Assine VEJA por R$2,00/semana
Continua após publicidade

Chinês Ai Weiwei sobre Brasil: ‘Calar a arte é sinal de retrocesso’

Artista plástico banido da China por suas críticas ao regime comunista volta a São Paulo para apresentar documentário sobre refugiados, em cartaz na Mostra

Por Maria Carolina Maia Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 19 out 2017, 23h11 - Publicado em 19 out 2017, 17h43

Depois de perder um voo para São Paulo nesta quarta-feira, por um erro da companhia aérea americana, e passar a noite no ar para chegar a tempo da apresentação do documentário Human Flow – Não Existe Lar Se Não Há para Onde Ir para jornalistas na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, o artista plástico chinês Ai Weiwei desembarcou de Nova York direto para o shopping Frei Caneca, sem escala. Ali, depois de uma sessão de duas horas e vinte, ouviu perguntas sobre a motivação para fazer o filme, uma extensa pesquisa sobre a situação de diferentes grupos de refugiados pelo mundo, sobre a sua identificação com esses grupos e sobre o avanço da extrema direita em diversos países, inclusive na Alemanha, onde vive hoje. Weiwei, que acaba de passar uma temporada na cidade e prepara uma exposição para o ano que vem na Oca, do Ibirapuera, se mostrou a par das polêmicas recentes na arte brasileira — e fez sobre elas um prognóstico sombrio.

“Há quem, por princípios religiosos e morais, tente restringir nossa liberdade”, disse, sem citar diretamente os evangélicos que pediram boicote à exposição sobre diversidade abortada pelo Santander em Porto Alegre, a Queermuseu, e à performance com um homem nu no MAM, também no Ibirapuera, La Bête. “Perder a liberdade de expressão é um sinal muito perigoso de que se pode estar andando para trás”, continuou. “O primeiro passo, no retrocesso, é sempre calar a arte. É uma ameaça de surgimento de tempos piores.”

Human Flow foi o filme que abriu a 41ª edição da Mostra, na noite desta quarta-feira. Weiwei era esperado na abertura do evento, que segue até 1º de novembro, com o documentário escalado entre os 394 filmes, de 59 países, da programação. Apesar do cansaço, não se esquivou a nenhuma pergunta sobre o documentário, feito a partir de 300 entrevistas e visitas a 40 campos de refugiados, que renderam 900 horas de material bruto. Além dos sírios, afegãos e iraquianos que têm chegado à Europa nos últimos anos, a princípio com portas abertas, depois com acesso negado pela União Europeia, Human Flow mostra o drama de paquistaneses apartados por diferenças religiosas, palestinos confinados por israelenses em Gaza, de africanos e até de mexicanos obrigados a se deparar com uma cerca na fronteira com os Estados Unidos.

Em dado momento, o documentário mostra um tigre que se perdeu e escapou da África por pressentir um terremoto ou alguma outra ameaça natural. Ele seria levado a Joanesburgo a bordo de um avião para ser restituído à vida ideal: livre, em seu habitat. Se no início a imagem do tigre enjaulado parece uma analogia com a situação dos refugiados que tiveram os portões da Europa trancados para eles, em seguida se revela uma antítese. O tratamento concedido ao bicho, incluindo a alimentação e a viagem de avião, é muito mais humano que o recebido pelas pessoas que deixaram seus países fugindo de guerras, em barcos onde muitos morrem por subnutrição ou por doenças – ou de onde despencam para expirar no mar.

Continua após a publicidade

“Eu tinha extrema curiosidade de saber o que acontece no mundo hoje, um mundo em que 44 milhões de pessoas foram obrigadas a deixar suas casas. São imagens terríveis”, contou Ai Weiwei, ele mesmo obrigado a deixar a China por incomodar o poder local com seus questionamentos sobre os rumos do país. “Ao mesmo tempo que pode ser inspirador, é deprimente viver num mundo em que valores são violados. Como chinês, vivi muito isso e acho que as coisas estão piorando.”

Ainda que seja considerado um dissidente do regime chinês, Weiwei sustenta que a questão dos refugiados não é somente política, mas sobretudo humanitária. “São pessoas como nós. Precisamos manter a nossa humanidade e enxergá-las como são. Refugiados são transparentes, ninguém vê”, disse. “Tenho fé nas pessoas, não nos políticos, nas grandes empresas, nas instituições.”

A identificação com os refugiados é intensa, no caso de Weiwei, pela própria trajetória. Hoje radicado em Berlim, onde mantém um ateliê, o chinês conviveu desde criança com a perseguição e o cerceamento da liberdade. “Meu pai era poeta e foi enviado a campos de trabalho forçado. Entendo bem a situação”, disse. “Eu me sinto um pouco refugiado. Sou um desterrado, não falo alemão, mas sou um privilegiado.”

 

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Domine o fato. Confie na fonte.

10 grandes marcas em uma única assinatura digital

MELHOR
OFERTA

Digital Completo
Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 2,00/semana*

ou
Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba Veja impressa e tenha acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 39,90/mês

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$96, equivalente a R$2 por semana.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.