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MPF quer tirar de circulação o dicionário ‘Houaiss’

Publicação conteria expressões 'pejorativas e preconceituosas' contra ciganos e não atendeu recomendações de alterar texto

Por Da Redação
27 fev 2012, 16h31

O Ministério Público Federal (MPF) entrou com ação absurda, sob todos os aspectos, na Justiça Federal em Uberlândia (MG): o órgão pretende tirar de circulação o dicionário Houaiss, um dos mais conceituados do mercado. Segundo o MPF, a publicação contém expressões “pejorativas e preconceituosas”, pratica racismo contra ciganos e não atendeu a recomendações de alterar o texto, como fizeram outras duas editoras com seus dicionários.

Trata-se de uma ação, no mínimo, desastrada. Há séculos dicionaristas respeitados de todo o mundo se esforçam em reunir nesses livros o maior número de acepções possível das palavras. Assim, o Houaiss explica que o termo cigano é “relativo ao ou próprio do povo cigano; zíngaro”, mas também define “aquele que faz barganha, que é apegado ao dinheiro; agiota, sovina” – esta acepção é, como bem destaca o próprio Houaiss, pejorativa. A razão de apresentar as duas (entre outras) versões é registrar o uso da palavra em um determinado momento histórico e explicar-lhe o significado. É para isso que servem os dicionários: eles não fazem apologia do preconceito, apenas o registram.

A guiar-se pela proposta do MPF, os dicionários prestariam um duplo desserviço. Em primeiro lugar, deixariam de cumprir seu principal papel: registrar o uso da língua em um dado momento. O segundo desserviço é fruto do primeiro. Se os livros deixassem de registrar que, pejorativamente, o adjetivo judeu é empregado como sinônimo de “pessoa usurária, avarenta”, não ensinariam ao leitor que, em determinadas situações, isso (infelizmente) pode acontecer. Não se defende aqui, de maneira alguma, o emprego pejorativo do termo. Mas não é apagando o registro de um dicionário que se muda a realidade. Trata-se de mais um exemplo de ação desastrada em que a ideologia atropela a ciência, o serviço ao leitor e o bom-senso em troca de nada.

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O caso teve início em 2009, quando a Procuradoria da República recebeu representação de uma pessoa de origem cigana afirmando que havia preconceito por parte dos dicionários brasileiros em relação ao grupo. No Brasil, há aproximadamente 600.000 ciganos. Desde então, segundo o MPF, foram enviados “diversos ofícios e recomendações” às editoras para que mudassem o verbete. As editoras Globo e Melhoramentos, de acordo com o órgão, atenderam às recomendações.

No entanto, o MPF afirma que não foi feita alteração no caso do Houaiss. A Editora Objetiva alegou que não poderia fazer a mudança porque a publicação é editado pelo Instituto Antônio Houaiss e que ela é apenas detentora dos direitos relativos à publicação. Diante disso, o procurador Cléber Eustáquio Neves entrou com ação solicitando que a Justiça determine a imediata retirada de circulação, suspensão de tiragem, venda e distribuição do dicionário.

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“Ao se ler em um dicionário, por sinal extremamente bem conceituado, que a nomenclatura cigano significa aquele que trapaceia, velhaco, entre outras coisas do gênero, ainda que se deixe expresso que é uma linguagem pejorativa, ou que se trata de acepções carregadas de preconceito ou xenofobia, fica claro o caráter discriminatório assumido pela publicação”, afirmou. “Trata-se de um dicionário. Ninguém duvida da veracidade do que ali encontra. Sequer questiona. Aquele sentido, extremamente pejorativo, será internalizado, levando à formação de uma postura interna pré-concebida em relação a uma etnia que deveria, por força de lei, ser respeitada”, acrescentou o procurador.

Para Neves, o texto afronta a Constituição Federal e pode ser considerado racismo. Ele lembrou que o Supremo Tribunal Federal já se pronunciou a respeito desse tipo de situação e ressaltou que “o direito à liberdade de expressão não pode albergar posturas preconceituosas e discriminatórias, sobretudo quando caracterizadas como infração penal”.

Além da retirada da publicação do mercado, o MPF também pediu que a editora e o instituto sejam condenados a pagar 200.000 reais de indenização por danos morais coletivos. A Justiça Federal ainda não se manifestou sobre a ação. A reportagem procurou o Instituto Antônio Houaiss, no Rio de Janeiro, mas a informação foi de que a pessoa que poderia falar sobre o caso não estava no local. Não houve retorno até o fim da tarde desta segunda-feira.

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(Com Agência Estado)

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