‘Luke Cage’, a vez do herói negro
Personagem da Marvel ganha sua própria série depois de aparecer em ‘Jessica Jones’
Além do fim do casamento de Brad Pitt e Angelina Jolie, há dois debates acalorados – e bem mais importantes – em curso em Hollywood: como aumentar a presença feminina diante e atrás das câmeras e como criar mais papéis para negros, latinos e asiáticos, dentro e fora da tela. As palavras “diversidade” e “inclusão” nunca estiveram tanto na moda. A televisão está vários passos à frente do cinema nesse sentido, como demonstra o contraste representado pelo Oscar deste ano, quando a hashtag OscarsSoWhite impregnou as redes sociais, e o último Emmy, que acaba de premiar as minorias. Um exemplo é a colaboração da Marvel com a Netflix. Jessica Jones trouxe à tela uma rara super-heroína, forte, mas feminina e cheia de vulnerabilidades. Agora, é a vez de Luke Cage, sobre o homem com força descomunal e pele impenetrável que, por acaso, é negro. Os treze episódios da série entraram no ar na Netflix nesta sexta-feira.
Luke Cage (Mike Colter), que foi apresentado em Jessica Jones, agora é um refugiado na própria cidade. Depois de ver seu bar (e casa) explodir, ele se esconde com poderes especiais, no Harlem, o bairro de grande população negra no norte de Manhattan. Trabalha de dia numa barbearia e à noite num clube, e tenta manter contato limitado com os locais, como o gângster Cornell Stokes, ou Boca de Algodão (Mahershala Ali), sua prima, a política Mariah Dillard (Alfre Woodard), e Shades (Theo Rossi). Do outro lado, estão os detetives Misty Knight (Simone Missick) e Rafael Scarfe (Frank Whaley). “Cada um dos personagens está vivendo sua vida, e de repente Luke Cage entra em seu mundo”, diz o roteirista Jeph Loeb, em entrevista a VEJA em Los Angeles. Claro que seu anonimato não vai durar muito.
Mike Colter e o roteirista e showrunner (produtor principal) Cheo Hodari Coker reconhecem a importância de ter um negro no papel de super-herói. Quando criança, o ator se inspirava em Clint Eastwood, Burt Reynolds e Sidney Poitier. Já o produtor era fã de seu avô, piloto de combate, e de Wolverine, o personagem dos quadrinhos. “Certamente, muitas crianças de ascendência africana tiveram esperança quando viram o que Pelé fazia”, diz Hodari Coker. “Talvez não tivessem pelo que viam na sociedade, em que as pessoas poderosas tinham pele clara.” Quem lhe deu essa esperança de que era possível realizar um sonho foi o boxeador Muhammad Ali. “E meu herói atual é Barack Obama. Imagine o que é ser jovem e saber que é uma possibilidade ser presidente dos Estados Unidos. Porque as pessoas sempre dizem: ‘Você pode fazer o que quiser’. E você pensa: ‘Ah, até parece’. Mas agora é real!”
De qualquer forma, ambos querem deixar claro que não existe uma agenda. “As boas histórias transcendem qualquer etnia. Will Smith, por exemplo, é um astro mundial”, afirmou Mike Colter. “O que seus filmes têm em comum é que ele interpreta esses heróis com que todos se identificam. Todo mundo quer que o herói fique com a garota. Que ganhe dos vilões, dos alienígenas, o que for. No caso da nossa série, acho que temos esses ingredientes, temos esses elementos essenciais e penso que vai ser bem recebida no mundo todo.”
Cheo Hodari Coker quer que o público tenha a mesma reação ao assistir a Luke Cage que ele próprio teve ao ver os filmes de John Woo sem personagens americanos, ou Os Bons Companheiros, de Martin Scorsese. “Woo contava histórias de Hong Kong, e Scorsese, tramas que um cara do Baixo Manhattan sabe contar melhor que ninguém.” Além de ter um elenco majoritariamente negro, a sala de roteiristas também é quase toda formada por negros. Ao inserir coisas da própria cultura, como música e escritores negros, ele acredita que já está sendo inclusivo.
O produtor sabe que, hoje em dia, há muito mais séries, filmes e comerciais com gente como ele, algo que era raro na sua infância. “A diversidade para a gente é uma alegria, mas para qualquer pessoa que venha da cultura dominante é a norma. Não conseguiria imaginar um mundo em que a BET (rede voltada para programação com negros) fosse a CBS (a principal rede de televisão aberta nos Estados Unidos), esse é o paradigma.”