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Neutrino: como uma partícula elementar desafia a teoria que explica o Universo

Na última terça-feira (6), o Prêmio Nobel de Física foi concedido a pesquisadores que descobriram a massa do neutrino. O achado histórico contradiz o Modelo Padrão, teoria que explica os componentes elementares do Universo, evidenciando que ele precisa ser estendido

Por Rita Loiola Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 9 Maio 2016, 14h45 - Publicado em 8 out 2015, 12h43

Junto às origens do homem está seu desejo de explicar o Universo. Uma das primeiras tentativas conhecidas é do poeta grego Hesíodo que, no século VIII a.C., mostrou como o caos inicial produziu o cosmos. Séculos depois, o método científico substituiu os deuses e forças de sua Teogonia, que organizavam o mundo conhecido, por elementos químicos, átomos e partículas. E a Física, por fim, formulou o Modelo Padrão, uma teoria que explica as interações entre as partículas fundamentais que compõem a matéria. Criado nos anos 1970, o Modelo Padrão revela o funcionamento dos componentes elementares do Universo – ou seja, tudo o que nos rodeia. Um ingrediente esquivo e misterioso, no entanto, está balançando as estruturas desse edifício teórico: os neutrinos, partículas sem carga elétrica e com minúsculas, quase imperceptíveis, interações com a matéria. Pouco é conhecido sobre eles, mas uma coisa os cientistas têm certeza, eles têm massa. E isso obriga a ciência a rever seu modelo de explicação do Universo.

Na última terça-feira, o Nobel de Física premiou dois cientistas que provaram a existência da massa dessas partículas. O japonês Takaaki Kajita e o canadense Arthur B. McDonald foram reconhecidos pela descoberta das oscilações dos neutrinos, fenômeno que só é possível se os neutrinos exibirem massa, mesmo que mínima. Até então, de acordo com as previsões do Modelo Padrão, os neutrinos teriam massa nula.

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Contra o Padrão – Em 1930, o austríaco Wolfgang Pauli postulou a existência dos neutrinos para resolver um dilema envolvendo uma certa forma de decaimento radioativo: o fenômeno parecia registrar mais energia inicial que final, o que contradiz um dos pilares da física, o de conservação de energia. Pauli afirmou que havia mais uma partícula elementar sendo emitida em conjunto com o elétron, o neutrino (pequeno neutro, em italiano). Em pouco tempo, os físicos descobriram que ela era abundante. Estima-se que, para cada elétron, exista 10 bilhões de neutrinos. Eles estão em toda a parte e, mesmo assim, só em 1956 foram detectados experimentalmente pelos físicos Clyde Cowan Jr. e Frederick Reines.

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A partir dos anos 1960, driblando a insistência dos neutrinos a escapar a medições, os cientistas descobriram que existem três “tipos” ou “sabores” (“flavours”, em inglês) de neutrinos, o neutrino do elétron, o neutrino do múon e o netrino do tau. Essas descobertas seriam fundamentais para resolver outro problema da física. As teorias previam que certa quantidade de neutrinos com origem no Sol deveria chegar à Terra, mas nossos detectores só identificavam um terço dela. Uma das soluções apontadas para o impasse foi a ideia de que os neutrinos pudessem “mudar de identidade”, ou seja, oscilar de um “sabor” para o outro. Os observatórios de neutrinos estavam em busca dos neutrinos do elétron, emitidos pelo Sol. Mas, talvez, durante o caminho até a Terra eles pudessem se transformar em algum dos dois outros tipos e, por isso, não estavam sendo captados pelos observatórios.

Kajita, que trabalhava em um grande detector de neutrinos no Japão, o Super Kamiokande, e McDonald, cientista do Observatório Sudbury de Netrinos, no Canadá, conseguiram captar esses neutrinos de “sabores” diferentes. Em 1998, Kajita descobriu que os neutrinos da atmosfera se alternavam entre duas identidades em sua trajetória até o detector e, um ano depois, McDonald anunciou que os neutrinos que partiam do Sol estavam mudando de “identidade”. Mas, para essa oscilação ser possível, os neutrinos precisam possuir alguma massa – se o meio afeta a partícula, isso significa que ela tem alguma massa. No entanto, de acordo com o Modelo Padrão, os neutrinos seriam de massa nula.

Teoria (quase) completa – Além de descrever as partículas elementares, o modelo também rege as interações entre as partículas. Apesar de a massa do neutrino ser prevista por algumas hipóteses, sua confirmação foi uma evidência forte de que o Modelo, que funcionou por duas décadas, não era capaz de abarcar todos os fenômenos naturais.

“Desde 1970 havia ideias teóricas de que o neutrino poderia oscilar e, portanto, ter massa. A comprovação disso mostrou de forma categórica que é preciso estender o modelo para abarcar esse fenômeno”, disse ao site de VEJA a física Renata Funchal, professora do Instituto de Física na USP e membro da Invisibles, uma rede internacional de pesquisadores que estudam neutrinos, matéria escura e física da energia escura. “Os neutrinos são produzidos dentro de estrelas, supernovas, em reações nucleares e até em nosso corpo. Alterar a compreensão dessa partícula significa reavaliar toda a nossa compreensão do Universo.”

Com isso, as propriedades do neutrino deixam à mostra a essência do trabalho científico, feito de questões, hipóteses e revisões contínuas das respostas. Se a natureza apenas confirmasse as previsões dos pesquisadores, a ciência perderia parte de sua razão de existir – descobrir novos fenômenos e encontrar detalhes inesperados de seu funcionamento íntimo é o grande motor de qualquer estudo.

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Além do neutrino, outras experiências físicas mostram que o modelo não é a teoria completa dos constituintes fundamentais do Universo. Algumas detecções do Grande Colisor de Hádrons (LHC), do Centro Europeu de Pesquisas Nucleares (CERN), parecem ter bóson de Higgs (uma partícula subatômica prevista há quase 50 anos pelo Modelo Padrão) com mais massa que o esperado. Ainda não confirmada, essa detecção também poderia promover nova revisão do padrão.

“Um dos fundamentos da ciência é estabelecer as perguntas, mais que encontrar as respostas. Nosso papel como pesquisadores é testar a todo o momento se as teorias que elaboramos são válidas ou como podemos aperfeiçoá-las. Há várias coisas no Modelo Padrão que ainda não compreendemos e o neutrino foi o primeiro a mostrar um fato concreto que evidencia que é preciso mudá-lo. Pensamos no que pode vir a acontecer e, quando a natureza se revela em nossa frente, como quando os neutrinos mostraram ter massa, é um momento deslumbrante”, diz Renata.

Por isso, desde que foi concebido, o Modelo Padrão que busca explicar os pilares do Universo é submetido a propostas de reformulações constantes. Para isso, os cientistas fazem experimentos, testes e medições que só serão incorporados após anos de trabalho.

“Ainda não sabemos quais implicações podem ter a massa do neutrino ou uma possível massa maior no bóson de Higgs”, explica físico Marcelo Moraes Guzzo, professor do Instituto de Física da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

De acordo com a Academia Real Sueca de Ciências, que concede o Nobel, novas descobertas sobre os segredos dos neutrinos irão “mudar o conhecimento sobre a história, estrutura e destino do Universo.”

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