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Cenas de sexo: “O choque é mais visual do que moral”

Para o diretor de 'Azul É a Cor Mais Quente', vencedor em Cannes, reação ao filme prova que ainda é novo duas mulheres se amando

Por Patrícia Villalba, do Rio de Janeiro
7 dez 2013, 09h30

Aos 52 anos, o franco-tunisiano o diretor e roteirista Abdellatif Kechiche tem uma carreira relativamente curta, mas muito bem-sucedida. Ele lançou seu primeiro filme em 2000, La Faute à Voltarie, e cinco anos depois, com L’Esquive (2004), foi consagrado como Melhor Diretor pelo César du Cinéma, o chamado “Oscar do cinema francês”, que venceria novamente em 2008, com La Graine et le Mulet, acumulando ainda a estatueta de Melhor Filme. “Azul É a cor mais quente” é seu quinto filme – o segundo lançado no Brasil, depois de Vênus Negra (Venus Noire), de 2010 -, cuja intensidade da atuação das protagonistas Adèle Exarchopoulos e Léa Seydoux encantou o júri do festival de Cannes, do qual saiu vencedor neste ano e bem cotado para a bolsa de apostas do Oscar para o ano que vem. De passagem pelo Rio no último fim de semana para promover o ruidoso longa-metragem, desde sexta-feira em exibição no país, o diretor teve a seguinte conversa com o site de VEJA:

O que chamou sua atenção na história em quadrinhos Le Bleu Est Une Couleur Chaude, de Julie Maroh, para resolver filmá-la?

Já tinha em mim a história de uma professora de francês, que estava roteirizada e que foi inspirada no meu segundo filme, A Esquiva (L’esquive, 2004). Esse personagem da mulher passando por provações, luto e ruptura amorosa já estava em mim. Dei de cara, então, com a HQ numa livraria de Paris, sobre uma jovem que sofre com sua opção sexual. Depois, não sei muito bem como se fez o vínculo entre essas duas histórias, nem por que acabei centralizando o meu filme em Adèle. Mas é um personagem que continua vivo em mim e me imagino fazendo uma sequência para representá-lo em outras fases de sua vida. É difícil responder essa pergunta. Para isso, eu teria de descrever o meu imaginário. É escrevendo as cenas que você chega ao que faz sentido no filme.

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No original, a personagem se chamava Clémentine. O senhor buscava uma espécie de fusão entre Adèle e a personagem principal quando resolveu batizá-la no filme com o mesmo nome da atriz?

Não gostei muito das características psicológicas da HQ – achei que ela era frágil demais e que vivia sua orientação sexual de maneira passiva e com culpa demais. Eu tinha uma outra ideia, já via uma outra mulher ali. Por isso, substitui seu perfil e foi logo de cara. O nome, na verdade, é mais simbólico do que outra coisa. No caso da atriz, realmente, eu quis ajudá-la, escolhendo o mesmo nome para que ela se desse conta da personagem que ela tinha que encarnar – mais do que interpretar.

Teve algum receio ao escolher a temática do amor gay para o filme?

Você não pode pensar em termos de medo e temores ao escolher que filme fazer. Pelo contrário, você pensa no desejo de fazer determinado filme. É algo inconsciente, e você não se dá conta dos perigos que está correndo. No início do projeto, pensei que se eu conseguisse me envolver e envolver os atores e participantes nesse filme, conseguiria fazer os espectadores se identificassem com a história e os personagens também. Então, se há temor não seria nessa fase inicial, mas na realização do filme.

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Como foi o processo para chegar à escalação de Adèle Exarchopoulos e Léa Seydoux que, de tão acertada, rendeu a elas uma menção do júri de Cannes como co-responsáveis pela Palma de Ouro?

O primeiro critério foi a origem social de cada uma na vida real. Quis muito salientar a diferença social entre elas, então procurei atrizes que tivessem essa vivência – para Emma, um meio burguês, e Adèle, uma legítima representante de um meio mais proletário. O segundo critério foi escolher duas atrizes que pudessem sentir atração uma pela outra. Ao me deparar com Adèle no primeiro encontro, já achei minha personagem: uma jovem livre, generosa e com sensibilidade à flor da pele. Ela veio muito sensual, e eu senti que ali havia uma atriz que poderia carregar o filme como ela fez.

https://youtube.com/watch?v=3qxWpl-_PQo%3Frel%3D0

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O senhor é conhecido pelo tom realista dos seus filmes. Há tanta improvisação em cena quanto parece?

Pelo contrário: este filme tem pouquíssima improvisação, principalmente nas cenas entre Adèle e Emma. Tenho sempre uma visão precisa da cena que quero filmar e também um texto que é seguido à risca. As cenas onde houve menos improvisação foram as entre Adèle e Jérémie Laheurte, porque eles já tinham uma intimidade fora o set de filmagens (os dois atores são namorados), então já estava livres e à vontade em relação ao outro. Na cena tão comentada, não houve improvisação, porque muita coisa estava em jogo. Mas o fato de eu usar pouca improvisação não quer dizer que eu não deixem os atores livres para sugerirem mudanças no texto ou darem a entonação que quiserem às falas.

Como recebeu as críticas de que o filme ultrapassa a fronteira entre o erótico e o pornográfico?

Qual é a definição, qual é o limite do pornô? Pessoalmente, não tenho nada contra o filme pornô. Se dentro dele há uma cena mais explícita que incomoda, ok. Eu quis descrever uma paixão carnal entre as personagens. Se choca alguns? Choca, mas não chocou todo mundo. E eu trabalhei com o meu senso estético e minha sinceridade. Acho que a cena ficou bonita de se olhar, mas nem todo mundo precisa sentir a mesma coisa. Nunca teremos a unanimidade. Da mesma maneira que alguns acham os closes exagerados, outros vão achar que é justamente isso que faz a cena especial. A gente olha uma cena no cinema como a gente é e dentro da nossa época. Há dois séculos, era impensável mostrar o sexo entre mulheres. Para tomar exemplos fora do cinema, há hoje uma tela muito conhecida, A Origem do Mundo (1866), do (Gustave) Coubert, que ficou guardada décadas porque o artista poderia ter sido preso por mostrá-la. No filme, eu coloco em pano de fundo (durante uma festa na casa das personagens) uma cena do (George Wilhelm) Pabst com a Louise Brooks, que sugere que a personagem é lésbica (O Diário de uma Garota Perdida, de 1929), que mal pôde ser visto e foi um escândalo na sua época. Então, considero que as mesmas cenas que vão chocar alguns hoje ficarão completamente anódinas, comuns, daqui a 15 ou 20 anos.

O senhor acha que as reações seriam parecidas, caso a cena fosse entre um homem e uma mulher?

Não sei, porque resolvi filmar entre duas mulheres (risos). Acho que sim, de repente é novo mostrar o corpo de duas mulheres se amando – deve ter criado um choque mais visual do que moral.

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O filme conta a vida de uma menina de 15 anos, mas recebeu classificação indicativa de 17 anos na Europa e nos Estados Unidos e 18 anos aqui no Brasil. Se o que se mostra no filme é a descoberta da sexualidade, que pode acontecer com qualquer garota, não é razoável que ele pudesse ser visto pelas Adèles da vida real?

Estou de acordo com você, só que eu não dou nenhum palpite na censura. Minha surpresa é a censura ser diferente dependendo do país, o que mostra que essa discussão é subjetiva. Houve até uma cidade americana (Boise em Idaho) em que o filme foi proíbido. Demonstra também o poder desses censores, que decidem o que pode ser visto e a gente se pergunta se eles decidem mais em função deles ou do que os espectadores querem. A diferença, mostra que a moral parte de um ponto de vista sempre subjetivo.

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