Assine VEJA por R$2,00/semana
Continua após publicidade

Filão da fé faz frente às produções bíblicas de Hollywood

Blockbusters que apostam em uma leitura aberta do livro sagrado, como os criticados ‘Noé’ e ‘Exôdo’, aproximam parte do público da linha gospel

Por Raquel Carneiro Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 27 abr 2023, 10h03 - Publicado em 21 dez 2014, 12h03

Em um colégio americano, um jovem cristão entra em choque com um professor de filosofia ateu, quando, no início da aula, ele diz que a religiosidade é um empecilho para a sua disciplina e que, por isso, os interessados em seguir o curso devem assinar um termo admitindo a morte de Deus. Decidido a não acatar o pedido do professor, mas sem disposição para deixar a aula, que pode ajudá-lo a entrar na faculdade de Direito, o estudante se vê desafiado a provar cientificamente a existência de um ser superior. O enredo baseado em fatos é a coluna mestra de Deus Não Está Morto, do diretor cristão Harold Cronk. Feito com o modesto orçamento de 2 milhões de dólares, o filme conquistou um séquito de fãs ao redor do mundo, especialmente no Brasil, onde fez a sua segunda maior bilheteria, menor apenas que a dos Estados Unidos. Parte do filão que os americanos chamam de faith-based (filmes de fé em tradução livre), o longa foi um dos que chamaram a atenção do público e das grandes distribuidoras para um segmento que vem crescendo em paralelo – e também graças – às superproduções de Hollywood sobre a Bíblia. Ao passo que blockbusters como Noé, de Darren Aronofsky, e o recém-lançado Exôdo: Deuses e Reis, de Ridley Scott, que entra em cartaz em pleno Natal no país, viajam nas Escrituras, também aumenta o interesse por produções fiéis ao livro sagrado.

E como se delira em Hollywood. Com Russell Crowe no papel-título, Noé recebeu uma saraivada de críticas por sua infidelidade à Bíblia. Exôdo, protagonizado pelo patriarca Moisés (Christian Bale), é mais próximo ao texto do Pentateuco, o tomo que reúne os cinco primeiros livros bíblicos. Mas não deixa de ser uma leitura livre da libertação dos judeus do Egito, que transforma Moisés em um violento guerreiro e sugere paralelos entre os judeus da Antiguidade e os palestinos de hoje.

As muitas críticas a Noé fizeram a superprodução ter uma abertura fraca nos Estados Unidos, principal mercado cinematográfico mundial. Lá, o longa fez 15,2 milhões de dólares no fim de semana de estreia, valor próximo ao do cristão Deus Não Está Morto, que arrecadou 9 milhões de dólares nos primeiros dias, e menor que o de O Céu É de Verdade, outro longa do filão que chegou aos cinemas este ano, distribuído pela gigante Sony, e fez 22,5 milhões de dólares em um fim de semana. O Céu É de Verdade custou apenas 12 milhões de dólares aos produtores. Já Noé foi orçado em 125 milhões de dólares.

Apesar de ter saído de cartaz com receita de 362 milhões de dólares, Noé ficou longe de ser um sucesso, já que, para dar lucro, um filme precisa faturar em bilheteria pelo menos três vezes o seu valor de custo. Nesse quesito, os dois títulos cristãos citados deixaram Noé no chinelo – ou na botinha de couro usada por Russell Crowe no longa. Deus Não Está Morto arrecadou 62,6 milhões de dólares no mundo (mais de 30 vezes seu valor de orçamento) e O Céu É de Verdade finalizou com 101,3 milhões de dólares em bilheteria global (cerca de 8 vezes seu custo). No Brasil, as duas produções cristãs combinadas somaram 3 milhões de reais em bilheteria e levaram cerca de 308.000 espectadores às salas escuras. Os números, aparentemente pequenos, impressionam quando se leva em conta que ambos os filmes foram exibidos em pouquíssimos países e salas. Para efeito de comparação, Deus Não Está Morto entrou em cartaz em nove países. No Brasil, foi exibido em 62 salas. Noé passou por 50 países e por aqui abocanhou 1.015 salas.

Continua após a publicidade

Fé e motivação – Para Ygor Siqueira, diretor-executivo da Graça Filmes, principal distribuidora do filão no Brasil e responsável pela promoção de Deus Não Está Morto, um público evangélico que já mostrou ter apetite por outros produtos culturais de temática cristã – como diversos gêneros de música – dá impulso aos filmes de fé. “Para os próximos anos, prevemos mais crescimento neste mercado”, diz Siqueira, apoiado em dados do último censo do IBGE, que constatou um aumento de 61% na população evangélica. Antes 15% de toda a população brasileira, os evangélicos passaram a 22% em 2010 – ou 42,3 milhões de pessoas.

Além disso, segundo o executivo, a visão que se tem dos longas cristãos está mudando. “Quando se fala em cinema gospel, há quem pense na senhora com coque, mal vestida e com a Bíblia embaixo do braço. Isso está acabando”, afirma. “Um filme cristão não necessariamente fala de Deus. Ele fala de fé, superação pessoal, motivação, cura. Recebemos um retorno grande de pessoas que não são evangélicas, mas espíritas.”

Enquanto os blockbusters bíblicos de Hollywood contam com efeitos especiais e elencos premiados, os filmes de fé se apoiam em roteiros motivacionais, muitos derivados de histórias que religiosos chamam de “testemunhos”. “Gente é movida por gente. O testemunho é a tentativa de colocar carne na proposta religiosa”, diz Davi Charles Gomes, teólogo e chanceler da Universidade Presbiteriana Mackenzie.

Aleluia tupiniquim – A produção de filmes com temática de fé e valores bíblicos não é nova, mas conseguiu este ano dar um salto de qualidade e distribuição. Apesar de não ser presença constante nos cartazes dos grandes complexos de cinema, estes filmes possuem uma forte presença em home vídeo e na internet, em lojas como iTunes e Google Play, e ainda no serviço de streaming Netflix. A distribuidora Graça Filmes, por exemplo, possui lançamentos mensais em DVDs, mas até hoje, após quatro anos no mercado, colocou só três filmes no circuito nacional de cinema: Deus Não Está Morto e duas coproduções entre Brasil e EUA, Três Histórias, Um Destino e Questão de Escolha. “O home vídeo representa cerca de 95% da receita da empresa. O cinema é uma brincadeira cara e há poucas salas no Brasil, o que dificulta a competição pelo espaço de exibição”, diz Siqueira.

Continua após a publicidade

Para dar visibilidade às produções nacionais desse filão, a produtora cultural Veronica Brendler organizou o Festival Nacional de Cinema Cristão, que teve em novembro a sua segunda edição e deve voltar em 2015 com novas categorias. “O festival é uma maneira de qualificar o cinema cristão no Brasil. Temos uma leva de produções nacionais interessantes, especialmente curtas, mas a qualidade técnica precisa evoluir”, diz. Este ano, o principal vencedor do evento foi o filme Metanoia, dirigido por Miguel Nagle e produzido pela companhia de teatro evangélica Jeová Nissi. O longa, que narra a história de um jovem usuário de drogas, levou os prêmios de melhor filme, direção, ator, atriz, fotografia, direção de arte e montagem. No elenco, estão nomes conhecidos do grande público, como Caio Blat, Solange Couto e Silvio Guindane.

Metanoia é uma das apostas nacionais do segmento para 2015, ao lado de A Palavra, com Tuca Andrada, Oscar Magrini e Luciano Szafir. Na trama dirigida por Guilherme de Almeida Prado, de A Dama do Cine Shanghai (1987), a história do profeta Elias é trazida para os tempos atuais e ambientada no sertão nordestino. Orçada em cerca de 2 milhões de reais, a produção tem sido feita na base da parceria com amigos. “Já aprovamos mais de setenta projetos na Lei de Incentivo à Cultura e na Ancine. Mas ainda é difícil conseguir a captação”, diz a produtora Veronica.

Em um país em que apenas 0,39% da população se declara agnóstica ou ateia, segundo dados do censo de 2010, é de se imaginar que produções de cunho espiritual agradem a boa parte das pessoas. Por este mesmo motivo, as megaproduções baseadas na Bíblia devem continuar na agenda do brasileiro. “Apesar de Noé, creio que os cristãos vão assistir a Exôdo. Eles não estão traumatizados ao ponto de perder a curiosidade nessa história, que já tem uma bela tradição cinematográfica”, diz Davi Charles Gomes, do Mackenzie. Coberto de críticas por onde estreia, Ridley Scott deve andar rezando por isso.

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Domine o fato. Confie na fonte.

10 grandes marcas em uma única assinatura digital

MELHOR
OFERTA

Digital Completo
Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 2,00/semana*

ou
Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba Veja impressa e tenha acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 39,90/mês

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$96, equivalente a R$2 por semana.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.