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Uma noite africana na Marquês de Sapucaí

Beija-Flor, Vila Isabel e Portela fazem os melhores desfiles de domingo. Estreante Renascer de Jacarepaguá não empolga e corre risco de cair

Por Rafael Lemos, do Rio de Janeiro
20 fev 2012, 10h55

A cartada final da Beija-Flor foi a homenagem ao carnavalesco Joãosinho Trinta, com a alegoria Cristo Mendigo, alvo de uma polêmica histórica com a Igreja Católica

Desde o Salgueiro dos anos 1960, desfiles inspirados na cultura africana são uma espécie de barril de pólvora do bem, com alto potencial explosivo. Uma força inexplicável costuma atuar sobre as escolas de samba que optam por essa vertente, e no mundo do samba a crença é de que nesse momento os orixás inspiram os diversos segmentos da agremiação. Na noite de domingo, a mística dos enredos africanos voltou a prevalecer na Marquês de Sapucaí. Portela, Beija-Flor e Vila Isabel beberam dessa fonte – cada uma à sua maneira – e protagonizaram os melhores momentos da noite.

Há quem diga que o tempero afro deixa até os sambas-enredo mais bonitos. E, inegavelmente, a Portela contribuiu para reforçar essa crença, apresentando um samba memorável para embalar o enredo intitulado “…E o povo na rua cantando. É feito uma reza, um ritual…”. Foi assim, cantando as festas e a religiosidade da Bahia, que a azul e branca de Madureira encantou o público e lavou a alma, um ano após ter ficado de fora da disputa devido ao incêndio em seu barracão.

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A águia, símbolo do orgulho portelense, estava puro luxo – bem diferente dos carnavais recentes, em que teve problemas com orçamento e apresentou alegorias muito mais simples que as concorrentes. Dourada e com riqueza de adornos, a águia da escola de Madureira executava movimentos articulados com a cabeça e as asas, num show à parte. Outro ponto alto foi a participação da cantora Vanessa da Matta, que interpretou a inesquecível Clara Nunes. Depois do desfile pouco empolgante da Renascer de Jacarepaguá, a Portela, segunda da noite, deu de presente ao novo Sambódromo um tema prazeroso de ouvir. E uniu o público em torno de um canto. Afinal, falar de Clara Nunes – fio condutor do enredo – é garantia de respeito de todo o público, independentemente de torcidas e rivalidades. Também não faltaram orixás em abundância para ilustrar a fé do povo baiano.

Os problemas que a Portela poderá ter com os julgadores está na divisão clara em seu desfile. A primeira metade da escola esteve triunfal, apta a disputar o campeonato com qualquer agremiação. Mas as limitações financeiras e crises internas acabaram refletindo-se no restante do desfile, sinalizando que ainda há um caminho a percorrer antes de quebrar o longo jejum de títulos. Na reta final da preparação, uma greve de operários atrasou os trabalhos no barracão da escola e prejudicou o acabamento das alegorias. Considerando que a noite de segunda-feira trará fortes concorrentes, como Tijuca e Salgueiro, são poucas as chances de a Águia brigar entre as primeiras.

Beija-Flor – Mesmo quando vai mal, a Beija-Flor de Nilópolis vai bem – e este é um consenso mesmo entre os sambistas nada simpáticos à escola. Sempre competitiva, a atual campeã colocou-se mais uma vez entre as candidatas ao título. O enredo era sobre São Luís do Maranhão, mas apenas serviu de pretexto para a escola apresentar sua velha fórmula de sucesso: luxo, monstros e, claro, a África.

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Com mais de 1.500 negros em alas teatralizadas e coreografadas, a Beija-Flor conseguiu reverter o foco do desfile para os escravos que foram levados para a capital maranhense antes mesmo de sua fundação. O luxo esteve presente na maior parte do desfile, sobretudo no primeiro setor. A comissão de frente causou frisson, saindo de dentro do tripé “Serpente encantada”. As lendas maranhenses, aliás, deram margem para a Beija-Flor resgatar a sua fase de monstros e criaturas diabólicas, coroada com vários títulos.

Se esteticamente a escola foi competente, o mesmo não se pode dizer sobre o desenvolvimento do enredo. Em meio a luxo, serpentes e assombrações, havia uma alegoria em referência à Jamaica e o reggae, gênero musical que faz sucesso na capital maranhense. Se é indiscutível que há uma relação verdadeira entre o reggae e o Maranhão, o mesmo não se pode dizer da forma como esse elemento foi inserido ao enredo. A sensação, diante de tantas referências à África, era de que o ritmo jamaicano ‘sobrou’ no desfile.

Mas a Beija-Flor tinha uma cartada final: a homenagem ao carnavalesco Joãosinho Trinta. A alegoria “Cristo Mendigo”, alvo de uma polêmica histórica com a Igreja Católica, foi relembrada na Avenida. Em 1989, o desfile Ratos e urubus, larguem a minha fantasia ficou marcado por uma escultura de Cristo que desfilou coberta, com o dizer “Mesmo proibido, olhai por nós”. Dessa vez, a escultura foi revelada e, no lugar do Cristo, surgiu um Joãosinho Trinta de braços abertos.

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Vila Isabel – Com um enredo sobre Angola, a Vila Isabel mostrou o poder de um enredo genuinamente africano. No aquecimento, o samba-enredo Kizomba, a festa da raça(1988) lembrava aos componentes e adversários que o primeiro título da escola foi conquistado com um desfile pobre, porém valente, e tendo a África como tema.

Bem menos luxuosa do que a rival de Nilópolis, a Vila se impôs pela qualidade do samba, força do canto, cadência da bateria e ausência de erros. Tudo isso ancorado na competência da carnavalesca Rosa Magalhães, responsável por um refinado conjunto de fantasias e alegorias – sua assinatura desde os tempos da Imperatriz Leopoldinense. A paradinha, com direito a coreografia de kuduro puxada pela musa Quitéria Chagas, também esteve entre os pontos altos.

Embora a catarse de Kizomba não tenha se repetido, a escola conseguiu mexer com o público que ainda resistia aos primeiros raios do sol, no encerramento do primeiro dia de desfiles do Grupo Especial. Quem se manteve acordado foi recompensado, e assistiu a um desfile que fatalmente estará no sábado das campeãs e desponta como um dos candidatos ao título de 2012.

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Renascer, Imperatriz e Mocidade – Se a África predominou nos desfiles de Vila, Beija-Flor e Portela, outras três agremiações da noite de domingo tiveram, em comum, enredos que homenagearam grandes artistas brasileiros. A Renascer de Jacarepaguá, estreante no Grupo Especial, apostou nas cores da obra de Romero Britto, mas acabou fazendo um desfile simples demais e está cotada para o rebaixamento.

A Imperatriz Leopodinense montou um belo conjunto de alegorias e fantasias para contar a história do escritor Jorge Amado, mas sofreu com problemas ainda na concentração. Pelo menos três carros tiveram dificuldades para entrar na pista. O carro que representava a Igreja do Bonfim, por exemplo, levou mais de cinco minutos para conseguir entrar na Avenida.

Já a Mocidade Independente de Padre Miguel falou sobre o pintor Cândido Portinari. Com poucos recursos, o carnavalesco Alexandre Louzada apelou para a criatividade, recorrendo a espelhos para dar brilho e luxo aos carros alegóricos. Mas quesitos como comissão de frente, casal de mestre-sala e porta-bandeira e evolução devem comprometer bastante o resultado da escola.

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Mico – A Porto da Pedra arriscou-se ao escolher um enredo, digamos, pouco carnavalesco. E pagou caro pela ousadia de contar a história do iogurte, motivada por um patrocínio. Apesar do esmero em fantasias e alegorias, o desfile foi incompreensível e extremamente monótono para os espectadores.

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