Uma revolução na China rural
Um programa que leva excelência por meio do ensino à distância a escolas em vilarejos está alargando o horizonte de milhares de crianças chinesas
No ranking mundial da educação, Xangai está lá no topo. Mas o resultado não espelha a realidade do cinturão rural da China, tomado de pequenas escolas onde um único professor dá conta, como pode, do recado. Muitos são versados em apenas uma ou duas disciplinas e os alunos ficam restritos a um reduzido horizonte. Em meio a esse cenário de escassez em minúsculos vilarejos sem destaque no mapa, uma experiência vem garantindo a crianças pobres desde os 5, 6 anos acesso ao ensino dado pelos melhores professores do país. O que parecia altamente improvável só foi possível com o uso da internet. As aulas são à distância.
Seguindo a regra chinesa dos números superlativos, o projeto, batizado de Hu+, chega hoje a 2 000 escolas de trinta províncias alcançando 1 milhão de estudantes – isso em dois anos. O sistema que leva a qualidade a essas regiões esquecidas é muito simples: as aulas são transmitidas via internet e apresentadas em telas de TV. Uma mesma lição é vista em várias escolas ao mesmo tempo. E assim as crianças passaram a estudar pela primeira vez inglês, artes, ciências – matérias que muitos professores da zona rural não estavam preparados para ensinar.
A primeira imagem que vem à mente ao pensar na garotada em frente à TV é de uma turma agitada, sem disciplina nem atenção, meio que recreio. Mas não. Os alunos ficam fascinados pela boa aula, até mesmo os mais novos, que participam ativamente. “Eles estão habituados à obter informações na TV e, mais do que isso, entendem desde cedo que têm uma oportunidade que seus pais ou avós não tiveram”, diz o jovem bilionário chinês Arnold Fu, 38 anos, dono da maior empresa de educação online do mundo, a Hujiang — o idealizador da inciativa. Em Doha, no Catar, onde esteve recentemente para dar uma palestra sobre o programa no Wise, congresso que reúne educadores do mundo todo, acompanhava em tempo real no celular as aulas que estavam sendo transmitidas naquele instante em escolas rurais de seu país.
O sucesso, medido pelo avanço dos alunos, não é obra apenas de uma aula na TV. Fu conseguiu atrair os grandes nomes da docência para o projeto: eles doam uma hora da semana, às vezes mais. Já são 10 000 os voluntários. Numa outra frente, eles treinam – também à distância – os professores desses lugarejos. Uma das lições é sobre o manuseio e as possibilidades do computador e da internet para a educação. Afinal, no tempo em que se dá a aula tradicional nessas escolas, com mestre e aluno frente a frente, são eles que conduzirão o aprendizado, fazendo uso da tecnologia. “Quando o professor não domina o básico neste campo, o dinheiro gasto em tecnologia será jogado fora”, enfatiza Fu.
Se está dando certo na China, é de se esperar que tenha potencial para ganhar escala em qualquer outro lugar. Mas o programa não se move apenas pelo voluntariado – e quem quiser se inspirar nele deve prestar atenção aí. Na parte da infraestrutura, o governo chinês investiu em banda larga inclusive nas áreas mais distantes, condição fundamental para as aulas online. Também empresários se envolveram, doando equipamentos que permitem ao aluno continuar a estudar quando chega em casa, via tablets e celulares.
A incursão de Fu na educação se deu inicialmente pelo próprio tédio que a escola convencional lhe despertava. Formado em finanças e relações internacionais, achava que havia uma trilha mais divertida no mundo online. Hoje, atende 1,6 bilhão de alunos com sua plataforma paga, atraindo 100 000 novos usuários por dia. A esta plataforma, aliás, os alunos mais pobres da zona rural também têm acesso. Países africanos andaram procurando Fu para saber como implantar a ideia . Ele, por sua vez, quer se expandir pela vasta zona rural chinesa. As crianças, que ganham com isso uma janela para o futuro, agradecem.