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Adultério não é crime. Sapatada na cara da amante é

Surra em 'A Força do Querer' inverte sinais, põe mocinha no papel de bandida e faz da vilã a vítima

Por Daniel Jelin Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 29 jul 2017, 00h01 - Publicado em 27 jul 2017, 18h54

A briga que envolveu a amante dissimulada (papel de Débora Falabella), a esposa traída (Maria Fernanda Cândido) e uma sereia (Isis Valverde) na novela A Força do Querer inverteu perigosamente os sinais do direito penal e civil. O “acerto de contas”, antigo clichê da teledramaturgia, acabou colocando a mocinha no papel da bandida e fazendo da vilã a vítima.

O adultério pode ser humilhante e doído, mas deixou de ser crime em 2005 – por força da mesma lei que retirou do Código Penal a ridícula expressão “mulher honesta”. Até então, a traição podia dar de quinze dias a seis meses de detenção, tanto do traidor como do ‘corréu’. Com algumas ressalvas: o traído tinha apenas um mês para reclamar, desde o momento em que tomasse conhecimento do chifre; e se decidisse perdoar o traidor, mesmo que “tacitamente”, perdia o direito de processá-lo.

Com a mudança, o adultério deixou o campo do direito penal e restou circunscrito à esfera civil. Em seu capítulo sobre a “eficácia do casamento”, o Código Civil coloca a fidelidade como o primeiro de cinco deveres dos cônjuges – os outros quatro são a vida em comum; a mútua assistência; o sustento, guarda e educação dos filhos; e respeito e consideração mútuos. Assim, quando levado às barras dos tribunais, um caso de traição pode acabar, não em prisão, mas em reparação indenizatória, por dano moral – que se cobra do cônjuge infiel, não do pivô da traição, em disputas jurídicas amargas e de resultado imprevisível.

Surra de Irene em A Força do Querer
Ritinha (Isis Valverde) bate em Irene (Débora Falabella) em ‘A Força do Querer’ (Divulgação/TV Globo)

Brutalidade

Ao expurgar o adultério do Código Penal, assentou-se que a fidelidade não é uma obrigação devida à ordem social, mas uma responsabilidade assumida por um cônjuge perante o outro, e que o Estado não tem nada com isso, explica a especialista em direito penal Fernanda de Almeida Carneiro, professora do Insituto de Direito Público, de São Paulo. Não é esse o caso da lesão corporal, tipificada no artigo 129 do Códio Penal, diz a penalista. Nesse caso, ofende-se não apenas a vítima, mas a própria sociedade. A punição, na modalidade mais branda, é a detenção de três meses a um ano. Se é de natureza grave, reclusão de até oito anos. Quando seguida de morte, doze.

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A esposa traída de A Força do Querer, claro, pode procurar atenuantes, como agir “sob a influência de violenta emoção, provocada por ato injusto da vítima” ou o “o desconhecimento da lei”. Complica a defesa o fato de que a personagem já sabia das escapadas do marido (Dan Stulbach); que sua antagonista estava imobilizada por uma segunda pessoa quando foi repetidamente agredida na cara com um Louboutin; e que ninguém prestou socorro. E nenhuma maldade que a amante tenha cometido – ou venha a cometer – pode livrar a cara da esposa traída: um crime não “compensa” outro.

A brutalidade da cena da novela chocou alguns espectadores, mas a verdade é que na vida real a ‘força do querer’ pode ser muito mais violenta. A crônica policial está cheia de amantes espancadas, assassinadas ou expostas à execração pública, frequentemente sob o aplauso de terceiros. O mais grave: longe da ficção, o “acerto de contas” é comumente desencadeado por nada mais que um boato, uma mentira, o mero ciúme.

Para dar parte da agressão, a vítima deve dirigir-se à delegacia, registrar boletim de ocorrência e submeter-se a exame de corpo de delito. Se a surra deixou vestígio, o agressor responde por lesão corporal. Se não deixou, explica a especialista, o cônjuge vingado pode responder pela contravenção penal tipificada como vias de fato (prisão simples, de quinze dias a três meses, ou multa) e crimes contra a honra, como a injúria (detenção, de um a seis meses, ou multa).

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