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Para justificar inflação, Mantega erra nas contas

Ministro comparou o país com a China; porém, a inflação chinesa nos últimos doze meses foi menor que a brasileira

Por Luciana Marques, de Brasília
26 abr 2011, 13h23

Grande parcela da inflação no país se deve ao explosivo consumo doméstico – puxada, em grande parte, pela demanda do próprio governo. Há ainda a forte inflação do setor de serviços, que não guarda relação direta com o setor externo

Além de enumerar justificativas sem nenhum fundamento para a alta da inflação, agora o ministro da Fazenda, Guido Mantega, resolveu usar o cinismo para explicar a alta de preços no Brasil. Nessa terça-feira, ele afirmou que a inflação brasileira está mais controlada do que o observado em outros países emergentes e disse ainda que o “Brasil não está mal”. A declaração feita pelo ministro na primeira reunião de 2011 do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES), o chamado “conselhão”, chega ser ofensiva à inteligência das pessoas que acompanham de perto o comportamento da inflação. Isso porque, nos últimos 12 meses, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) – usado como referência para a meta de inflação – está em 6,3%. Ou seja, quase 2 pontos porcentuais acima do centro da meta (4,5%) e a 0,2 ponto porcentual do teto da meta (6,5%) para 2011. Não dá para dizer, portanto, que o “Brasil não está mal”.

Além de cínico, Mantega também não é muito eficiente com as contas. O ministro chegou a comparar as condições de inflação no Brasil com o cenário na China, destacando que a situação aqui estaria muito melhor do que para os asiáticos, onde a inflação acumulada dos últimos doze meses terminados em março atingiu 5,4% na China – bem abaixo do verificado no Brasil. Vale destacar que lá, a meta anual de inflação é de 4% e o banco central do país acredita que o compromisso poderá ser cumprido. Bem diferente do que se vê no Brasil, onde o governo já descartou o cumprimento da meta nesse ano. O presidente do BC, Alexandre Tombini, chegou a afirmar que o esforço para garantir o controle de preços no próximo ano será prolongado. E Talvez essa seja a única certeza que se tenha sobre o comportamento da inflação em 2012.

O ministro demonstra ainda que não está assim tão afinado com o próprio governo. Nesta segunda-feira, a presidente Dilma Rousseff disse estar sim muito preocupada com a alta dos preços – sinal de que não compactua com a avaliação de Mantega. E, em relação ao mercado financeiro, a falta de sinomia já dura semanas. Nesta segunda-feira, pela sétima vez consecutiva, os economistas elevaram a projeção para o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) de 2011, de 6,29% para 6,34% – patamar, que além de estar mais distante do centro da meta, aproxima-se rapidamente do teto da margem de tolerância, que é de dois pontos porcentuais para cima ou para baixo. Já a comparação com os outros emergentes seria aceitável enquanto recurso didático para leigos. Para um ministro da economia, contudo, soa estapafúrdia. Um governo não pode, com base no desempenho de outrem, pautar sua atuação, ignorando sobretudo os problemas estruturais específicos do Brasil, que tornam a inflação aqui um mal difícil de combater.

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Justificativas sem fundamento – Mantega voltou a tentar justificar a alta dos preços no Brasil com base no cenário externo. O ministro acredita que a inflação vivenciada no país é importada, em função da forte elevação dos preços internacionais das commodities, sobretudo as agrícolas; em decorrência de problemas de safra, do expressivo aumento de consumo no mundo e da especulação financeira. Ele tem razão só em parte. Grande parcela da inflação no país se deve ao explosivo consumo doméstico – puxada, em grande parte, pela demanda do próprio governo. Há ainda a forte inflação do setor de serviços, que não guarda relação direta com o setor externo. Porém, ele não mencionou que o país também vive uma escalada de preços de serviços. Disse apenas que é preciso evitar que essa alta das commodities contamine os demais setores da economia. “Precisamos usar todas as armas possíveis contra inflação, sejam monetárias ou fiscais”. Entre as medidas, o ministro citou o corte de despesas – considerado insuficiente pelo mercado para controlar a inflação – e o estímulo ao aumento da oferta agrícola.

Sem levar em conta que a maior parte do consumo que puxa a inflação vem do próprio governo, Mantega defendeu ainda a redução do crédito para controlar o aumento do gasto das famílias, segundo ele, está acima do patamar ideal. “É preciso moderar, sem matar a galinha dos ovos de ouro”, ponderou. Apesar da alta da inflação e do juros, o ministro disse que os ajustes que o governo está realizando terão sucesso em vários setores. “Não deixamos criar bolha na bolsa de valores e no mercado imobiliário, tampouco existe na área de crédito”, disse. Cada vez mais presente nas decisões do Banco Central, o ministro da Fazenda disse que os juros só vão cair quando houver controle da inflação.

Câmbio – Como único objetivo que parece estar no horizonte da equipe econômica, Mantega defendeu ainda medidas para evitar a valorização excessiva do real frente ao dólar. Ele afirmou que a moeda americana já estaria abaixo de 1,40 reais se o governo não tivesse tomado medidas prudenciais, como impedir o excesso de capital especulativo. Analistas, no entanto, refutam que tais medidas sejam eficazes para controlar a entrada de recursos externos no país, o que valoriza o real ante o dólar. Além disso, já está claro que o país precisa desses recursos para viabilizar os investimentos necessários ao crescimento. Mantega, nesse caso, também parece não admitir a realidade.

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