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Carlos Arthur Nuzman: ‘Brasil é ouro em burocracia’

Com a missão praticamente cumprida, a autoridade máxima na organização da Olimpíada do Rio sente-se à vontade para criticar Brasília

Por Monica Weinberg Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO , Thiago Prado Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 7 ago 2016, 12h45

Após sete anos pisando em ovos e usando luvas de pelica, tudo em nome do bom andamento dos preparativos para a Olimpíada do Rio de Janeiro, o grande dia chegou: Carlos Arthur Nuzman, 74 anos, presidente do Comitê Olímpico do Brasil e da Rio 2016, pode enfim ficar à vontade para fazer um balanço sincero das alegrias e tristezas do percurso. Sua felicidade maior é o clima de festa na cidade, que, aposta, apagará o mau humor inicial. Na outra ponta, com o conhecimento de quem acumulou muitos quilômetros rodados nos gabinetes do governo, Nuzman critica a burocracia, o excesso de instâncias decisórias e a má vontade da Petrobras para liberar patrocínios. Por fim, nesta entrevista a VEJA, adianta que, logo depois de entregar seus relatórios sobre a Olimpíada carioca, pretende deixar o comando do COB, no qual está há mais de duas décadas.

Agora que a Olimpíada começou, o senhor diria que foi muito difícil chegar até aqui? Houve obstáculos, claro. Se fosse escolher um, não teria dúvida: o maior entrave de todos chama-se burocracia. O Brasil é ouro nessa modalidade. Vários processos simples se arrastaram em Brasília por causa da máquina emperrada. Os atrasos na organização têm muito a ver com isso. Pôr os Jogos de pé é de uma complexidade incomparável à de qualquer outro evento. Faltou essa compreensão.

Desde 2009, quando o Rio ganhou a disputa para sediar a Olimpíada, o senhor lidou com um prefeito, três governadores, cinco ministros do Esporte e três presidentes da República. A quem faltou mais compreensão? Não é uma questão de dar nomes. Esse é um problema geral. No governo, as pessoas não têm experiência na organização de algo com essa envergadura nem entendem direito a sua dimensão. Também não estão acostumadas a tomar decisões rápidas. Organizar esses Jogos foi uma verdadeira aula sobre o Estado brasileiro.

O troca-troca de governantes acabou sendo prejudicial à Olimpíada? Evidentemente, administrar isso não foi trivial. A cada troca, era necessário analisar o novo grupo no poder e entender seu modo de agir, sua psicologia. Sair incólume disso é uma arte. Acho que fui bem.

O senhor conviveu com os presidentes Lula e Dilma Rousseff e, agora, com o interino Michel Temer. Como descreveria a visão de cada um sobre os Jogos? Os três entenderam a oportunidade que se abriu ao país.

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Daria para ser mais específico? Posso dizer que o Lula brigou muito para fazer a Olimpíada aqui. Enxergava a chance de botar o Brasil no mapa. O Temer vai na mesma linha.

Como foi ir a Brasília falar de Olimpíada quando a prioridade era a Copa do Mundo, depois a eleição presidencial e depois o impeachment? Não dá para negar que a agenda política atrapalhou o andamento das coisas. Desde a Olimpíada de 1948, em Londres, com a Europa recém-saída da II Guerra, talvez nenhum país tenha passado por tantas mudanças durante a organização dos Jogos quanto o Brasil. Mas nunca pensamos em devolver as chaves ao Comitê Olímpico Internacional, como outras cidades que ficam com suas queixinhas e acabam deixando o páreo.

Por exemplo? Em 2000, Brasília foi instada pelo próprio COI a abandonar a candidatura. Estavam fazendo tudo errado, gastando dinheiro à toa. Garanto que nunca ocorreu ao COI fazer nada parecido com o Rio.

A propósito de dinheiro, a Olimpíada carioca vai se encerrar mesmo com um buraco de 250 milhões de reais? É cedo para dizer. Não se sabe se teremos de arcar com mais alguma despesa inesperada nestas próximas semanas, como os reparos de emergência na Vila Olímpica. De outro lado, ainda estamos negociando patrocínios.

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Se a conta não fechar, quem vai cobrir o rombo? A prefeitura e o governo do Rio. Certamente essa não seria uma questão se a Petrobras tivesse entrado com uma parte nas cotas de patrocínio. Não entendo por que ela não fez isso. É a primeira vez em que a companhia de petróleo do país-sede ficará de fora da Olimpíada.

Não é algo razoável diante da situação crítica da empresa? Não pedi dinheiro. Pedi à BR Distribuidora que contribuísse com combustível para abastecer a frota olímpica. Nem isso foi dado. Depois de tudo o que a Operação Lava-Jato mostrou ter acontecido ali dentro, a Petrobras bem que poderia ter feito uma média para sair bonitinha na foto.

É verdade que dirigentes do COI vêm se queixando do corte de mordomias? Não. Eles conhecem bem a situação. Vamos oferecer a Olimpíada que podemos, sem camarão nem lagosta.

Por que a navalha não incidiu, por exemplo, sobre a Autoridade Pública Olímpica (APO), que chegou a mais de uma centena de funcionários mantidos com verbas federais sem nunca ter dito a que veio? Sinceramente, não sei. A APO jamais deveria ter sido criada. Apesar de haver até gente boa ali, o órgão nunca teve poder nem orçamento, ao contrário de instância semelhante em Londres. Quer um termômetro da inutilidade da APO? Em sete anos de organização dos Jogos, eu, o presidente do Comitê Rio 2016, não pus os pés lá nem uma única vez.

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Com dificuldade de atrair o interesse de cidades para sediar os Jogos, o COI sempre apostou que a Olimpíada carioca seria estratégica para mostrar ao mundo que dá para gastar menos e deixar um bom legado. O Rio ainda servirá como vitrine? Sim. O legado para a cidade é visível, inquestionável, mesmo que problemas persistam. Destaco o avanço nos transportes públicos e uma infraestrutura que tem tudo para estimular a prática do esporte no país. Tóquio, a próxima sede, entrou na trilha do Rio e também começou a passar a tesoura nos gastos. O projeto de um grandioso estádio olímpico foi abandonado e trocado por outro bem mais simples. O basquete deve ser disputado em Osaka, onde as instalações já estão prontas. Acredito que Pequim e Londres foram os últimos Jogos categoria plus. Estamos em outra era.

Falta definir no Rio quem ficará à frente da administração de uma parte das arenas. O senhor teme que ninguém se habilite? Obviamente que o medo de que arenas virem elefantes brancos sempre existe, mas não acho que vá acontecer.

Algumas instalações foram superdimensionadas? Sim, mas prefiro não entrar no vespeiro de citar esta ou aquela arena. É praxe em Olimpíadas. As federações internacionais sempre fazem o seu lobby, e muitas vezes isso resulta em puro delírio. No Rio não foi diferente.

O campo de golfe pode ser um deles e, no entanto, nenhuma das grandes estrelas virá ao Rio para competir. Foi um erro incluir essa modalidade na Olimpíada depois de mais de um século fora? Nomes de peso do golfe não vêm ao Rio porque não receberão prêmios em dinheiro. Alegaram que o motivo é o zika vírus. Se fosse verdade, não competiriam em Miami, onde o vírus também circula, certo? Adianto aqui que o COI repensará se o golfe permanece na grade olímpica ou sai.

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Na última quarta-feira, cinco esportes foram anunciados como novas modalidades já em Tóquio: skate, surfe, caratê, escalada e beisebol. Por que aumentar o rol? A ideia é atrair gente jovem. Disso depende a sobrevivência da Olimpíada. Sabe que até o Romário fez lobby? Queria incluir o futevôlei, mas não foi adiante.

Tão logo os problemas nas instalações na Vila dos Atletas vieram à tona, iniciou-se o tradicional jogo de empurra quanto às responsabilidades. Qual é, afinal, a parcela de culpa do Comitê Organizador? Reconheço que cometemos um erro. Poderíamos ter feito uma vistoria mais aprofundada. Ao menos agimos rápido quando os problemas apareceram. Não é desculpa, mas vilas sempre dão problema mesmo. Em Pequim, a água do chuveiro molhava o quarto todo; em Sydney, teve gente dormindo até em contêiner.

O senhor acha que o prefeito Eduardo Paes estava certo ao lamentar as oportunidades perdidas pelo Brasil desde que o país foi escolhido para sediar a Olimpíada? Houve algumas chances perdidas. O saneamento da Baía de Guanabara é uma delas.

O novo laboratório, que chegou a ser descredenciado pela Agência Internacional Antidoping, seria outra oportunidade desperdiçada? Não. O laboratório ombreia em tecnologia com os melhores do mundo. O governo gastou uma fortuna ali. Agora, é claro que fiquei por conta com o que aconteceu. Isso para dizer o mínimo.

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Em pesquisas recentes, a maioria dos brasileiros afirma ser contra a Olimpíada. Ela acabou acontecendo no momento errado? Sempre tem gente mal-humorada, invejosa, com complexo de vira-lata, achando que tudo no Brasil é ruim. Mas estou certo de que a partir de agora a festa vai reverter o quadro. Aliás, o Rio já é uma festa para todos os gostos. Montaram até pista de esqui.

O alemão Thomas Bach, presidente do COI, quis cutucar a organização local quando afirmou que esta Olimpíada seria à la Brasil? De jeito nenhum. A de Pequim foi à la China, a de Atenas, à la Grécia. Uma diferente da outra.

Depois de mais de duas décadas na presidência do COB e tendo alcançado seu objetivo-mor com esta Olimpíada, o senhor continuará à frente do comitê? Pretendo sair do COB depois que entregar um relatório com a prestação de contas destes Jogos. Terei cumprido minha etapa no comitê. Pode ser que vire consultor e dê palestras na área de esportes. Prometo que não vou me candidatar a nada.

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