental com Mourinho teria sido o motivo de Guardiola ter deixado o Barcelona para um ano sabático nos Estados Unidos.
2013: o último duelo
Mourinho e Guardiola não se cruzam em campo desde 30 de agosto de 2013. Na ocasião, Guardiola iniciava sua trajetória no Bayern de Munique e Mourinho retornava ao Chelsea. A equipe alemã venceu a inglesa na final da Supercopa da Europa nos pênaltis, após empate em 2 a 2 no tempo normal. Ao final do encontro, Mourinho foi embora sem cumprimentar o rival. Hoje, casas de apostas da Inglaterra especulam se os treinadores irão se cumprimentar antes e/ou depois da partida deste sábado.
Duelo em números
No histórico do confronto, Guardiola, de 45 anos, leva vantagem: em 16 jogos, foram sete vitórias, três derrotas e seis empates. Em número de títulos, muito equilíbrio: ambos possuem duas Ligas dos Campeões cada (Guardiola também foi campeão uma vez como jogador). Mourinho, 53 anos, venceu 22 títulos na carreira de treinador, contra 21 de Guardiola (sem contar torneios amistosos como Troféu Joan Gamper, Santiago Bernabéu ou Copa Audi). O técnico do United, porém, trabalha desde 2000, enquanto Guardiola estreou apenas oito anos depois.
Guerra midiática: as melhores frases de Mourinho e Guardiola
Nesta sexta-feira, em entrevista prévia ao duelo, Guardiola tentou aparar as arestas. “Os anos com Real e Barcelona não foram fáceis para ninguém, mas nos vimos há alguns dias na reunião dos treinadores e tudo foi correto. Como treinador, tenho muitíssimo respeito por Mourinho e tento aprender de todos, é simples assim. O que falam de rivalidade é simplesmente uma questão midiática”, disse, além de aceitar a brincadeira de um jornalista. “Sim, tomaria um vinho com ele se ele me convidasse”. No passado, no entanto, os dois brindaram os jornalistas com frases memoráveis.
“Começamos uma nova era. Até agora tínhamos dois grupos de treinadores. Um, muito pequeno, de técnicos que não falam de árbitros. Outro, um grupo muito grande e no qual me incluo, que critica quando os árbitros cometem erros importantes. (…) E agora com as declarações de Pep, entramos numa nova era. Um terceiro grupo que até agora só tem ele: o dos que reclamam dos acertos do árbitro.”
Mourinho, em abril de 2011
“O senhor Mourinho me chamou de Pep, então o chamarei de José. Qual é a câmera do José? Devem ser todas. Amanhã nos enfrentamos no campo. Fora do campo, ele ganhou durante todo o ano e ganhará todas no futuro. Lhe presenteio sua Liga dos Campeões particular fora de campo, que a leve para casa e desfrute. (…) Nesta sala de imprensa, ele é o ‘maldito chefe’, o que mais sabe do mundo. Não quero competir nenhum instante. Só queria recordar-lhe que estivemos juntos quatro anos, ele me conhece, e eu o conheço.”
Continua após a publicidadeGuardiola, em resposta, em abril de 2011
“Um dia, gostaria de ver Josep Guardiola ganhar uma competição de maneira correta, brilhante, limpa e sem escândalo. Se eu disser o que penso sobre a Uefa, minha carreira estará encerrada. Pergunto aos árbitros: por quê? Por quê? Por quê? Por que um time tão bom como o Barcelona sempre precisa de ajuda extra? Não sei se é o patrocínio da Unicef que os faz parecer os bonzinhos. Não entendo. (…) Sempre que jogo contra Pep, termino com dez jogadores. Deve ser alguma regra da Uefa.”
Mourinho, ainda em 2011
“Tem gente que é mais inteligente que eu, que tenta vender uma imagem diferente da minha, mas na verdade é igual a mim”
Continua após a publicidadeMourinho, em clara referência ao rival, em março de 2012
“Se for verdade que somos parecidos, então está na hora de eu rever meu comportamento.”
Guardiola, vestindo a carapuça