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Paulo Nazareth, o andarilho das artes

O artista plástico mineiro viaja a pé do Brasil aos Estados Unidos e se torna o nome mais prestigiado do cenário contemporâneo brasileiro. No fim do ano, ele pretende repetir a empreitada e cruzar a pé a África para chegar à Europa

Por Mariana Zylberkan
26 Maio 2012, 18h12

Paulo Nazareth faz arte com os pés. Sem pincéis nem tinta, apenas por meio do simples ato de caminhar, o artista mineiro se imbui das paisagens, pessoas e lugares por onde passa para transformar tudo em expressão artística. Acostumado a uma vida simples, em novembro do ano passado, ele partiu de Palmital, conjunto habitacional na periferia de Belo Horizonte, a pé e calçado apenas com uma sandália de borracha, rumo a Nova York e Miami. A viagem até Nova York durou sete meses, período em que deixou de lavar os pés para levar a poeira da América Latina aos Estados Unidos, onde finalmente se livrou da sujeira nas águas do rio Hudson. No fim do ano, ele planeja repetir a empreitada, mas dessa vez, a ideia é chegar à Europa após caminhar pela África. A performance em forma de passos alçou, recentemente, Nazareth ao circuito internacional de artes. Sua instalação Notícias da América – uma perua Kombi verde abarrotada de bananas – foi a obra mais comentada da feira de arte Art Basel Miami pela imprensa americana. A imagem do rapaz de cabelos afro ao lado da obra ganhou destaque no The New York Times e foi avaliada como a única peça realmente inovadora da última edição da feira.

A atenção conquistada nos Estados Unidos logo transformou o artista mineiro de 35 anos na mais recente sensação da arte contemporânea no Brasil. Na semana passada, Nazareth foi escolhido por um júri formado por Chris Deacon, diretor do Tate Modern, e curadores brasileiros para ganhar o prêmio Masp Mercedez-Bens de Artes Visuais na categoria talento emergente. Em novembro, o Museu de Arte de São Paulo (Masp) vai organizar uma mostra individual de Nazareth, que também foi convidado para participar da Bienal de Lyon, na França, em setembro.

A obra de Nazareth chama a atenção pela crítica feroz que faz ao cenário da arte contemporânea e, principalmente, à arte latino-americana, termo reducionista que é usado para definir as obras feitas no Brasil. “Essa é uma expressão colonial, que não diz nada. Por isso, sua proposta de criticar essa imposição é algo importante”, diz José Roberto Teixeira Coelho, curador do Masp.

Estar inserido no seleto circuito internacional de arte parece ser um mero detalhe na rotina de Nazareth, que tem como prioridade nesse momento terminar de entalhar uma carranca “para afastar os maus espíritos que podem vir com esse sucesso todo”, diz. Depois de ter trabalhado numa pocilga, como varredor de ruas, jardineiro, padeiro, balconista e vendedor ambulante, Nazareth entrou em contato com o mestre Orlando, artista popular baiano radicado em Belo Horizonte, com quem aprendeu a fazer carrancas. “Eu nunca consegui terminar uma, agora é o momento certo.”

O artista plástico Paulo Nazareth em cena do projeto 'Notícias da América'
O artista plástico Paulo Nazareth em cena do projeto ‘Notícias da América’ (VEJA)

O entalhe em madeira ficou inacabado por que Nazareth havia terminado o segundo grau e se dedicou a estudar para o vestibular. Ele aplicou para as faculdades de artes cênicas e belas artes, mas foi reprovado nas duas.

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No ano seguinte, ele juntou dinheiro como agente de saúde e conseguiu ficar em casa para se dedicar exclusivamente aos estudos. Matriculado na Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais, Nazareth percebeu que sempre esteve em contato com a arte, só não sabia como nomeá-la.

“A arte pode estar em todo lugar e eu sempre fui capaz de perceber a beleza das coisas desde criança. Minha mãe trabalhava como varredora de rua e sempre trazia objetos que encontrava para casa. Eu os transformava em brinquedos e aquilo já era fazer arte.”

A partir desse entendimento, Nazareth deu início à chamada “arte de conduta”, expressão com a qual define seu trabalho. “É uma forma de estar presente na vida, questionar o cotidiano e, ao mesmo tempo, apreciá-lo.”

A abstração se traduz no conceito de um dos primeiros trabalhos, Aqui É Arte, iniciado em 2007. Folhetos fotocopiados mostram fotos de lugares e um pequeno texto explicativo do porquê da imagem de um buraco no muro ou de um elefante preso debaixo de uma tenda de circo é uma manifestação artística. “Na Avenida Otacilio Negrão de Lima, número 17.397, Pampulha, Belo Horizonte, há um muro com um buraco por onde você pode ver o mato crescer durante o período de chuva”, diz uma das impressões.

A forma poética de olhar o mundo ao seu redor, porém, não isenta Nazareth de sofrer as vicissitudes da vida. Ele conta que a sua aparência, geralmente, lhe rende alguns contratempos com a autoridade. Durante a viagem andarilha rumo aos Estados Unidos, o artista lembra que foi parado pela polícia na cidade de Missões, no Rio Grande do Sul. Munido apenas de seu passaporte, Nazareth teve problemas por não portar uma carteira de identidade. “Eu havia deixado em casa, senão seria mais um documento para eu perder. Mesmo assim, me levaram para o posto policial para terem certeza de que eu poderia ser liberado.”

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Situações como essa levaram Nazareth a pensar em fazer um trabalho baseado nas circunstâncias em que já foi abordado pela polícia. “Meu cabelo crespo me transforma em suspeito, isso não é algo natural.”

Por isso, a banana tornou-se um dos principais símbolos de seu trabalho. Ao encher uma perua Kombi com a fruta, Nazareth procura expressar a indignação com a instabilidade política e social do Brasil e de toda a América Latina, condição que gerou o apelido República das Bananas, dado pelos americanos no início do século XX.

Toda a repercussão em torno de seu trabalho é atribuída por Nazareth à promessa feita pela mãe à São Judas Tadeu para que os projetos do filho dessem certo. “Ela não pediu para eu ficar rico, mas para eu ser feliz. Eu nasci rico, sou dono de tudo o que meus olhos veem.”

Por isso, o único da família de oito irmãos a frequentar uma universidade tem planos bem modestos para aplicar o dinheiro que tem ganho com sua arte. Ele quer comprar um lote de terra para cultivar bananas. “Quero fazer bananada, talvez crie um selo de produção”, diz o artista que ainda mora no conjunto habitacional Palmital, na periferia de Belo Horizonte.

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