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Júri presidido por Meryl Streep acertou a maioria dos prêmios em Berlim

O Urso de Ouro foi para o documentário Fuocoammare, o Grande Prêmio para Danis Tanovic e seu filme sobre os conflitos dentro da Europa, e o Urso de Prata de direção para Mia Hansen-Løve, por L’Avenir

Por Mariane Morisawa, de Berlim
20 fev 2016, 19h51

“Meryl Streep para presidente”, dizia o cartaz de uma fã que aguentava o frio de 5ºC e a garoa na ponta do tapete vermelho para dar seu recado à atriz americana, presidente do júri da competição do 66º Festival de Berlim, na noite do sábado (20). Podia ter sido pior para ela: como brincou o diretor do festival Dieter Kosslick, o aquecimento global foi bom para a Berlinale, que costuma ter temperaturas negativas diariamente. Podia ter sido pior também a lista de premiados do júri liderado por Streep e composto pelo ator alemão Lars Eidinger, o crítico inglês Nick James, a fotógrafa francesa Brigitte Lacombe, o ator inglês Clive Owen, a atriz italiana Alba Rohrwacher e a cineasta polonesa Malgorzata Szumowska. No fim, foram reconhecidas as obras mais políticas, características do Festival de Berlim e desta edição em particular. Era de se esperar, já que a atriz costuma se posicionar sobre temas como o feminismo, a diversidade, a imigração. O vencedor do Urso de Ouro, Fuocoammare, fala de refugiados, o tema do momento na Europa. Smrt u Sarajevu, o vice, ganhador do Grande Prêmio do Júri, mostra as divisões dentro do próprio continente. De quebra, houve o Urso de Prata de direção para uma cineasta do sexo feminino, Mia Hansen-Løve por L’Avenir – uma das grandes reinvindicações em Hollywood e no cinema em geral é a presença de mais mulheres atrás das câmeras.

Desde que foi exibida, no sábado 13, a coprodução entre Itália e França Fuocoammare (Fire at Sea, em inglês, ou “fogo no mar”, na tradução livre), de Gianfranco Rosi, permaneceu entre os favoritos. O documentário vencedor do Urso de Ouro traz imagens impactantes dos navios que resgatam no mar as pessoas desesperadas que se lançam na perigosa da viagem, vindos da África e do Oriente Médio, mas também mostra o cotidiano de gente comum da ilha de Lampedusa. “É uma grande responsabilidade, porque quando começamos o filme o debate sobre os refugiados quase não existia”, disse Rosi na coletiva de imprensa. “Tivemos muitas discussões aqui em Berlim. Espero, modestamente, que o filme gere interesse sobre o tema e desperte consciência.” Em Lampedusa fica um centro de triagem dos refugiados, com quem, na verdade, os habitantes têm pouco contato. O contraste entre a realidade de um menino como Samuele Pucillo, filho de um modesto pescador de Lampedusa, e das crianças que são resgatadas (e as que morrem no caminho), é enorme. “Queria dedicar esta vitória às pessoas que nunca chegaram a seu destino nessa jornada de esperança”, disse Rosi ao receber o Urso de Ouro. Ele ganhou o Leão de Ouro no Festival de Veneza em 2013 com Sacro GRA, sobre os habitantes ao longo do rodoanel de Roma. Sua nova vitória prova que os documentários ultrapassaram as barreiras que os deixavam num nicho.

Com Smrt u Sarajevu (Death in Sarajevo, em inglês, ou “morte em Sarajevo”, em tradução livre), Danis Tanovic ganhou novamente o Grande Prêmio do Júri, que é um tipo de segundo lugar – em 2013, ele levou por Episódio sobre um Catador de Ferro-Velho. Nascido em Sarajevo, na época em que a cidade fazia parte da ex-Iugoslávia, ambienta seu filme lá, onde, em 1914, o herdeiro do Império Austro-Húngaro Francisco Fernando foi assassinato por um estudante bósnio, dando início à Primeira Guerra Mundial. Um hotel é o centro das comemorações do centenário do atentado, que ainda desperta discussão – Gavrilo Princip foi um terrorista ou um herói? Os conflitos entre as diversas culturas e religiões que perpassam a história da região e resultaram na guerra civil que desmantelou a Iugoslávia na década de 1990 estão muito presentes no dinâmico longa-metragem.

Com L’Avenir (em inglês, Things to Come, ou “o porvir”, na tradução livre), a francesa Mia Hansen-Løve fez um filme de dimensões mais íntimas, sobre uma professora de filosofia de meia-idade (Isabelle Huppert) que precisa encontrar novos caminhos depois de se separar do marido. Mas o fato de ser uma diretora fazendo uma obra sobre uma personagem feminina complexa acaba contribuindo para a discussão da participação de mulheres no cinema.

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Entre as atrizes, o júri tinha muitas escolhas que podem ser consideradas corretas. Como Huppert, a dinamarquesa Trine Dyrholm também interpreta uma mulher de meia-idade em crise quando seu marido, com quem vive numa grande casa com outras pessoas, apaixona-se por uma garota em Kollektivet (The Commune em inglês, ou “a comunidade”, na tradução livre), de Thomas Vinterberg. “Mal pude acreditar que Meryl Streep me entregou o prêmio, foi um momento muito especial para mim”, disse Dyrholm na coletiva dos premiados. O número de opções entre os atores era menor, mas o júri fez bem ao reconhecer o trabalho nuançado do tunisiano Majd Mastoura em Inhebbek Hedi, de Mohamed Ben Attia. Seu Hedi é um jovem tunisiano que descobre a liberdade nos braços de uma mulher mais velha e que fica em dúvida entre essa modernidade recém-adquirida e as tradições milenares, um pouco como seu país depois da revolução. “Este prêmio foi tão inesperado, porque, um ano atrás, não sabia o que ia fazer da minha vida, se ia continuar insistindo em ser ator ou se ia prosseguir com meus tediosos estudos em ciência da computação”, disse Mastoura. “Como a vida é engraçada, e divertida também.” Ele dedicou seu Urso de Prata aos tunisianos, fazendo um apelo: “Que a revolução continue!”.

O júri também acertou ao reconhecer o filipino Lav Diaz e as oito horas de Hele Sa Hiwagang Hapis (A Lullaby to the Sorrowful Mystery, em inglês, ou “uma canção para o mistério triste”, na tradução livre) com o Alfred Bauer, dado para obras que abram novas perspectivas. Costuma ser um prêmio de consolação para as produções mais exigentes, mas foi bom ver alguém com uma visão tão original sair celebrado. E o filme é bastante político. Como disse o ator Bernardo Bernardo, o objetivo é “despertar uma revolução e um exame do nosso país”. Outro que mereceu foi o fotógrafo Mark Lee Ping-Bing, que fez alguns dos filmes mais deslumbrantes dos últimos anos, inclusive A Assassina, de Hou Hsiao-hsien, e Amor à Flor da Pele, de Wong Kar-wai, e repete a dose com o político e lírico Chang Jiang Tu (Crosscurrent, em inglês, ou “contracorrente”, na tradução livre), dirigido por Yang Chao. Ele venceu o Urso de Prata de contribuição artística.

Apesar da visão pessimista de mundo de Zjednoczone Stany Milosci (United States of Love, ou “estados unidos do amor”, na tradução livre), o júri quis destacar outro filme com mulheres no centro – no caso, quatro. O roteiro de Tomasz Wasilewski, também diretor, criou personagens únicas, sem dúvida, apesar de não tratá-las com muito carinho e abandoná-las pelo caminho.

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