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Saiba o que há de história real em ‘Game of Thrones’

George R.R. Martin, autor dos livros que inspiraram a série, usou sua, digamos, veia de historiador ao se apropriar de elementos da Guerra das Rosas

Por Mariane Morisawa, de Los Angeles
Atualizado em 27 ago 2017, 07h34 - Publicado em 27 ago 2017, 07h34

Game of Thrones pode ter seres fantásticos como dragões, Caminhantes Brancos e gigantes, mas um bocado do que acontece nos livros de George R.R. Martin, e também na série feita por David Benioff e D.B. Weiss para a HBO, é baseado em fatos históricos – tanto que a respeitadíssima Universidade Harvard está oferecendo um curso que traça paralelos entre as obras de ficção e a realidade, dado pelo historiador Sean Gilsdorf, especialista em Estudos Medievais, e por Racha Kirakosian, professor assistente de Estudo da Religião. O próprio George R.R. Martin, que estudou um pouco de história quando universitário, já admitiu ter usado como modelo para As Crônicas de Gelo e Fogo a Guerra das Rosas, conflito que pôs duas casas – Lancaster e York – na disputa pelo trono inglês, ao longo de boa parte do século XV.

As comparações entre fato e ficção foram exploradas em livros como Winter Is Coming: The Medieval World of Game of Thrones (“O inverno está chegando: o mundo medieval de Game of Thrones”, em tradução livre), da professora de Literatura Europeia Medieval da Universidade de Oxford Carolyne Larrington. “No momento em que vi a Muralha no episódio que abriu a primeira temporada da série, com os lobos e a descrição da sociedade em Winterfell, percebi que era um programa para levar a sério”, diz Larrington.

Para Brian A. Pavlac, professor de história do King’s College, no Estado da Pensilvânia, e organizador do livro Game of Thrones versus History: Written in Blood (“Game of Thrones x História: escrito com sangue”, em tradução direta), foram as questões de justiça e política já no programa-piloto, nas cenas entre Ned Stark (Sean Bean) e o Rei Robert (Mark Addy), que mostraram “um bom senso de temas históricos”.

Kelly DeVries, que é professor de história da Loyola University Maryland, por sua vez se mostra menos entusiasmado com os cruzamentos. “Claro que os Starks são os York na Guerra das Rosas, e os Lannisters são os Lancasters, mas, fora os nomes, não há muitas semelhanças. Não houve incesto, nem corvos de três olhos, nem casamentos vermelhos, banhados de sangue. E, óbvio, nenhum dragão.”

Ser versado em história, porém, pouco ajuda para descobrir quem vai terminar sentado no Trono de Ferro. Kevin Uhalde, professor associado de História da Universidade de Ohio que vê com bons olhos a maneira como a arte se espelha na história, ao mostrar que, independentemente da quantidade de riqueza e de poder, os jogadores estão à mercê do inesperado, do imprevisível e do incontrolável, diz não ter a mais vaga ideia. O mais vago spoiler.

Pavlac só sabe que muita gente vai morrer (não diga) e acha, como Jon Snow (Kit Harington), que o mais importante é a grande guerra contra os Caminhantes Brancos. Para Larrington, Daenerys Targaryen (Emilia Clarke) será a soberana. Já DeVries diz que sabe quem vai vencer a guerra dos tronos, porque os produtores deixaram escapar a informação durante uma entrevista para extras do DVD e o fizeram jurar não revelar a ninguém. “Mas eu teria escolhido essa pessoa mesmo se não tivessem me falado”, disse. “Para mim, a conclusão é bem óbvia, mas, como todo mundo me faz essa pergunta, talvez não seja tanto assim.”

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Guerra das Rosas

Game of Thrones
Game of Thrones e a História (HBO/Divulgação)

Uma família, os Lancaster, do Sul da Inglaterra, luta contra outra família, os York, do Norte, pelo trono – história real que, antes de George R. R. Martin, serviu de inspiração a William Shakespeare. “Ricardo de York, que era Protetor do Reino, teve sua cabeça cortada, como Ned Stark. O Rei Robert Baratheon é como Eduardo IV, um bon vivant que se casa com a mulher errada e morre jovem. Cersei (Lena Headey) é Margarida de Anjou, que manipulou em nome de seu marido, o rei, acometido por problemas psicológicos, e seu filho contra os York”, completa.

O filho em questão, Eduardo de Westminster, é descrito como cruel e havia a suspeita de que fosse filho de Margarida com outro homem que não o rei, assim como se dá com Joffrey (Jack Gleeson), filho do irmão de Cersei, Jaime (Nikolaj Coster-Waldau). Ricardo III, irmão de Eduardo IV, tomou o trono ao dizer que seu sobrinho, Eduardo V, que tinha 12 anos quando o pai morreu, era ilegítimo, tal qual Stannis Baratheon (Stephen Dillane) tentou fazer com seu sobrinho Joffrey Baratheon.

 

Mulheres

Cersei (Lena Headey) no último episódio da 7ª temporada de 'Game of Thrones'
Cersei (Lena Headey) no último episódio da 7ª temporada de ‘Game of Thrones’ (Helen Sloan/HBO)

As mulheres de Game of Thrones são abusadas, humilhadas e brutalizadas, mas também conseguem exercer influência, tomar o comando e fazer frente aos homens. “Lembram certas imperatrizes bizantinas”, diz o professor Kevin Uhalde. Para ele, Cersei Lannister remete a Irene, consorte bizantina até a morte do marido, em 780. Viúva, Irene se tornou regente, porque o filho Constantino VI ainda era pequeno, e por fim conquistou o título de imperatriz. “Mas a divisão de poder não deu certo. Ela acabou mandando arrancar os olhos de Constantino e governou sozinha até sua morte, em 803”, conta Uhalde. Claro, há semelhanças com Margarida de Anjou.

Já para Carolyne Larrington, de Oxford, Cersei está mais perto da rainha Isabella, mulher de Eduardo II, que tinha relações sexuais com outros homens – como Cersei tem com Renly Baratheon (Gethin Anthony), seu cunhado, irmão de seu marido. Isabella e seu filho mais velho se rebelaram e se envolveram na morte do rei. Ela então arrumou um amante e tentou influenciar o filho, Eduardo III, que executou o amante da mãe e a colocou em prisão domiciliar.

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Khal Drogo: Gengis Khan

Jason Momoa no papel de Khal Drogo na série 'Game of Thrones'
Jason Momoa no papel de Khal Drogo na série ‘Game of Thrones’ (Divulgação/VEJA)

A semelhança do título (Khal e Khan), a origem oriental dos Dothraki (a leste de Westeros) e sua marca como guerreiros sobre cavalos fazem com que se assemelhem aos mongóis. Mas o paralelo termina aí. “Drogo (Jason Momoa) nunca conseguiu cumprir sua promessa a Daenerys (Emilia Clake), enquanto Gengis Khan e seus sucessores criaram o maior império terrestre já visto, do Pacífico à Hungria”, diz Carolyne Larrington.

 

Casamento Vermelho e Jantar Negro

Não houve na História nada muito parecido com o Casamento Vermelho, em que Robb Stark (Richard Madden), sua mulher, Talisa (Oona Chaplin), e sua mãe, Catelyn (Michelle Fairley), foram mortos pelos Boltons e os Freys a pedido dos Lannisters. “Houve o Jantar Negro, em que dois jovens do clã Douglas foram convidados a jantar com o rei da Escócia e ali foram presos, julgados e executados”, diz a professora de Oxford.

 

Banco de Ferro de Bravos

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Como se sabe, Robert Baratheon e os Lannisters endividaram a Coroa com o Banco de Ferro, uma questão importante agora do reinado de Cersei. Ele se parece muito com os bancos medievais de Veneza, da Lombardia e da Toscana. “Eles forneciam serviços financeiros aos reis da Inglaterra e da França no século XIV e certamente ajudaram a financiar a rebelião de Isabella”, diz Larrington. Para Brian A. Pavlac, do King’s College, As Crônicas de Gelo e Fogo se destacam por dar destaque ao financiamento das guerras. “É algo que nenhum outro livro do tipo faz.”

 

Fé dos Sete

https://www.youtube.com/watch?v=Cd6rLI_Acxs

A estrutura se parece um pouco com a da Igreja Católica medieval, com seus Grandes Septos (catedrais), padres (na série, septões) e freiras (septãs). “Uma diferença, porém, é que ninguém parece realmente levar a Fé a sério”, diz Larrington. “Os reis e nobres medievais iam à missa todos os dias, a religião fazia parte da vida.”

 

 

Corvo de Três Olhos

Bran Stark (Isaac Hempstead-Wright) na sexta temporada de 'Game of Thrones'
Bran Stark (Isaac Hempstead-Wright) na sexta temporada de ‘Game of Thrones’ (Reprodução/ Entertainment Weekly/VEJA)

Claro que a criatura que consegue saber de tudo o que se passou e o que se passará – agora, um papel desempenhado por Bran Stark (Isaac Hempstead-Wright) – não existiu de fato. Ele é baseado no deus nórdico Odin, que se pendura em uma árvore para ganhar sabedoria. “E toda a ideia de ‘O inverno está chegando’ vem do Ragnarök, que era o fim do mundo na mitologia nórdica. Os nórdicos previam três invernos de frio extremo sem verão no meio.”

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Norte x Sul

Game of Thrones

No Norte, as estruturas sociais e políticas se assemelham às dos anglo-saxões: os homens não são cavaleiros, mas guerreiros, cuja aliança com Ned Stark vem de juramentos e de laços de lealdade. Eles usam armadura de couro em vez de metal e lutam com espadas e em pé, enquanto no Sul os cavaleiros guerreiam com lanças e sobre cavalos. No Norte, as mulheres são tratadas com respeito, seus conselhos são ouvidos. As estruturas são mais democráticas. No Sul, as estruturas se parecem com as da Alta Idade Média. Os soldados são contratados. “Só os Lannisters devem ter uns 40 000 homens pagos”, diz Larrington. As mulheres não têm papel no processo político, a não ser para formar alianças via casamento e para ter filhos.

 

 

Muralha de Adriano

A grande muralha de gelo ao redor do reino de Westeros, em 'Game of Thrones'
A grande muralha de gelo ao redor do reino de Westeros, em ‘Game of Thrones’ (Divulgação/VEJA)

A muralha que aparece em Game of Thrones é um eco daquela erguida pelo Imperador Adriano, de Roma, na Britânia (atual Inglaterra), para barrar as invasões das tribos como os Pictos ou Caledônios, que habitavam a Escócia.

 

 

Melisandre e Senhor da Luz

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Muitos dos elementos dessa religião são inspirados no zoroastrismo ou masdeísmo, religião persa que influenciou o judaísmo, o cristianismo e o islamismo, por exemplo, com a crença no dualismo, no paraíso, na ressurreição e no messias. O grande nome do zoroastrismo era o profeta Zaratustra. Kevin Uhalde também vê similaridades entre a religião de Game of Thrones e o início do Cristianismo no mundo antigo. “Não só pela tensão entre o monoteísmo e outras religiões mais comuns, politeístas, mas também pela potencial vantagem política na conversão religiosa”, disse.

 

 

Estruturas de poder

Game of Thrones

Em seu livro, Pavlac investiga o que faz com que reis e rainhas sejam eficientes. “Por exemplo, em um episódio desta sétima temporada Jaime Lannister diz que, quando sua irmã, a rainha Cersei, ganhar a guerra e restabelecer a ordem, ninguém vai se importar com a maneira como chegou lá. Para mim, ele está se enganando, porque as pessoas se importam – e os historiadores também.” Segundo Pavlac, os monarcas precisam apresentar certos padrões, entre eles generosidade, justiça e lealdade. “Mas a maior parte do poder político tem a ver com ser capaz de manter a ordem pela ameaça ou uso de violência.” Na sétima temporada, fica bem clara a importância de castelos como Rochedo Casterly e Jardim de Cima como pontos estratégicos. “Isso pode ser comparado à construção de castelos por William, o Conquistador ou pelos cercos ao Castelo Gaillard ou Calais”, diz Pavlac.

 

 

Batalha dos Bastardos

“As famosas batalhas de Azincourt e da Ponte de Stirling mostraram como forças menores foram capazes de derrotar exércitos bem maiores, como na Batalha dos Bastardos”, diz Pavlac sobre a vitória do exército de Jon Snow sobre o de Ramsay Bolton.

 

Caminhadas da Vergonha

“Elas existiam na Idade Média”, diz Kelly DeVries, da Loyola University Maryland. “Mas jamais uma rainha seria obrigada a fazê-la.” Segundo ele, o adultério era em geral mantido em segredo, porque podia diminuir a autoridade do rei.

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