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O Brasil precisa de universidades do seu tamanho

Coordenador de ensino superior do Banco Mundial, o marroquino desafia as instituições do país a aumentar o diálogo com a comunidade acadêmica internacional e com as empresas para fazer a educação e a nação avançarem

Por Nathalia Goulart
21 jan 2011, 21h53

Não faltam números que comprovam a impressão generalizada de que o sistema de ensino no Brasil falhou. E continua falhando, a despeito de avanços. O país está na rabeira – 53ª posição entre 65 nações – do índice Pisa, uma respeitada medição da situação da educação básica pelo mundo. Quando o assunto é ensino superior, as universidades brasileiras não figuram nem entre as duzentas melhores do planeta. O marroquino Jamil Salmi, coordenador de ensino superior do Banco Mundial (Bird), conhece bem as razões do mau desempenho brasileiro: má formação dos professores, desigualdades entre ensino público e privado, relativa escassez de recursos. Mas ele não se prende a elas e desafia as universidades a avançar. “O Brasil precisa colocar suas instituições de ponta em um nível equivalente à posição que o país ocupa do ponto de vista econômico, demográfico e político”, diz. Para isso, a universidade brasileira precisa ganhar eficiência e aumentar o diálogo com estudantes, professores e pesquisadores de outros países. E também com as empresas locais: “É pouco provável que o Brasil tivesse se tornado um líder do setor aeronáutico se o ITA não tivesse se engajado no apoio ao trabalho da Embraer.” Confira a seguir a entrevista que Salmi concedeu ao site de VEJA.

As universidades brasileiras não figuram nem entre as 200 melhores do mundo em rankings divulgados recentemente, como o Times Higher Education. Na avaliação do senhor, isso se deve à metodologia usada por esses estudos ou as universidades do país estão de fato muito atrás das instituições dos países desenvolvidos? A metodologia usada pelos rankings internacionais privilegia a publicação de pesquisas e, neste quesito, a produção latino-america ainda é muito pequena quando comparada à de universidades norte-americanas, europeias e asiáticas. Apesar de o financiamento ser um obstáculo, as instituições brasileiras estão entre as mais ricas da América Latina. Portanto, o maior desafio é fazer bom uso dos recursos disponíveis, aumentar a eficiência interna e a administração e potencializar a habilidade de atrair os melhores talentos. Outro problema é que os rankings privilegiam publicações em inglês, o que influencia negativamente o desempenho dos países da América Latina, já que poucos acadêmicos desejam ou estão aptos a publicar em inglês. Uma pesquisa recente, conduzida por uma universidade japonesa sobre o grau de internacionalização das universidades de 17 países, incluindo México e Brasil, mostrou o grau de exposição internacional é menor na América Latina do que na Europa e na Ásia.

O corpo de pesquisadores, estudantes e professores das instituições britânicas e americanas é repleto de estrangeiros. Por que esse processo ainda é lento nas universidades brasileiras? Quando a Universidade de São Paulo (USP) foi fundada, no início da década de 1930, ela atraía um grande número de renomados pesquisadores europeus. Essa situação contrasta com o cenário atual, em que se atraem poucos pesquisadores e até a mobilidade dos professores entre as diversas universidades brasileiras é muito pequena. Dito isso, é justo acrescentar que a situação não é assim tão sombria. Conheci muitos professores brasileiros que desenvolvem projetos notáveis em sua área de atuação e que possuem ligação com pesquisas em todas as partes do mundo. A Unicamp é bastante conhecida na área de tecnologia e a USP, em biologia. O desafio é ampliar os esforços para receber a contribuição de pesquisadores e docentes de outras partes, não importa de onde. Isso, porém, vai exigir um domínio generalizado de línguas estrangeiras.

Que medidas o Brasil deveria tomar para se tornar atrativo a estudantes e professores estrangeiros? Sendo um líder no trabalho intelectual e no desenvolvimento científico, professores e estudantes de outros países se sentirão atraídos pelas universidades brasileiras. Outra alternativa é expandir o uso de línguas estrangeiras em estudos e pesquisas. O mais importante, porém, é: o Brasil precisa colocar suas instituições de ponta em um patamar equivalente à posição que o país ocupa do ponto de vista econômico, demográfico e político.

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Intensificar o intercâmbio de professores e estudantes ajuda a conquistar reconhecimento e respeito? A cooperação internacional traz inúmeros benefícios para qualquer universidade do mundo. Ela cria oportunidades de aprendizagem mútua e de capacitação, além de abrir novas possibilidades de ensinar, pesquisar e trabalhar com o ambiente regional. Ajuda também a expandir a mobilidade de professores, o intercâmbio de estudantes e transforma o currículo universitário em um currículo globalizado.

O que caracteriza um centro de estudos de excelência? Em meu livro The Challenge of Establishing World-Class Universities, identifiquei três fatores que, juntos, caracterizam uma universidade de ponta: recursos abundantes, concentração de professores e estudantes de talento e estrutura governamental favorável, com liberdade acadêmica, líderes inspiradores, autonomia e cultura de excelência. Universidades assim oferecem conhecimento de alta qualidade e preparam seus alunos para serem reconhecidos no mercado de trabalho, produzem pesquisas de ponta e estão envolvidas na resolução de problemas sociais e econômicos em suas comunidades.

O que faz de Harvard e Cambridge as melhores universidades do mundo? Essas duas instituições têm uma longa tradição científica. Possuem recursos financeiros abundantes e são capazes de atrair os melhores docentes e estudantes. Além disso, Cambridge e MIT (Massachusetts Institute of Technology), por exemplo, são conhecidas por sua estreita relação com as empresas da região onde estão localizadas. Em muitos países em desenvolvimento, estabelecer parcerias com empresas é visto com desconfiança, como se isso fosse um desvirtuamento, fruto de ações que visam somente o lucro. É pouco provável que o Brasil tivesse se tornado um líder do setor aeronáutico se o ITA (Instituto Tecnológico de Aeronáutica) não tivesse se engajado no apoio ao trabalho da Embraer.

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A avaliação Pisa, divulgada recentemente pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), mostrou mais uma vez que a educação básica brasileira está entre os piores do mundo. Esse é um obstáculo ao sucesso do ensino superior no país? Em qualquer país é necessário que todos os níveis da educação estejam balanceados, pois são inter-relacionados. Um ensino fundamental ruim acarreta um ensino médio ruim, que, por sua vez, coloca alunos com um nível insuficiente de conhecimento dentro das universidades. Além disso, se as instituições de formação de professores não são boas, prestam um desserviço à educação básica.

Os estudantes brasileiros acabam de enfrentar o vestibular, baseado na seleção de alunos a partir de uma única prova. Nos Estados Unidos e na Europa, o processo considera conhecimentos acadêmicos avaliados ao longo do ensino médio e também habilidades extracurriculares. O sistema de seleção brasileiro prejudica a eficiência do ensino superior? Cada país tem um contexto diferente e processos de seleção são difíceis de administrar, especialmente quando a parcela da população com acesso ao ensino superior cresce. Muitos países aplicam um exame nacional como parte do processo de admissão para evitar que os estudantes precisem fazer uma prova para cada universidade a que querem se candidatar – o que privilegiaria oriundos de famílias mais ricas. Essa é a razão para a criação de um exame unificado no Brasil. Contudo, o consenso entre os especialistas é que uma única prova não é a melhor maneira de medir o potencial de um estudante. Olhar para o histórico escolar do jovem durante os últimos anos de estudos e suas atividades extracurriculares, assim como sua motivação, é importante para prever seu potencial universitário. Uma das mais inovadoras escolas de engenharia dos Estados Unidos, a Franklin W. Olin College of Engineering, não se preocupa muito com exames de admissão e prefere analisar a capacidade de trabalhar em equipe dos candidatos, assim como sua capacidade de inovação.

O governo brasileiro vem adotando de forma crescente cotas para ingresso nas universidades, designadas, por exemplo, a estudantes oriundos da escola pública. Qual a opinião do senhor sobre essa política? Criar o sistema de cotas é um passo positivo, mas insuficiente e deveria ser apenas um passo transitório. A medida mais urgente é eliminar as disparidades no sistema de ensino. O Bolsa Família tem feito um trabalho excelente em assegurar que as crianças tenham o direito de frequentar a escola. Mas uma das características de nações como Finlândia e Coreia do Sul é que existe uma pequena variação entre a qualidade das escolas. Isso sem levar em conta se a escola é da área urbana ou rural, de regiões ricas ou pobres. Nesse quesito, o Brasil tem ainda muito o que conquistar. No ensino superior, seria importante expandir as oportunidades por meio de instituições profissionalizantes de qualidade, deixando claro que existem caminhos acadêmicos tanto nestes como nas universidades.

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