‘A Feiticeira da Guerra’: lirismo em realidade africana cruel
Garota-soldado de 12 anos (Rachel Mwanza, melhor atriz no último Festival de Berlim) se apaixona e tem surtos alucinatórios que funcionam como fuga
Filmes sobre crianças-soldado na África costumam ser rodados em estilo documental e em tom de denúncia. A Feiticeira da Guerra, dirigido pelo canadense de ascendência vietnamita Kim Nguyen e na programação da 36ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, ousa colocar algum lirismo nesse assunto horripilante.
Komona (Rachel Mwanza, melhor atriz no último Festival de Berlim) é uma garota de 12 anos que mora na República Democrática do Congo. Um dia, rebeldes chegam à sua vila, obrigam-na a assassinar os próprios pais e levam-na para lutar ao lado deles. No grupo, há outros adolescentes-soldados como ela, em especial o Mágico (Serge Kanyinda). Os dois se apaixonam. Durante algum tempo, vivem um idílio em que o futuro parece possível. Komona passa a ser chamada de Feiticeira, como indica o título, depois de sobreviver a um tiroteio.
À medida que o filme avança, a violência só aumenta, e as cenas são bem fortes. Mas Nguyen mescla a realidade com a fantasia romântica da garota, em surtos alucinatórios bem líricos, uma espécie de fuga daquele entorno tão cruel que ao mesmo tempo acentua por contraste essa crueldade. São imagens belas pontuadas por longos silêncios, sublinhados pela presença forte da melancólica Rachel Mwanza, que passa de um registro a outro com a mesma honestidade.
O diretor só abusa um pouco da narração em off – Komona está grávida e relata os acontecimentos e suas memórias para o bebê em sua barriga. Mesmo esse momento mágico é carregado de tristeza, pois o futuro implícito na situação deixa ainda mais evidente o drama da vida da adolescente, como de tantas outras na África. Nesses contrastes entre uma nova vida e a morte ao redor, beleza e feiura, o cineasta reforça a tragédia da situação.