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Por que o PIB mundial se desloca todos os anos até Davos?

A estação de esqui suíça é palco do Fórum Econômico Mundial, que reúne empresários, autoridades e celebridades para discutir as questões que pautarão o ano

Por Ana Clara Costa 24 jan 2018, 00h53

Não há evento no mundo que mobilize mais de 3 000 integrantes da elite empresarial, acadêmica e política além do Fórum Econômico Mundial, que acontece anualmente em Davos, uma estação de esqui nos Alpes suíços próxima da fronteira com a Áustria. Exceto as delegações de governos e jornalistas convidados, os participantes desembolsam, no mínimo, 70 mil dólares (o equivalente a 240 mil reais) para viajar até o local, participar dos painéis de discussão, ver e ser visto e, sobretudo, fechar negócio. Davos é um enorme balcão de negócios em que investidores e empresários se encontram ao acaso na máquina de café, em debates ou em reuniões pré-agendadas pela própria organização do evento — e outras acertadas por fora. Os painéis de discussão com acadêmicos e prêmios Nobel dão requinte intelectual à saga dos participantes; o Crystal Awards, que premia celebridades que tenham feito alguma obra social, chama a atenção da mídia para a abertura do evento (já foram premiados Shakira, Leonardo DiCaprio, Matt Damon, e, este ano, Cate Blanchett e Elton John); e a presença de chefes de estado dá relevância política regional e mundial. Mas o carro chefe, que leva o PIB global a patrocinar e comparecer ao evento, é mesmo a sua poderosa ferramenta de networking, que possibilita acordos bilaterais, fusões e aquisições e outros jargões econômicos que resultam em cifras sempre altíssimas — ou prejuízo, a depender do desfecho. (Em 2012, no auge do protecionismo dilmista, autoridades brasileiras romperam, em Davos, um acordo bilateral com o México no setor automotivo, que resultou em perda bilionária para a indústria mexicana).  

Não fosse essa combinação de networking e marketing, essa mesma elite dificilmente se deslocaria a Davos nem sequer para esquiar. A cidade não oferece atrativos extraordinários — há outras estações na Suíça mais badaladas, como St. Moritz, Gstaad e Zermatt, e que contam com a mesma paisagem alpina e nevada. As acomodações são vistas como frugais para os padrões dos participantes, não há restaurantes estrelados, e o trânsito é tão caótico quanto o de uma marginal em horário de pico, ainda que Davos tenha apenas 11 000 habitantes. Ocorre que, do dia para a noite, desembarcam mais de uma centena de Limusines, Mercedes-Benz e BMWs para fazer o transporte das delegações e de muitos empresários que não querem usar as vans que servem gratuitamente o Fórum e as imediações. Os painéis acontecem dentro de um bunker de 12 000 metros quadrados construído especialmente para abrigar o Fórum, mas os participantes têm de circular entre os hotéis da cidade ao longo do dia, cujos salões se transformam em verdadeiros QGs de empresas em busca de novos clientes ou negócios. Por isso, o tráfego para com certa freqüência e, não raro, os Davos-Men optam por descer dos veículos no meio do caminho e enfrentar o risco de escorregar no gelo molhado das calçadas a perecer no congestionamento. Mas há quem veja o trânsito como vantagem: faz parte da etiqueta de Davos manter a credencial à mostra dentro da van e ter o cartão de visita sempre à mão. Ali pode surgir o primeiro contato para um grande negócio.

Mas quem quiser convidar o contato recém-conquistado para um jantar, verá que é missão impossível. Quase todos os restaurantes da cidade (incluindo hotéis e chalés na montanha) estão fechados para eventos privados das empresas patrocinadoras. Os participantes que não são convidados para esses jantares todos os dias — ou até mesmo os que simplesmente não querem ir— têm poucas alternativas. Uma delas é um restaurante por quilo localizado dentro de um supermercado ao lado do Fórum, onde é possível avistar Davos-Men do alto escalão, como Luiz Carlos Trabuco, do Bradesco, servindo-se pacientemente na fila. Durante o almoço, a situação se repete. Dentro do Fórum há pequenas ilhas de bebidas servidas gratuitamente, mas quase nenhuma comida. Os desavisados, que não levam lanches para sobreviver às horas extenuantes de encontros e discussões, chegam a apertar o passo para resgatar os raros sanduíches que são colocados nas ilhas ao longo do dia. Há duas cafeterias mais reservadas destinadas aos “parceiros estratégicos”, que são empresas que pagam meio milhão de dólares em seu ticket para Davos — lá os sanduíches são um pouco mais frequentes. Em uma delas, André Esteves, de volta ao Fórum dois anos depois de ter passado por transtornos penais, conversava longamente com Jacob Safra, dirigente do grupo financeiro que leva seu nome. Também nesses locais, em anos anteriores, se refugiava a ex-presidente da Petrobras, Graça Foster, para não ser incomodada entre uma reunião e outra. Apesar do caráter reservado, todos os participantes que pagaram para estar em Davos têm direito de usá-los — apenas a imprensa e assessores são barrados. Mas a grande parte dos pagantes, ao ler a placa “espaço reservado aos parceiros” nem sequer se atreve a entrar — nem mesmo movida pela fome. O jejum só é quebrado dentro do Fórum quando um país patrocina almoços e jantares, promovendo sua culinária típica local. As festas regadas a caviar e champagne que constam do imaginário geral quando se pensa em um encontro de milionários nos Alpes Suíços são inexistentes. O máximo de transgressão que Davos proporciona é deparar-se com a rainha Rania, da Jordânia, cantando uma música do britânico Robbie Williams no piano bar de um tradicional hotel local, que, durante à noite é o ponto de encontro preferido dos participantes para tomar drinks.

Toda essa atmosfera predatória entre empresas e clientes ou sócios em potencial acontece em meio a discussões de temas atuais e inegavelmente relevantes para o mundo. Um dos principais de 2018 é a igualdade de gênero. Klaus Schwab, criador do Fórum, determinou que, este ano, o grupo de seis co-organizadores, sempre formado por CEOs de empresas, fosse composto só de CEOs mulheres, numa espécie de cota feminina. Já há alguns anos a organização também obriga todas as empresas que querem se tornar “parceiras” do evento a mandarem ao menos uma mulher a Davos. Apesar das cotas, na prática, pouca coisa mudou. Os painéis sobre assédio nunca chegam a lotar e possuem plateia essencialmente feminina, o que mostra que o tema não é prioridade para quem vai a Davos, em especial os homens. O porcentual de mulheres no evento segue baixo, a 21%, número que contempla também as esposas de participantes. Nesse caso, elas têm o direito de assistir a todas as palestras do evento juntamente com seus maridos, mas a organização do Fórum (a mesma que estabeleceu cotas femininas), supondo que isso não as interesse, oferece às esposas passeios turísticos e gastronômicos pela região. Até onde se sabe, não há convite nem tour especial para esposos.

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