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Drama do fechamento de universidades pode atingir 200.000 estudantes

Cerca de 80 instituições de ensino superior podem ser descredenciadas pelo MEC, a exemplo do que ocorreu com a Universidade São Marcos

Por Nathalia Goulart
22 abr 2012, 08h29

Estudante do sétimo semestre do curso de direito da Universidade São Marcos, de São Paulo, Daniele Rebelo, de 29 anos, quase perdeu o chão ao saber, no último dia 26, que a instituição seria fechada por determinação do Ministério da Educação. A decisão parecia enterrar muitos sonhos e também 20.000 reais em mensalidades pagas. Para ressuscitá-los, Daniele precisou buscar a transferência para outra universidade. A Uniban foi a escolhida, mas a opção não encerrou seu drama. Para adequar-se à grade curricular da nova universidade, ela precisará cumprir uma carga horária puxada: além de disciplinas regulares, Daniele terá de assistir a aulas de outras dez matérias que não faziam parte da graduação da São Marcos. “Já tenho dois trabalhos e, agora, além de estudar para recuperar os meses perdidos de aula, terei que fazer dez adaptações”, diz. Uma alternativa seria postergar a formatura, marcada para o fim de 2013, o que daria mais tempo para o cumprimeiro do currículo. É uma alternativa ruim, avalia Daniele, pois atrasaria sua entrada no mercado de trabalho. Os problemas não param por aí. A mudança repentina exigiu o afrouxamento de laços fraternais construídos com colegas de classe durante os três primeiros anos de universidade. Daniele resume: “Ver minha universidade fechar faltando pouco mais de um ano para a formatura foi um susto terrível.” Com pequenas variações, o drama de Daniele é o mesmo vivido por todos os estudantes da São Marcos.

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As razões do fechamento da São Marcos misturam desempenho acadêmico ruim e má administração. O ocaso atinge pouco mais de 2.000 estudantes, que, como Daniele, devem ser transferidos para outras instituições até 26 de maio (uma determinação do MEC). Porém, a vida de muitos outros estudantes pode ser afetada por razões semelhantes. Ao menos 79 instituições de ensino superior de todo o país estão sob intervenção do MEC. Elas abrigam hoje 210.199 estudantes, de acordo com dados do último censo universitário. A exemplo da São Marcos, essas instituições obtiveram, nos três últimos anos, desempenho insatisfatório em avaliações do MEC (especialmente no Exame Nacional de Desempenho de Estudantes, o Enade) e por isso estão proibidas de ampliar o número de vagas ou de abrir novos cursos. Se na avaliação de 2012 não mostrarem resultados melhores, podem ser alvo de processo de descredenciamento. Sem reconhecimento oficial, os cursos dessas instituições não têm valor algum. Daí à falência, é um passo.

“Cobro diariamente da São Marcos os documentos de que preciso para a transferência para outra instituição, mas é tudo muito confuso. Fiquei na mão.”

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Isadora Dobalani, 20 anos, ex-estudante de direito da São Marcos

Pouco mais da metade (54%) das 79 instituições sob intervenção é considerada de pequeno porte: possui menos de 1.000 alunos. Representa um grupo significativo de instituições de nível superior do Brasil (atualmente, 49% das universidades, faculdades e centros universitários do país têm menos de 1.000 alunos), mas também um time que enfrenta os mais graves problemas de administração. “O mercado do ensino superior assiste a um processo de consolidação de grandes grupos, que perseguem a eficiência ne gestão. Isso faz com que instituições menores percam competitividade”, diz Ryon Braga, da Hoper Educacional, consultoria especializada na área. As pequenas, em geral, estão presas a uma administração não profissionalizada, o que acarreta problemas financeiros e administrativos. Tudo isso desemboca em um ensino de má qualidade – é quando elas entram no radar no MEC, enfrentam sanções acadêmicas e correm risco de vida. “As instituições menores precisam encontrar nichos de atuação. Caso contrário, serão compradas ou terão o mesmo fim da São Marcos.”

Espera-se que o MEC zele pela qualidade do ensino no país. No episódio da São Marcos, o ministério promete acompanhar a transferência de alunos de perto. “Caso a universidade não cumpra as determinações nos prazos estipulados ou não apresente pedido de dilação de prazo, fundamentada e justificada, o MEC tomará as providências cabíveis para garantir o cumprimento das medidas, inclusive responsabilizando seus representantes legais”, diz a assessoria de imprensa da pasta. Mas nem todos os especialistas concordam com a dosagem do remédio ou mesmo com o tratamento adotado pelo ministério para curar da doença da má gestão. O consultor da Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (Abmes) Celso Frauches, por exemplo, diz que falta eficiência na fiscalização das universidades. “O Brasil conta com 30.000 cursos superiores e mais de 2.400 universidades. Os dispositivos de fiscalização do ministério não dão conta desse contingente”, diz Frauches. “A principal ferramenta hoje é o Enade, uma prova nacional que ainda contém muitas falhas. As visitas in loco, que deveriam ser o centro das avaliações, ainda são pouco frequentes.”

“Escolhi a São Marcos porque ela era a única a possuir um curso de psicologia com base na teoria psicanalítica. Foi um investimento financeiro e emocional. Agora, me sinto abandonado.”

Rafael Munhoz, 26 anos, ex-estudante do 3º semestre da São Marcos

Para ele, o sistema brasileiro de avaliação deveria se inspirar no americano. Lá, é a comunidade acadêmica que fiscaliza as universidades, realizando vistorias detalhadas em instalações, avaliando o corpo docente, o currículo e o desempenho dos estudantes. “Não se trata de uma prova para a confecção de um ranking. O objetivo é apontar as áreas que merecem mais atenção por parte de cada universidade”, diz Frauches. Unidades com deficiências recebem conceitos baixos, o que, evidentemente, afasta estudantes em potencial. “Se não melhorar, a instituição perderá público.” E dinheiro.

Gustavo Ioschpe, economista e colunista de VEJA, vai ainda mais fundo. Ele discorda da prática de fechar universidades ruins como método de aperfeiçoamento do sistema como um todo. Afinal, o fechamento de instituições conduz à redução do número de vagas, restringindo o acesso de estudantes (especialmente os das classes mais baixas) ao ensino superior. “O aluno que frequenta uma universidade mal avaliada não está sendo enganado, tampouco é burro. Ele o faz porque aquela é a melhor instituição em que ele conseguiu entrar, ou é a única que seu bolso pode pagar”, diz Ioschpe (leia artigo sobre o tema). “Se essa vaga for cortada, ele não vai estudar na USP nem na FGV. Vai ficar sem estudar.”

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Com reportagem de Lecticia Maggi

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