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Hollywood se rende à China

Ao conquistar o posto de segunda maior bilheteria do mundo, a China se tornou o mercado preferido da indústria de cinema americana, que tem feito de tudo para emplacar seus filmes no país, até mesmo o jogo da censura chinesa

Por Raquel Carneiro Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 28 abr 2013, 14h19

Um grupo de executivos americanos se encontra com autoridades chinesas. Os asiáticos sacam canetas vermelhas para riscar cenas de nudez, falas políticas inadequadas e filosofias que vão contra os ideais comunistas. Os americanos baixam a cabeça e voltam para casa com a mala cheia de trabalho. A cena, que poderia fazer parte de uma ficção sobre um mundo dominado por um governo totalitário, é realidade justamente na maior indústria do cinema mundial. Hollywood vem entrando no jogo e nas regras impostas pela China para abocanhar uma fatia do mercado local, que no ano passado se tornou o segundo em bilheteria, atrás apenas da dobradinha Estados Unidos e Canadá.

A China vendeu, em 2012, o equivalente a 2,75 bilhões de dólares em entradas para o cinema, 30% a mais que no ano anterior, em parte graças à mudança na lei que limita a entrada de filmes estrangeiros: a cota foi ampliada de 20 para 34. O mercado contribuiu de maneira decisiva para a marca alcançada por Hollywood em 2012, quando, pela primeira vez, quatro filmes ultrapassaram a barreira de 1 bilhão de dólares em bilheteria. O empurrãozinho chinês levou para além dessa fronteira os blockbusters Os Vingadores, O Hobbit: Uma Jornada Inesperada, Batman: O Cavaleiro das Trevas Ressurge e 007 – Operação Skyfall.

Qualquer transação com a China é sujeita a bruscas mudanças nas regras do jogo. Depois de aumentar a cota de filmes americanos no ano passado, o país criou novas regras tributárias que reduzem drasticamente o montante da bilheteria destinado aos produtores estrangeiros. Segundo reportagem do The Wall Street Journal, “o método de tributação está causando consternação em Hollywood, onde é visto como o último numa série de esforços que buscam limitar a capacidade dos estúdios americanos de obter lucros na China.”

Ainda assim, as perspectivas são boas. Segundo uma estimativa da consultoria Ernst & Young, até 2020 a China pode superar a dupla EUA e Canadá, que arrecadou no ano passado 10,8 bilhões de dólares.

“No cinema, a questão financeira pesa. Os filmes são caros e a China é um aliado que Hollywood não vai ignorar”, diz Fernão Ramos, professor de cinema da Unicamp.

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Proibições – É por somas como essas que os estúdios disputam as poucas vagas do circuito comercial chinês. O Brasil, particularmente, conseguiu poucas até agora. “Os dois únicos filmes brasileiros que chegaram aos cinemas aqui foram Na Estrada da Vida, na década de 1980, e Tropa de Elite 2, em 2011″, diz Anamaria Boschi, curadora do Festival Internacional de Cinema de Shanghai, radicada em Pequim desde 2009. Segundo ela, dentro da cota imposta pela China, há espaço para apenas 14 filmes em 3D – os vinte restantes são 2D. Vale lembrar que no Brasil a regra é de certo modo invertida: o governo impôs uma cota mínima para a produção nacional, de acordo com a qual cada cinema deve exibir longas brasileiros por pelo menos 28 dias no ano e grandes complexos com vinte salas precisam ter 11 filmes nacionais diferentes em cartaz ao longo de 644 dias.

Para ficar entre os selecionados pelas autoridades chinesas, os longas devem ser submetidos ao órgão regulamentador do Partido Comunista, o Sarft (sigla para State Administration of Radio, Film, and Television). “A lista de temas de tabus inclui sexo, homossexualidade, violência, religião, superstição, abuso de droga e álcool e atividades criminais. Ficções com fantasmas e viagens no tempo também costumam ser vetadas, assim como qualquer tipo de crítica ao Partido Comunista”, explica Robert Cain, produtor e consultor de cinema americano, em seu site China Film Biz. “A ideia da censura é evitar que um filme incite ações contrárias ao sistema”, explica Severino Cabral, professor e diretor do Instituto Brasileiro de Estudos de China e Ásia-Pacifico (Ibecap).

E, mesmo passando por todo o processo de adaptação, o perigo de ser recusado permanece. Como ocorreu com o americano Django Livre no dia 11 de abril. Quentin Tarantino, diretor da produção, aceitou se adequar às exigências e alterou diversas partes do filme, que chegou a entrar em cartaz, mas, no dia da estreia, foi exibido por apenas alguns minutos e logo cortado. Novas alterações depois, em 26 de abril a China finalmente anunciou a liberação do longa, vencedor de dois Oscar este ano, de roteiro original e ator coadjuvante. Django estreia no circuito chinês em 7 de maio.

Homem de Ferro 3 (2013)

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O novo filme da franquia Homem de Ferro, dirigido por Shane Black e produzido por Hollywood em parceria com a empresa chinesa DMG Entertainment, chegará aos cinemas da China com cenas adicionais sobre a cultura do país, filmadas em Pequim. Além disso, será inclusa uma sequência com Fan Bingbing, uma das mais importantes atrizes chinesas, que ficou de fora da versão destinada ao resto do mundo. 

A Viagem (2012)

O longa dirigido por Tom Tykwer e Lana e Andy Wachowski sofreu um dos maiores cortes da censura chinesa. Dos 172 minutos do filme original, 40, que continham sexo e violência, foram retirados da versão exibida na China, o que representa aproximadamente 23% do longa. Durante a estreia de A Viagem, Lana afirmou que o fato de terem censurado o filme era uma “droga” e sugeriu que os interessados assistissem à versão completa na internet. 

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007 – Operação Skyfall (2012)

O filme do agente secreto James Bond, dirigido por Sam Mendes, sofreu cortes de cenas em que um segurança chinês é morto em Xangai e teve algumas de suas legendas alteradas para evitar referências a prostituição e tortura em prisões chinesas. Além dos cortes, o longa também teve sua estreia atrasada na China, que preferiu lançar produções nacionais em novembro de 2012, quando 007 – Operação Skyfall chegou aos cinemas da maior parte dos países. O filme só estreou por lá em janeiro de 2013, mas teve arrecadação de aproximadamente 59 milhões de dólares, o quarto mercado internacional mais lucrativo do longa. 

Looper: Assassinos do Futuro (2012)

O filme de Rian Johnson teve de alterar o local onde se passa parte das ações de Paris para Xangai, uma forma de assegurar o aporte financeiro da produtora chinesa DMG Entertainment. Somente a China exibiu o longa com todas essas sequências, enquanto parte das cenas foi cortada da versão final exibida em outros lugares do mundo. 

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MIB³ – Homens de Preto 3 (2012)

Dirigido por Barry Sonnenfeld, o terceiro filme da franquia MIB teve treze minutos cortados de sua versão original para que pudesse ser exibido na China. Foram eliminadas cenas em que os agentes secretos, J (Will Smith) e K (Tommy Lee Jones), travam uma batalha contra alienígenas disfarçados de chineses. Aparentemente, os cortes valeram a pena, já que o longa conseguiu arrecadar cerca de 77,2 milhões do dólares no país, a maior bilheteria fora dos Estados Unidos.

Titanic 3D (2012)

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A versão em 3D do filme de 1997, dirigido por James Cameron, teve de ser cortada para agradar a censura chinesa. Antes do relançamento no país, em abril de 2012, foram retiradas as cenas em que a atriz Kate Winslet aparece posando para Leonardo DiCaprio com os seios à mostra. Em entrevista ao jornal americano The New York Times, o diretor afirmou que aceitou os cortes por causa da importância do mercado chinês, que se confirmou ao oferecer a maior arrecadação do filme: 145 milhões de dólares, superando até mesmo o montante americano, de 57,8 milhões. 

Amanhecer Violento (2012)

O inimigo do filme original, lançado em 1984, era a União Soviética. Para o remake, seria substituído pela China. No entanto, os investidores não gostaram da ideia de perder o mercado asiático e o filme teve de ser redublado às pressas para fingir que os vilões eram norte-coreanos. Foi gasto mais de 1 milhão de dólares para alterar toda a produção, cenas foram editadas e símbolos chineses foram alterados digitalmente para dar lugar a norte-coreanos. 

Tropa de Elite 2 – O Inimigo Agora É Outro (2010)

O filme brasileiro dirigido por José Padilha foi a segunda produção nacional a ser exibida no circuito comercial chinês, seguindo Na Estrada da Vida (1983), de Nelson Pereira dos Santos. Por causa das cenas violentas que mostravam o confronto direto entre policiais e traficantes de drogas, o longa teve 24 minutos cortados para que pudesse ganhar os cinemas chineses. A arrecadação da produção no país ficou em apenas 2 milhões de dólares, pouco representativa para a o total, de pouco mais de 63 milhões de dólares. 

Karatê Kid (2010)

O remake do filme Karate Kid, dirigido por Harald Zwart, foi uma das maiores mudanças que o cinema hollywoodiano teve de empreender para agradar aos chineses. O longa foi financiado parcialmente pela China Film Group, empresa estatal que realiza e controla as produções cinematográficas exibidas na China. A história de Karatê Kid, que na versão original, de 1984, se passa nos Estados Unidos, mudou sua localização para a China. Também o herói do filme, Dre Parker (Jaden Smith), em vez de praticar karatê, decide aprender a luta chinesa kung fu. Mesmo com tamanho afago ao ego chinês, a produção ainda teve de cortar uma cena em que o protagonista aparece beijando sua namorada, Mei Ying (Wenwen Han), para ser exibido no país. 

Amizade colorida – Alterar um filme já pronto não é o único caminho seguido por Hollywood para obter a aceitação do restrito mercado chinês. O interesse de entrar no circuito é tão grande que a indústria americana vem até submetendo roteiros à aprovação prévia da Sarft, além de fazer versões exclusivas de longas para a China, prática que tende a se intensificar. Em texto publicado na última quarta-feira no site do jornal americano Huffington Post, o jornalista Peter Enav mostrou desconforto ao analisar como a intervenção chinesa pode alterar o conteúdo do que será produzido pelos americanos. “Em breve, em cartaz, no cinema mais perto de você: o Partido Comunista da China”, disse o jornalista.

Ainda é cedo para bater o martelo sobre a veemência do receio de Enav, mas as evidências de que as coisas estão mudando são muitas. Como, por exemplo, o próximo filme do ator Keanu Reeves, Man of Tai Chi, que foi filmado quase por completo no país oriental, e mistura inglês, cantonês e mandarim em seus diálogos. Nesta produção, ainda sem data de estreia, acontece a maior inversão de papeis até o momento: Reeves é o vilão, e o protagonista e mocinho será o ator chinês Tiger Hu Chen. Até pouco tempo, devido ao imaginário atrelado à Guerra Fria, a China era a vilã perante os EUA.

Como se vê, os americanos jogam duro para dobrar os chineses. “É difícil negociar com a China. Quando lançam um filme, os chineses decidem tudo: o mês de estreia, como vão divulgar, se vão exibir dois grandes filmes ao mesmo tempo, fazendo um competir com o outro”, diz Ramos, da Unicamp.

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Na tentativa de abrir portas na China, em janeiro a Paramount Pictures assinou um contrato com a Shanghai Media Group, produtora estatal de filmes e conteúdo para TV, entre outros, de acordo com agência de notícia Xinhua. Duas bases da distribuidora serão montadas em Pequim para a produção do quarto filme da franquia Transformers. A parceria contará com a ajuda chinesa para a divulgação do longa que, por sua vez, oferecerá papeis para atores nativos, cenários locais e roteiro previamente aprovado pelo Sarft.

No mesmo caminho, a DreamWorks anunciou em 2012 que produzirá o filme Kung Fu Panda 3 com investimento de empresas chinesas – e, é claro, com todo o processo de produção acompanhado por censores locais. E em agosto do ano passado o cineasta James Cameron abriu uma filial da sua empresa de efeitos especiais, a CPG, na China, em parceria com a estatal Tianjin North Film Group. Segundo o site da revista The Hollywood Reporter, o diretor de Titanic pensa até em inserir um alienígena chinês na sequência do sucesso de bilheteria Avatar, previsto para 2015. O dinheiro é mesmo um grande muso inspirador.

Confira o trailer do filme Man of Tai Chi, com Keanu Reeves

https://youtube.com/watch?v=RtOTSyjiU60

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