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Alckmin está destruindo tudo que foi conquistado em dezesseis anos, afirma diretor do Colégio Bandeirantes

Para ele, governador faz concessões indevidas a sindicalistas

Por Branca Nunes
9 Maio 2011, 14h04

Mauro de Salles Aguiar nasceu para educar. Formado em administração de empresas, abraçou há 31 anos a direção do Colégio Bandeirantes e contribuiu decisivamente para transformar a escola numa das melhores de São Paulo. Coerente no discurso e nas ações em defesa da autonomia de estados e municípios para a definição de prioridades na área educacional, Aguiar também é membro do conselho do escritório de representação no Brasil da Universidade de Harvard. Há uma década e meia, faz parte do Conselho Estadual de Educação, responsável por regulamentar o sistema paulista. E, desde o começo do ano, está profundamente pessimista com a política educacional adotada pelo governador Geraldo Alckmin. “O governo está destruindo o que foi conquistado nos últimos dezesseis anos na área da educação”, lamenta Aguiar. A seguir, a entrevista:

Como o senhor vê a política de aproximação do governo de São Paulo com o movimento sindical na área de educação? O governo de Geraldo Alckmin está destruindo o que foi conquistado nos últimos dezesseis anos na área da educação. O governador tem a mesma visão de cultura do ex-secretário Gabriel Chalita, que escreve um livro de autoajuda a cada quinze minutos. Alckmin talvez não tenha percebido que o PT centrou toda a campanha eleitoral na política educacional. Foi a primeira vez que isso aconteceu no Brasil. A Apeoesp, sindicato dos professores do estado, é dominada pela CUT. Alckmin acha que se favorecer a CUT – ou seja, a Apeoesp – ficará livre de greves e críticas. Ainda não entendeu que a CUT está totalmente cooptada pelo PT. Os sindicatos são contra todas as reformas. Eles se opõem até aos bônus, que hoje são pagos de acordo com o desempenho dos alunos na prova do Saresp, que avalia o rendimento dos alunos da rede estadual, e que têm como objetivo melhorar o aprendizado. Os sindicatos não pensam no aluno. Querem controlar os professores, e também por isso combatem a municipalização do ensino, que quebra a força do sindicato. Nos municípios menores, o professor tem contato direto com a população, com os pais. Quando aparece uma goteira na escola, por exemplo, o prefeito é acionado na hora. No estado, com mais de 5.000 escolas, a goteira é o pedido número 982 da área de manutenção. É impossível gerir um sistema desse tamanho.

Alckmin suspendeu os convênios com escolas de inglês como a Cultura Inglesa e o CCAA que davam bolsas de estudo para cerca de 80 mil alunos da rede estadual. Ele alega que os centros de idioma mantidos pelo estado podem ministrar essas aulas. Isso é possível? O governo acabou com os convênios antes de expandir a rede para atender à demanda. É uma decisão arriscada. Nenhuma empresa importante contrata quem não sabe inglês. Sem saber outra língua, o aluno da escola pública vai diplomar-se numa faculdade, mas dificilmente conseguirá uma das centenas de vagas disponíveis para pessoas capacitadas. A Copa do Mundo e a Olimpíada deveriam motivar os governos estadual e federal a prepararem esses jovens para o trabalho de monitor. Terminadas as competições, a capacitação ficaria. O governo Alckmin certamente vai alegar que os convênios eram muito caros. É um engano. Com o convênio, cada aluno custava 500 reais por ano, o que é superbarato. Feito pelo estado, esse trabalho vai custar muito mais e não terá a mesma qualidade.

Por que Alckmin decidiu atender aos sindicatos? O governador acha, ingenuamente, que vai conquistar o apoio das entidades sindicais negociando um plano de carreira que promove professores não por mérito, mas unicamente por tempo de serviço. O governo anterior decidiu colocar o segundo professor na sala de aula, um estagiário, para que ele tivesse a experiência da sala de aula que não existe na faculdade. O secretário Herman Voorwald quer acabar com esse sistema argumentando que é preciso ter um “professor de verdade”. Ele é um ex-reitor da Unesp que não entende nada de ensino básico. O subsecretário João Cardoso Palma Filho é um dinossauro, completamente desatualizado, com uma visão antiga de educação.

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A educação em São Paulo melhorou nos últimos anos? Melhorou muito nos últimos dezesseis anos, graças a receitas básicas como separar crianças de adolescentes. A progressão continuada, que nasceu com o PT, tem problemas e pode melhorar. Mas é positiva, porque o essencial é o aluno não abandonar a escola. Tenho a sensação de que um partido de oposição ganhou as eleições em São Paulo e está arrasando com tudo o que foi feito. Parece brincadeira, porque Alckmin governou durante seis desses dezesseis anos.

O governo paulista relegou a segundo plano a questão dos salários dos professores? São Paulo paga em torno de dez reais a hora aula, o que é pouco. É preciso melhorar a remuneração inicial para atrair pessoas mais qualificadas, mas em troca disso o governo precisa exigir um comprometimento maior. Hoje, os professores podem faltar ao trabalho sem apresentar justificativas e trocar de escola no meio do ano letivo. Há muitos anos acontece uma espécie de troca informal: o estado não consegue pagar adequadamente e o professor não precisa trabalhar. José Serra estava tentando mudar isso com a incorporação da ausência de faltas aos critérios para a concessão do bônus. Tenho a impressão de que Alckmin, sempre ingenuamente, está cedendo sem pedir nada em troca.

Que mudanças o senhor sugere? Hoje, os que têm melhor desempenho nos concursos públicos podem escolher a escola onde querem trabalhar. Ao optarem pelos melhores bairros e as melhores escolas, perpetuam um sistema perverso: quem mais precisa tem o pior professor. Poderia haver um sistema parecido com o adotado pelo Itamaraty. Os mais bem colocados podem escolher o país preferido, mas ficam ali por um período máximo de três anos. Depois, são transferidos para países bem menos glamurosos. No caso da educação, por exemplo, quem não passar por um Jardim Ângela não crescerá na carreira. A equipe pedagógica também não deveria ser modificada em menos de três anos. Em Cuba o professor que alfabetiza segue o aluno até o quinto ano. Com todos os defeitos da ditadura cubana, eles souberam cuidar da educação das crianças.

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O que deveria ser feito imediatamente? Todos os brasileiros deveriam ter acesso a informações fundamentais. Por exemplo: a quantidade de aulas previstas e de aulas efetivamente dadas nas escolas públicas. Se isso acontecer, todos saberão que é um escândalo o que acontece na região metropolitana. É um faz de conta. Mas cadê a CUT para exigir um ensino de qualidade? Pena que não existe um sindicato de pais e alunos.

Uma lei de 2008, instituída pelo governo Lula e que entra em vigor este ano, torna obrigatório o ensino de música em todas as escolas do país. O senhor aprova a ideia? Não. Sempre existiram projetos para acrescentar penduricalhos no currículo, mas nos governos anteriores o Ministério da Educação permanecia atento. Caso a lei fosse aprovada no Congresso, o presidente vetava. Um bom exemplo: o sociólogo Fernando Henrique Cardoso vetou a lei – mais tarde aprovada no governo Lula – que tornava impositivo o ensino de filosofia e sociologia. Se é do interesse das entidades sindicais, o PT não veta nada. Em São Paulo, o Conselho Estadual de Educação aprovou uma deliberação, baseada na Lei de Diretrizes e Bases, que permite a difusão desses conhecimentos por meio de outras disciplinas, como história ou literatura. A forma interdisciplinar me parece mais eficaz.

De que modo a educação será afetada por essas imposições? Não existe uma escola infantil de boa qualidade que não ensine música no sentido literal, com instrumentos e sons. Mas a partir dos dez anos de idade as prioridades devem ser outras. Se o aluno não aprender português, uma língua estrangeira, tiver boa base de matemática e uma mente científica, ele será condenado à prisão da ignorância. Como ensinar filosofia a quem não entende direito o próprio idioma? Como tudo na vida, a escola precisa ter foco. Se quiser fazer tudo, fará tudo muito mal.

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O que é preciso para que isso aconteça na escola pública? Um grupo pedagógico bom e um bom material escolar. O grupo Objetivo, por exemplo, percebeu isso há 40 anos e criou o que chamamos de ensino sistematizado. Nele está definido o que o professor tem de ensinar, aula por aula. A Índia tem a maior população de jovens e crianças na escola entre todos os países. São 240 milhões. Ao mesmo tempo, tem 140 milhões de habitantes com educação zero. Começou a implementar o sistema de ensino sistematizado e divulga essa mudança como se fosse uma grande novidade. O Brasil descobriu há muito tempo o sistema que a Índia adotou agora, mas não sabe valorizá-lo. A rede pública de ensino precisa aprender a trabalhar com a sistematização. Os sindicatos criticam o método, com o pretexto de que elimina a criatividade do professor. Isso é uma bobagem. O professor pode ir muito além. É possível ilustrar, completar, dar outros exemplos. Mas o mínimo essencial está garantido.

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