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Da roça ao book rosa: a versatilidade de Walcyr Carrasco

Autor da Globo emenda novelas tão diferentes quanto bem sucedidas, como 'Amor à Vida', 'Verdades Secretas' e 'Êta Mundo Bom!', que termina nesta sexta

Por Meire Kusumoto Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 26 ago 2016, 16h40 - Publicado em 26 ago 2016, 09h09

O otimista Candinho (Sergio Guizé) e seu fiel escudeiro, o burro Policarpo, a inocente Mafalda (Camila Queiroz) e seu receio do “cegonho” – como a personagem chama o órgão sexual masculino –, a malvada Sandra (Flávia Alessandra) e a mandona Cunegundes (Elizabeth Savalla) se despedem da televisão nesta sexta-feira. Após sete meses de excelentes números de audiência, Êta Mundo Bom! sai do ar para entrar no rol dos acertos de Walcyr Carrasco, um dos autores mais versáteis da Globo. O folhetim das 6 que se encerra é o terceiro hit seguido de Carrasco, que antes emplacou Verdades Secretas (2015), na faixa das 11, e Amor à Vida (2013), às 9. Ao site de VEJA, ele analisa a aceitação de seu trabalho, fala sobre o público de novelas e sobre como buscou suas raízes no interior de São Paulo para escrever Êta Mundo Bom!. “Escrevo algo que minha mãe, já falecida, gostaria de ver. Tento compartilhar essa emoção com o público. Não me ache maluco, mas, quando escrevo o texto, choro e rio, dependendo da cena”, diz.

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‘Êta Mundo Bom!’: melhor audiência das 6 desde 2007

Êta Mundo Bom! chegou ao fim como a melhor audiência das 6 desde 2007, quando a Globo exibiu O Profeta, trama escrita por Duca Rachid e Thelma Guedes e supervisionada pelo próprio Carrasco. Até o dia 16 de agosto, a trama de Candinho teve média de 27 pontos na Grande São Paulo. Os dois trabalhos anteriores do escritor também foram muito bem, obrigado: Verdades Secretas terminou com média de 20 pontos, a maior da faixa horária até hoje, e Amor à Vida (2013) cravou 35 pontos, número que não foi superado por nenhuma de suas quatro sucessoras, Em Família, Império, Babilônia e A Regra do Jogo.

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Em várias semanas, Êta também deixou para trás aquele que é considerado o principal produto da casa, a novela das 9, primeiro com A Regra do Jogo, que terminou em março, e depois com Velho Chico, que se recuperou na audiência e vem disputando o título de folhetim mais visto da Globo, neste momento, com a trama das 6. Carrasco, porém, minimiza a disputa e a relevância dos índices. “A questão da audiência é importante, mas não deve ser o objetivo principal do autor, senão ele se perde. O autor tem que passar sua emoção, seu humor, ao público. Por exemplo, Gerusa (personagem de Giovanna Grigio em Êta) realmente existiu. Foi uma vizinha minha, professora. Quando escrevo as cenas dela, penso na Gerusa que conheci, não em um número. Fiquei agradavelmente surpreso com o sucesso, é claro. Mas vamos combinar, a diferença com as outras novelas é mínima, acho que estamos todos muito próximos, o que é ótimo.”

O autor, nascido em 1951 na cidade de Bernardino de Campos, interior de São Paulo, começou seu trabalho na televisão em 1989, assinando a novela Cortina de Vidro, no SBT, emissora que também exibiu a sua Fascinação, em 2000. Passou ainda pela extinta Rede Manchete, onde escreveu três minisséries e a novela Xica da Silva (com o pseudônimo Adamo Angel) antes de estrear como autor de novelas na Globo em 2000, com O Cravo e a Rosa. A partir daí, passou a praticamente emendar um trabalho no outro no canal carioca, onde assinou doze folhetins em dezesseis anos. Carrasco ainda acumula as funções de dramaturgo e escritor de crônicas e livros infanto-juvenis, como A Menina que Queria Ser Anjo e Cadê o Super-Herói?.

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A brasilidade e a conversa de bar

Para Êta Mundo Bom!, Carrasco buscou inspiração em elementos de sua infância, passada no interior de São Paulo. “Quando eu era criança (faz tempo!), meu pai me levava ao cinema todos os dias, praticamente. Assisti a várias comédias, filmes de Mazzaropi, Ankito, Oscarito, Grande Otelo. Eles traduzem uma memória cultural, de humor autenticamente brasileiro. Quis homenagear esses filmes, minha infância e meu pai, João, que tanto me deu.” À referência brasileira, se juntou o conto satírico Cândido, de Voltaire, que trata de um ingênuo rapaz que encara diversas decepções ao longo de sua vida, sempre com otimismo. Assim nasceu Candinho, personagem que vê as agruras da vida com positividade e que tem como lema a frase “tudo o que acontece de ruim na vida é pra ‘meiorá’”.

Sergio Guizé, intérprete do personagem, afirma que leu o conto no original, em francês, mas afirma que o texto da novela é mais leve que sua fonte inspiradora. “O Walcyr usou a sensibilidade para deixar tudo mais colorido e mais acessível, é quase uma poesia que cai bem, vem como uma luva nos dias difíceis que estamos atravessando, principalmente no Brasil”, diz. Para o ator, uma das maiores qualidades de Carrasco é justamente saber usar o bom humor a seu favor, tocando “gentilmente os corações” de pessoas de todas as classes e gerações com inteligência.

Elizabeth Savalla, que na trama interpreta a megera Cunegundes, seu oitavo personagem em uma novela de Walcyr Carrasco, acredita que o folhetim tenha ganhado pontos com o público por sua “brasilidade”. “Fora dos centros do Rio de Janeiro, São Paulo e capitais, o povo é composto de Candinhos, de Zé dos Porcos, de Cunegundes. As pessoas conseguem se ver, se identificar. Todo mundo já passou por mazelas, já foi enganado por pessoas como o Ernesto (Eriberto Leão) ou conhece aquela pessoa boa como a Anastácia (Eliane Giardini).”

A trama de Êta Mundo Bom! diverge bastante daquela desenvolvida por Carrasco em Verdades Secretas, que conquistou o público ao tratar de maneira crua o romance entre uma adolescente e um homem mais velho, o mundo da prostituição de modelos que fazem o chamado book rosa e as drogas. Na novela das 11, o escritor mostrou outro lado. Mauro Mendonça Filho, diretor do folhetim, elogia a maneira como o autor abordou temas espinhosos. “As drogas e prostituição estão aí, há muito tempo, mas sempre foram tratadas de forma exageradamente demonizada, sem se tentar entender os motivos que levam as pessoas a buscar esses padrões de vida. Walcyr conseguiu ‘humanizar’ essa questão, o que deu bastante credibilidade à sua história”, diz.

Maurinho, como é chamado nos bastidores, ainda destaca outra qualidade do texto de Carrasco, que pode ser observada em diversas novelas suas. “Os diálogos fluem. A sensação é a mesma de uma conversa de bar, onde os assuntos delicados surgem, mas se resolvem ali mesmo. Junte-se a isso uma inquietação muito positiva em buscar temas contundentes e extrema competência em desenvolver tramas com agilidade. É um craque”, resume. O ritmo acelerado e dinâmico de que fala Mauro pôde ser observado não apenas em Verdades Secretas, mas também em Êta Mundo Bom! e em Amor à Vida, as produções mais recentes de Carrasco – é difícil ver um capítulo em que nada aconteça.

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Rigoroso

Ativo nas redes sociais, o autor costuma reproduzir em seu perfil no Twitter os tuítes do público que elogiam seus trabalhos. As críticas e sugestões também são vistas, mas Carrasco não se abala e garante que, em primeiro lugar, vem a sua vontade, e não a dos espectadores, “O público sempre falou, não só nas redes sociais, mas na banca de revista, no bar, na vida que pulsa em torno de mim. Eu ouço, mas procuro sempre deixar minha emoção falar primeiro. É através dela que converso com o público”, afirma.

A fama que Carrasco tem nos bastidores é a de que ele também não costuma ser aberto a sugestões de mudanças em seus roteiros, tanto por parte do elenco quanto de diretores. Elizabeth Savalla confirma o rumor, mas garante que há uma explicação para o comportamento do escritor. “Ele é muito rigoroso. Mas tem que ser, é necessário. Nós temos um volume imenso de texto por dia, então, às vezes, você troca uma palavra por um sinônimo ali na cena, mas há toda uma preocupação da equipe em cuidar do texto.”

Jorge Fernando, diretor de Êta Mundo Bom!, conta que parte sempre do texto de Carrasco, mas que fatores externos, como clima, podem acabam impactando o ritmo das gravações – esse tipo de coisa, porém, é resolvida com uma conversa com o autor. “Eu e Walcyr temos muita união, já tivemos três grandes sucessos juntos, temos muita ligação, é tudo muito bem conversado.” Mauro Mendonça Filho conta que o escritor chegou a cortar três páginas de cada capítulo de Verdades Secretas, a pedido do diretor, que queria apostar em construções mais subjetivas dos personagens, com emoções, ações e olhares. Como ia praticamente emendar a novela das 11 com Êta, Carrasco entregou os roteiros a Maurinho e foi trabalhar no novo projeto. “Ele me entregou seu filho para criá-lo.”

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Depois de duas novelas de sucesso exibidas em um período de pouco mais de um ano, Carrasco diz que tem novas ideias, mas quer descansar. A aposentadoria, porém, ainda está longe. “A vida tem suas etapas e é preciso saber parar. O ideal é que a gente pare por decisão própria, por escolha, não por frustração ou de maneira forçada. Estou com mais de 60 anos e, de certa forma, já percorrendo a última etapa da minha vida. Em algum momento, vou parar. Mas, se Deus quiser, não agora.”

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