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Eleições serão definidas pelo ‘ignorante racional’

Segundo o cientista político Marcus André Melo, professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e doutor pelo MIT, eleitor médio brasileiro olha primeiramente para sua renda e emprego antes de tomar a decisão de voto. Situação econômica e política do país fica em segundo plano.

Por Ana Clara Costa
4 out 2014, 08h35

Juros, inflação, dívida pública, balança comercial: os principais indicadores pioraram em 2014, mas muitos eleitores parecem alheios à deterioração do cenário econômico. A explicação, segundo o cientista político Marcus André Melo, professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e doutor pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT), é que as eleições são definidas, em grande parte, pelo chamado “ignorante racional”. “É um eleitor para quem a palavra macroeconomia não faz o menor sentido”, explica. “Ele faz um cálculo racional de sua situação salarial e profissional. E, dentro de suas limitações, seu voto é coerente”, afirma.

Segundo Melo, a deterioração econômica só afeta as intenções de voto quando o desemprego aumenta. Isso ocorre, segundo o cientista político, porque falta ao eleitor a noção do chamado ‘cálculo intertemporal’. Como o eleitorado médio não conhece profundamente como funcionam as políticas públicas, tampouco pode julgar sua sustentabilidade através do tempo. “A única forma de adquirir essa consciência de tempo é por meio da educação. Essa também é a única maneira de permitir que os eleitores confrontem as informações passadas pelos candidatos na propaganda eleitoral”, afirma. Confira trechos da entrevista.

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Quase três décadas após a volta da democracia, o senhor acha que o eleitor brasileiro está mais maduro?

Sim, ele está mais racional. Mas a situação ficou mais complexa para a tomada de decisão. Antes, o eixo era entre democracia e autoritarismo. Era muito fácil se posicionar e tudo ficava simplificado por essa divisória. Hoje, o eleitor leva em conta a qualidade de vida e dos serviços que são oferecidos pelos governos. Ele tem mais consciência tributária e isso faz com que coloque mais informações na balança. Tanto amadureceu que inseriu novos temas na agenda pública, como o casamento homoafetivo e o aborto. Ele também está mais sensível a temas como a corrupção, por exemplo.

O governo Dilma foi alvo de muitos escândalos de corrupção, mas ela segue na dianteira das pesquisas. Como se explica?

As variáveis para os efeitos da corrupção no voto são muitas. Em 2006, quando houve o mensalão, houve queda de 11% no número de deputados que conseguiram se reeleger. As estatísticas mostram que houve impacto forte das notícias sobre corrupção. Mas, para que um escândalo de corrupção tenha o poder reverter o quadro, é preciso um choque informacional maciço. É preciso um tsunami de cobertura, como ocorreu com o julgamento do mensalão, por exemplo. Também é preciso o timing certo. Pois se o tsunami acontece muito antes do pleito, as informações se trivializam. A memória do eleitor é curta.

O escândalo da Petrobras acontece às vésperas da eleição. Mas também não tem sido o suficiente para mudar o cenário eleitoral.

A Petrobras tem, sim, o potencial de mudar o quadro. Segundo a investigação da Polícia Federal, houve desvio de 10 bilhões de reais. É o segundo maior escândalo corporativo da historia, perdendo apenas para uma estatal chinesa. É maior que os escândalos da Enron e da Siemens. Quando as informações da delação vierem a público em sua totalidade, há um potencial de tsunami.

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Os indicadores econômicos pioram mês a mês e apontam que o Brasil pode, em breve, sucumbir a uma recessão. O eleitor se importa com isso na hora de votar?

Há uma parcela ínfima da população que associa piora de indicadores econômicos a uma crise. O restante do eleitorado é formado por indivíduos para quem a palavra macroeconomia não faz o menor sentido. Na hora do voto, o eleitor médio faz um cálculo racional de sua situação salarial e profissional. Ele pesa a qualidade de vida, dos serviços e seu sentimento em relação ao governo, e faz a conta. Dentro de suas limitações, seu voto é coerente. É o que chamamos de ‘ignorante racional’, na literatura. Para entender esse eleitor, é preciso fazer uma distinção entre a gestão macroeconômica e o comportamento real da economia. Os indicadores econômicos são todos muito negativos. O superávit primário desapareceu. Mas quem observa isso são analistas ou leitores muito qualificados. O eleitor médio se insere na dinâmica do voto econômico a partir do próprio bolso. Nesse quesito, a inflação subiu, mas não está galopante. O mercado de trabalho não é mais o mesmo, mas ainda o desemprego é muito baixo. A visão crítica desse eleitor em relação ao governo está muito mais na parte de serviços públicos, como educação e saúde, do que em informações sobre a economia. E, por meio dos programas de transferência de renda, é inegável que a vida de muita gente melhorou.

Mas, no caso da classe média, a avaliação é outra. Por isso foi às ruas em 2013.

O perfil dos manifestantes é muito heterogêneo. Mas há, sim, grande participação dessa classe média que saiu do SUS e da escola pública e foi para as escolas privadas e para os planos de saúde. O problema é que muitos perceberam que o setor público é ruim porque falta investimento. E o privado também é ruim porque falta regulação. E, como tomaram consciência tributária, se deram conta que estão pagando duas vezes por serviços de má qualidade. Essa parcela da população está muito insatisfeita com os governos vigentes e quer mudança. As pesquisas apontam que 60% dos eleitores não votarão na presidente Dilma no primeiro turno. Mas não se pode ignorar que há muitos brasileiros que viviam em condições de extrema pobreza e passaram a ter o mínimo para sobreviver. Talvez, para essa parcela da população, a escola e a saúde não estejam tão ruins.

Como esse eleitor pode ampliar sua avaliação sobre um governo?

A educação é a única forma, porque ela melhora o debate público. O ‘ignorante racional’ não faz o cálculo intertemporal das coisas. Ele não sabe como as políticas funcionam e qual é a sustentabilidade econômica de determinados programas. A única forma de adquirir essa consciência é por meio da educação. Essa também é a única maneira de permitir que os eleitores confrontem as informações passadas pelos candidatos na propaganda eleitoral. Nos Estados Unidos, o marketing político é muito forte, mas o debate de ideias tem peso maior. Conservadores e liberais defendem suas posições de forma contundente, há uma agenda propositiva. Aqui, não.

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As manifestações de junho mostraram que a população quer mudança. Mas não é isso que as pesquisas de intenção de voto apontam em governos estaduais e federal. O que aconteceu?

As mudanças não são imediatas. Muitas coisas aconteceram desde então. A lei da Ficha Limpa foi aprovada em tempo recorde, houve uma mobilização geral. Os governos não conseguiram dar uma resposta adequada às reivindicações, mas tentaram. A mudança não é veloz e não se dá de forma robusta, mas o sinal é muito positivo. Mostra que o eleitorado está se manifestando e tomando consciência de seu dever numa democracia.

Houve avanço na democracia brasileira?

Certamente. Por mais que haja problemas, o país funciona melhor. As instituições de controle, como a Polícia Federal e a imprensa, têm resistido às tentativas de enfraquecimento por parte de outros poderes. O Judiciário está mais sólido. A democracia está melhor do que há dez anos. É verdade que a economia está pior. Mas, por outro lado, a prisão dos mensaleiros foi fundamental para a maturidade da democracia. O cidadão passa a acreditar mais no futuro do país ao ver as instituições funcionando.

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