‘Não imito Chacrinha. Ele acontece’, diz Stepan Nercessian
Ator rompe jejum de mais de quinze anos com o teatro para interpretar o Velho Guerreiro em musical que estreia nesta sexta, no Rio, com texto de Pedro Bial
‘Se ele estreasse hoje, acho que nem poderia ir ao ar, porque o mundo está muito politicamente correto’, diz o diretor do espetáculo, Andrucha Waddington.
Quando foi convidado pelo diretor (consagrado no cinema, agora estreando no teatro) Andrucha Waddington para interpretar Chacrinha em um musical, Stepan Nercessian achou uma loucura: além de não saber cantar, não via nada em comum com o Velho Guerreiro. Ainda assim, aceitou interromper o jejum de mais de quinze anos com o teatro. “Afinal, estávamos falando de Chacrinha. E eu disse que só voltaria por uma experiência fantástica, porque o teatro é algo que te consome muito, exige dedicação e entrega total”, conta. Mas foi só começar a se caracterizar como um dos maiores ícones da TV brasileira, que o ator se viu possuído pelo personagem. “Não imito o Chacrinha, mesmo porque não sei imitar ninguém. Ele acontece, naturalmente. Já tenho a voz estragada igual à dele, não forcei nada. Até minha barriga começou a fazer sentido”, diverte-se.
A semelhança conquistada com a ajuda do figurino – composto de peruca branca e óculos de armação grosseira – deixou até o próprio Stepan impressionado. Como protagonista de Chacrinha, O Musical, ele estreia ao lado de um elenco de mais de vinte atores-cantores-bailarinos, nesta sexta-feira, no Rio. Na tarde de terça, trechos da produção foram exibidos em sessão para a imprensa. Foi quando Stepan falou sobre os desafios de viver uma figura tão emblemática. Na cena que abre o segundo ato, Chacrinha sai de uma cabeça gigante dele mesmo, colocada no centro do palco que remonta seu Cassino. A cartola brilhante esbarra na alegoria, ele esbraveja. A cena ilustra bem a personalidade explosiva do apresentador, mas não estava no roteiro. “Foi puro improviso, e a peça está cheio deles. É o que acontece quando você está aberto, livre e a serviço da história”, disse o ator.
Entre os convidados que passam como um furacão pelo palco, estão alguns dos principais nomes da música brasileira até hoje, como Gonzaguinha, Elba Ramalho e Fábio Jr.. Não poderiam faltar, claro, Rosana/Como Uma Deusa e Ultraje a Rigor/A Gente Somos Inútil. Derci Gonçalves também desfila seus palavrões e todos se embolam quando um funk dá a batida inicial para cenas de forte apelo sexual. De maiô cavado, as chacretes descem para dançar no meio da plateia, que em certo momento será chamada a participar. Tudo bagunçado, esdrúxulo e bizarro, como pediria Chacrinha. “Se ele estreasse hoje, acho que nem poderia ir ao ar, porque o mundo está muito politicamente correto”, lamenta Andrucha. Autor do texto, Pedro Bial discorda: “Ele brigou com Deus e o mundo para desengravatar a TV, e nos libertou a todos. Tenho certeza que daria um jeito”.
Mas nem tudo se resume aos momentos cômicos embalados pelas extravagantes cores dos figurinos e cenários. Pelo contrário: o espetáculo explora a cada momento os universos distintos de Chacrinha e Abelardo, e o conflito interno do apresentador, diagnosticado como maníaco-depressivo. “Eu nasci um, criei o outro e, agora, os dois são a mesma pessoa”, conta ele, na cena da peça em que recorre a um especialista. O primeiro ato é dedicado à infância e adolescência em Pernambuco. No segundo, o adulto Chacrinha é atormentado pelo jovem Abelardo. “Essa é uma trajetória enigmática. Abelardo não deixou pistas muito claras de como criou Chacrinha. Na verdade, é um produto do folclore brasileiro que nasceu de um processo inconsciente”, observa Bial. Léo Bahia, que vive o protagonista da primeira fase, agradece: “Isso me deu mais liberdade para criar o meu Abelardo”.
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A produção de 12 milhões de reais é grandiosa em todos os números. O repertório visita 73 músicas em duas horas de espetáculo – divididas entre os dois atos. “Nossa preocupação, desde o início, era de que fosse ágil. Queria um trabalho mais compacto, para ter um espetáculo delicioso. Como espectador, acho esse um tempo bom”, aposta Andrucha. O figurino tem mais de 500 peças, e o palco recebe ainda 34 cenários. Essa última parte exigiu um processo específico da equipe. “Tivemos oito dias de ensaio só para acertar a mecânica da retirada e chegada de cenários e figurinos, para não engarrafar os bastidores”, revela o diretor. Chacrinha, O Musical encerra a trilogia da produtora Aventura, que começou com Elis, A Musical e Se Eu Fosse Você, O Musical.
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