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Cultura

Harry Potter, um conto de fadas pós-moderno

A identificação de quem lê é parte crucial da receita mágica do caldeirão de JK Rowling

por Heloísa Noronha Atualizado em 26 jun 2017, 18h53 - Publicado em
24 jun 2017
03h34

A identificação de quem lê é parte crucial da receita mágica do caldeirão de JK Rowling

Um amor que une e atravessa gerações mostra, de acordo com especialistas, que Harry Potter já se tornou um clássico.

Para Luís Antonio Torelli, presidente da Câmara Brasileira do Livro (CBL), a obra de JK Rowling tem o calibre de Alice no País das Maravilhas, de Lewis Carroll, de Oliver Twist e de David Copperfield, de Charles Dickens, e de As Aventuras de Huckleberry Finn, de Mark Twain. “É uma saga que está há 20 anos no mercado e ainda atrai novos leitores. As pessoas buscam compartilhá-la”, diz.

Na opinião de Ana Crelia Dias, doutora em Literatura Brasileira pela UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e coordenadora do curso de especialização em Literatura Infantil e Juvenil da mesma instituição, não se pode negar que Harry Potter já é um clássico juvenil, embora com ressalvas. “No Brasil, a leitura está associada a escolarização e, por isso, encontra grande resistência entre os jovens. Harry Potter, ao ser rejeitado pelos estudos acadêmicos e, consequentemente, não adentrar a escola, ganhou aquele público que desejava se apropriar da leitura como sujeito, e não como reprodutor da expectativa pedagógica. Ela se firmou a partir de um pacto do mercado com o desejo dos jovens de se apropriar clandestina e autonomamente da leitura. Os clássicos de hoje certamente não seguem os mesmos caminhos da época de Twain, Dickens ou Carroll.”

Capa da edição brasileira do livro ‘Harry Potter e a Ordem da Fênix’
Capa da edição brasileira do livro ‘Harry Potter e a Ordem da Fênix’ (Reprodução/Reprodução)

Em Harry Potter – As Razões do Sucesso (Contraponto Editora), a filósofa francesa Isabelle Smadja argumenta que a série constitui um conto de fadas moderno, inclusive no mote do órfão que luta contra o mal enquanto busca sua real identidade (tal qual Cinderela, por exemplo). E chama a atenção para o fato de que a magia, na verdade, é uma metáfora da vida e que a humanidade dos personagens e seus conflitos é o ponto mais interessante para os leitores. “Ao descrever um mundo que os trouxas (os não bruxos) são excluídos, J.K. Rowling falou de todos nós”, escreveu.

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A identificação de quem lê é parte crucial da receita mágica do caldeirão de JK Rowling. “A escritora ter dito que Dumbledore era gay foi uma grande surpresa para aqueles que tinham dúvidas e receios com relação à sexualidade. Afinal, se o bruxo mais inteligente e poderoso do Mundo Bruxo era gay, por que nós não poderíamos sers felizes com as nossas orientações sexuais?”, diz Marcelo Neves, mestre em TI e um dos criadores do portal brasileiro Potterish, principal referência para os fãs do Brasil e da América Latina. Online desde 2002 e premiado pela própria autora, o site já chegou a registrar mais de um milhão de visitas em um único dia.

Em Harry Potter e a Filosofia (editora Madras), a professora de inglês e artes cênicas Mimi Reisel Gladstein assina o capítulo “Feminismo e Oportunidades Iguais: Hermione e as Mulheres de Hogwarts” e discorre sobre a contribuição da bruxinha à autoestima e ao empoderamento femininos. Conforme a análise de Gladstein, JK Rowling não trata as mulheres como cidadãs de segunda classe em seus livros. A história apoia a igualdade de gênero e as mulheres têm as mesmas oportunidades que os homens. Hermione, inclusive, jamais se coloca como passiva nas situações e prefere defender a si mesma em vez de esperar que algum menino a salve. O webmaster Pedro Martins, do Potterish, recorre a outros exemplos: “Particularmente, a forma como Luna Lovegood enxerga e interage com o mundo é extremamente inspiradora. Sou homem, mas sei que o protagonismo feminino desempenhado por Gina Weasley nos livros é igualmente importante.”

Capa da edição brasileira do livro ‘Harry Potter e o Cálice de Fogo’
Capa da edição brasileira do livro ‘Harry Potter e o Cálice de Fogo’ (Reprodução/Reprodução)

Para a estudante de cinema Marina Anderi, webmistress do Potterish, a principal mensagem da série é que o amor é a maior força de todas. “Há diversos personagens, bastante diferentes entre si, mas igualmente maravilhosos, que fazem com que as pessoas se encontrem e pensem ‘Ei, tudo bem ser assim’. Pelos valores que os livros transmitem, os leitores tendem a ter a mente mais aberta e a ser mais compreensivos” afirma. Marina tem razão: em 2015, um estudo realizado por cientistas no Reino Unido e na Itália investigou o comportamento de crianças e adolescentes fãs de Harry Potter e chegou à conclusão de que os leitores da série tendem a ser mais tolerantes e abertos em relação a grupos estigmatizados (como imigrantes e gays) e menos preconceituosos.

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Especialistas em contos de fadas, os psicanalistas Diana e Mário Corso, autores de Fadas no Divã – Psicanálise nas Histórias Infantis (Artmed), veem a mensagem de tolerância da saga como louvável. “Em alguns momentos, é possível ver a alegoria ao nazismo e ao totalitarismo e perceber como é fundamental lutar pela democracia”, diz Diana. Ela garante que mesmo os leitores mais jovens são sensíveis aos significados profundos da obra, principalmente com o sentido que a autora dá à escola. “Ao colocar Hogwarts como um local privado, Harry Potter mostra com maestria a importância de viver os assuntos escolares sem a intromissão excessiva da família”, afirma.

Ansiedade, medo, experiências amorosas, amizade, traição, aprendizado, família, preconceito, resiliência, resistência, entre tantos outros elementos típicos do ser humano, estão presentes em Harry Potter. A diferença é que vêm regados com boas doses de magia e efeitos visuais que ainda encantam a imaginação e o olhar. Motivos não faltam para o bruxinho resistir ao feitiço do tempo e se imortalizar através das gerações.

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