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“Os EUA estão vivendo momentos de Brasil”, diz economista

Para Monica de Bolle, as incertezas sobre a politica econômica de Trump e o voluntarismo das medidas cogitadas remetem ao governo da ex-presidente Dilma

Por Marcelo Sakate Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 22 jan 2017, 20h18 - Publicado em 21 jan 2017, 09h00

O cenário de incertezas sobre a política econômica de um governo que se inicia pode parecer prosaico para os brasileiros, mas causa estranheza nos Estados Unidos. “É como se todos estivessem em um avião em turbulência, se segurando nos braços das poltronas e sem saber o que está por vir”, diz a economista Monica de Bolle,  pesquisadora do Peterson Institute for International Economics, em Washington, e professora adjunta da Escola de Estudos Internacionais Avançados da Johns Hopkins University, em Baltimore. Desde a vitória nas urnas, Donald Trump e seus principais assessores lançaram mão de diferentes ideias em muitas áreas, endossaram e recuaram sobre o mesmo tema. Foi o que aconteceu em relação à proposta de reforma tributária. Na campanha, Trump prometeu cortar os impostos cobrados das empresas. Uma vez eleito, manteve a promessa, mas sinalizou apoio à proposta de seu partido de criar uma espécie de imposto de fronteira sobre as importações. Depois recuou. É um comportamento voluntarista e micro gerenciador que remete ao da ex-presidente Dilma Rousseff, diz Monica, que conversou com VEJA por telefone na semana que passou, às vésperas da posse de Trump.

Quais os impactos do início do governo Trump para a economia brasileira e a mundial? O principal foco dos mercados e das tensões em relação ao Trump, deixando de lado as questões geopolíticas, é o efeito potencial sobre a trajetória dos juros americanos. Até que ponto vão subir mais rapidamente e com maior intensidade. E isso certamente continua a ser uma preocupação. Não há uma clareza em relação a isso e a quão independente continuará a ser o Federal Reserve (o Fed, o banco central americano). Trump já demonstrou ser um micro gerenciador à la Dilma. Ele gosta de se intrometer em qualquer assunto. Não dá para descartar um cenário em que, para impedir um fortalecimento do dólar que prejudique as exportações americanas, Trump queira fazer alguma ingerência no Fed. Essa incerteza é tão ruim ou pior do que se o Fed subir os juros com mais rapidez e maior intensidade como se imagina que vá acontecer. Isso cria uma incerteza sobre a política econômica, uma volatilidade, e pode vir a atrapalhar esse movimento de queda de juros pelo Banco Central brasileiro. Não de imediato, porque não acho que nada disso vá acontecer imediatamente, mas também não dá para saber. O Trump é muito imprevisível.

Você tem alertado para os riscos advindos da proposta de reforma tributária. Quais os perigos? Até a semana passada (a segunda semana de janeiro), estava na mesa a proposta – que não é nova e estava sendo discutida pelos republicanos há tempos – de redução dos impostos corporativos. Os deputados Paul Ryan e Kevin Brady divulgaram um rascunho que propõe reduzir a alíquota média do imposto corporativo de 35% para 20% e impõe um Border Adjustment Tax (BAT), um imposto de fronteira, que funciona ao mesmo tempo como uma tarifa sobre importações e um subsídio às exportações. Afeta empresas americanas ou estrangeiras que tenham operações nos Estados Unidos e sejam importadoras. Nesse caso, elas passam a pagar implicitamente uma tarifa sobre os seus produtos e insumos importados. O Trump fez vários tuítes falando sobre as empresas automotivas e levando a crer que os republicanos o haviam convencido de que essa era uma boa ideia, porque tem esse componente protecionista de afetar importações e exportações. Mas isso até a semana passada. O The Wall Street Journal diz que o Trump considerou o BAT muito complicado. De novo, é incerteza. A única coisa que se sabe é que haverá uma redução expressiva dos impostos corporativos.

Empresas brasileiras poderiam sair prejudicadas? A dúvida grande é a seguinte: a ideia do Ryan e do Brady tinha implicações relevantes para algumas empresas. Por exemplo: a Embraer, que tem operações nos Estados Unidos e importa muito componentes. Para ela, esse Border Adjustment Tax teria potencialmente um efeito relevante. Sem o BAT, esse problema vai embora, mas fica a incerteza mais macro sobre o que será a política fiscal de Trump e, em que medida, isso vai levar a um déficit mais elevado e uma dívida mais alta. Com o BAT, a redução do imposto corporativo seria parcialmente compensada – ou até completamente compensada, dependendo da conta – pelo BAT, já que a base de incidência são as importações. E os Estados Unidos importam mais do que exportam.

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O que esperar das ameaças protecionistas no comércio exterior? Parecia que o Trump iria substituir a retórica muito protecionista, de colocar tarifa em todo mundo, pela cobrança do imposto de fronteira. Isso aplacaria o viés protecionista. Porém agora volta à tona a questão das tarifas. Quem será mais afetado por isso? Claramente, China e México. E os outros países? Como isso afeta o comércio global? Certamente, não será bom. Há perspectivas de guerra comercial e de retaliações? Sem dúvida. Isso tem um efeito sobre o crescimento da economia mundial e respinga sobre todo mundo, incluindo o Brasil, que hoje está vulnerável a qualquer choque.

As nomeações para a equipe econômica, em especial na área de comércio exterior, reforçam a expectativa de que ele será de fato protecionista? Transmite esse sinal com muito mais clareza. Havia a expectativa de que as ameaças protecionistas não passavam de retórica de campanha. Mas ele colocou o Peter Navarro no novo National Trade Council, que vai operar dentro da Casa Branca. Ele é o único economista, aliás, no time do Trump. O Navarro é extremamente anti-China e tem uma retórica muito forte – e é por isso que chamou a atenção do Trump. No Departamento de Comércio, o Wilbur Ross tem um perfil mais ou menos protecionista. E, apesar dessa retórica de que os Estados Unidos vão ter mais preocupação em negociar acordos bilaterais de comércio, a verdade é que tanto o Ross como o Steve Mnuchin (secretário do Tesouro) nunca negociaram realmente. O histórico do Ross é comprar empresa falida no setor de aço. E o do Mnuchin é trabalhar em fundo ‘abutre’ (especializado em comprar empresas à beira da quebra) do Goldman Sachs. Uma coisa é negociar a compra de uma empresa quebrada. O poder de barganha está na sua mão. Negociar um acordo bilateral de comércio é muito mais complicado e complexo. Além disso, no USTr (a secretaria de comércio exterior), o nomeado foi o Robert Lighthizer, que também é protecionista e contrário aos acordos que ferem os interesses dos Estados Unidos, como se existisse acordo unilateral bom para um só país.

O governo brasileiro dispõe de meios para se proteger de eventuais efeitos negativos da política econômica de Trump? Eu acho um pouco difícil. A política econômica do Trump terá efeitos no mundo inteiro. Como o Brasil ainda está vulnerável, acaba se expondo mais. Não há como fugir muito disso. Mas o Brasil tem, na América Latina, uma posição relativamente boa – dada a maneira de pensar de quem está na equipe econômica americana – porque o país é deficitário com os Estados Unidos, tanto na conta corrente como na balança comercial. Ou seja, na visão de mundo desse novo governo, o Brasil é um país extremamente amigável. Nós compramos deles. Então é possível que ocorram alguns avanços. Mas isso vai depender também do que vai acontecer nas eleições de 2018 no Brasil, porque nada disso é imediato. Talvez existam questões a serem exploradas na área de facilitação de comércio. Nada muito grandioso, audacioso e ousado, mas mais setoriais. Por exemplo, na área de defesa ou em outras em que haja interesses em comum. Pode ser que o Brasil consiga trabalhar com a administração Trump. Mas nada disso terá uma repercussão enorme para o Brasil.

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Outro ponto relevante a se destacar é que, dada a expectativa de que os Estados Unidos vão se voltar mais para dentro, talvez com a estratégia ambiciosa de gastos na área de infraestrutura, e com as taxas de juros subindo, isso naturalmente vai desviar recursos e fluxo de capital dos países emergentes para os Estados Unidos. E isso, sem dúvida alguma, terá efeitos negativos para o Brasil, inclusive porque nós também precisamos de recursos externos para financiar a infraestrutura.

Ou seja, o Brasil não deve se beneficiar nem mesmo de um crescimento mais acelerado da economia americana? Eu acho que não dá para afirmar (que isso vai acontecer). Provavelmente, não. Se o país conseguir tomar proveito na área de comércio, será algo marginal. Não será suficiente para impulsionar nada na economia.

Alguns analistas dizem que o dólar já se valorizou demais e que não iria muito além dos atuais patamares, apesar da expectativa de aumento dos juros americanos. Você concorda? Aí é que entra a história de como o Trump vai reagir quando vir os efeitos sobre o dólar de uma política fiscal expansionista em uma economia já aquecida. A tendência é o dólar se apreciar. E eu acho que o dólar ainda não se apreciou o suficiente para refletir todos esses impactos, até porque os mercados não sabem exatamente quais eles serão. Existe ainda uma dúvida enorme sobre o que será essa reforma tributária, se haverá a compensação com o Border Adjustment Tax (BAT). Isso é relevante: saber se haverá financiamento para a redução do imposto. Então não tem como o mercado ter precificado esse efeito sobre o dólar de uma expansão fiscal em uma economia perto do pleno emprego. Se o dólar se apreciar, isso vai gerar um déficit maior em conta corrente e na balança comercial americana. Como Trump vai reagir? Isso será mais uma fonte adicional de incerteza. Se reagir com ainda mais protecionismo, será mais complicado ainda para o mundo.

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Esses efeitos em geral são de médio prazo? Ficam para 2018? Eu acho que teremos respostas muito rapidamente em algumas áreas. Por exemplo, o plano fiscal. O que vai ser a proposta de redução de impostos, se vai haver o Border Adjustment Tax (BAT) ou não, isso tudo deve ser divulgado nos primeiros cem dias porque foi promessa de campanha. Além disso, para colher os frutos disso, que seria um crescimento maior no curto e médio prazo, o governo precisa colocar as medidas em vigor com uma certa celeridade. A inflação deve reagir rapidamente também porque a economia está perto do pleno emprego. E saberemos como o Fed vai mudar a sua postura, se é que isso vai acontecer. Tudo isso deve se refletir rapidamente também sobre o dólar. O déficit em conta corrente reage com defasagem.

E você não acredita que, ao menos no curto prazo, tudo isso altere a forma como o Banco Central brasileiro tem reduzido a taxa de juros? Hoje, não. Mas vai depender de como ficará a volatilidade nos mercados, no Brasil, o câmbio, e como isso afetará os cenários de inflação com os quais o Banco Central brasileiro trabalha. Não dá para saber como tudo isso vai ficar daqui a quatro meses, por exemplo. Mas, em dois meses, o plano de voo do Banco Central não muda, a não ser que Trump faça algum anúncio completamente fora do que se ouviu até agora. É uma hipótese que não dá para ser descartada sendo o Trump quem ele é.

É um grau de incerteza que preocupa também os economistas aí nos Estados Unidos? Demais, demais. Os Estados Unidos estão vivendo momentos de Brasil. É impressionante. Não estou tão próxima dos mercados porque não estou em Nova York. Mas, aqui em Washington, no mundo da política, todos agem como se estivessem em um avião em turbulência, se segurando nos braços das poltronas e sem saber o que está por vir. Vai ter muita reviravolta pela frente. Vai haver mais turbulência do que as pessoas imaginam. É por isso que eu fiz essa analogia com a ex-presidente Dilma Rousseff. É muito parecido com o que vivemos. Eles propõem medidas que não foram discutidas e refletidas com profundidade. É aquela coisa do pensamento parcial: ‘ah, colocamos um imposto sobre as remessas. Isso resolve tudo e conseguimos financiar a construção do muro.’ E se o mexicano que mora nos Estados Unidos decide mandar dinheiro para a família dele por meio do Canadá? É um modo de agir imperativo, voluntarista e micro gerenciador. É um viés muito forte no Trump. Como era na Dilma. Outro dia, o Trump deu uma entrevista e o jornalista perguntou sobre essa decisão de interferir na gestão das empresas por meio dos tuítes, com a GM, a Boeing, as empresas farmacêuticas… Ele respondeu que, se essa é a maneira que ele tem para influenciar e fazer com que os empregos fiquem nos Estados Unidos, vai continuar. Isso se chama interferência estatal. Dirigismo.

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