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Não vejo evidências que corroborem a existência de Deus

O astrofísico americano Neil Degrasse Tyson é o mais ativo divulgador da ciência depois de Carl Sagan. Em entrevista a VEJA, ele diz que aceitar afirmações sem exigir provas é burrice e alerta contra as polícias do pensamento

Por Filipe Vilicic Atualizado em 9 Maio 2016, 14h45 - Publicado em 3 jul 2015, 22h33

O astrofísico nova-iorquino Neil deGrasse Tyson é um dos rostos mais conhecidos da ciência por saber traduzir, com graça e elegância, o intrincado linguajar de estudiosos. Em suas palavras, “mostra as reais maravilhas do conhecimento”. Ele faz isso por meio de livros best-sel­lers, a exemplo do mais famoso deles, Origens, lançado em 2004 nos Estados Unidos, mas que só na semana passada chegou ao Brasil. Dr. Tyson – como é chamado – se assume como herdeiro de Carl Sagan, astrofísico que popularizou a exploração espacial com o programa televisivo Cosmos, dos anos 80. Não por acaso, é dele a reedição da série, que apresenta na Fox. Tyson é defensor ferrenho do método científico como a melhor forma de explicar a origem de tudo o que existe.

Seu livro busca compreender a origem de tudo, seja a vida, seja o universo. Por que esse tema é tão recorrente na ciência? Se queremos analisar uma laranja, por exemplo, podemos verificar que ela é redonda, tem gosto cítrico. Se na experiência de laboratório destruímos a fruta, basta buscar outro exemplar e o trabalho prossegue. Essa lógica, de estudar a existência, vale para tudo, de organismos a estrelas. Mas e se decidirmos compreender a origem da laranja? Aí a situação se complica. Primeiro, é simples notar que ela vem de uma árvore. E de onde veio a árvore? De uma semente. E a semente? Mais complicação. Quando se pergunta sobre a origem de qualquer coisa, os questionamentos não param. Em dado momento, é inevitável chegarmos a essa indagação filosófica clássica: “Qual é a origem da vida?”. Para responder a essa questão, é preciso elaborar argumentos cuidadosos, factíveis, mas extraordinariamente imaginativos. Por isso, tantas das mentes brilhantes da humanidade se dedicaram ao desafio.

Diante da dificuldade de chegarmos à origem de tudo o que está aí, uma busca infindável, aparentemente eterna, não seria o caso de aceitar com mais naturalidade e compreensão as interpretações religiosas? A religião de cada um tira conclusões precipitadas sobre o funcionamento do universo. A ciência, no entanto, realiza medições capazes de mostrar que essas impressões são falsas. Até hoje as pessoas dizem “God bless you” (Deus te abençoe, em inglês) quando alguém espirra. Por quê? No passado, acreditava-se, para valer, que, quando isso ocorria, a alma saía do corpo e deixava a pessoa vulnerável a demônios. Um religioso pode ver o mundo dessa maneira. A ciência verifica que há bactérias que causaram o espirro, e ponto. Um religioso pode aceitar as descobertas e passar a usar passagens de suas escrituras, a exemplo da Bíblia, como metáfora, fonte de inspiração. Ou entrar em conflito conosco. Há muitos, contudo, que souberam separar os tópicos, ver a religião como motivação moral, e a ciência como a forma de realmente explicar a natureza. Exemplo contemporâneo é o geneticista Francis Collins, cristão e um dos intelectuais mais respeitados da atualidade. Ele tira sua base moral da Bíblia, mas jamais responderá a uma pergunta sobre a origem do universo dizendo: “Bem, vamos verificar no Gênesis”.

Os religiosos veem a aparente ordem do universo, regida pelas leis da física, como prova de que há uma lógica superior organizando tudo… Sim, a natureza se repete, e por isso definimos regras, como a lei da gravidade. Mas é preciso tomar cuidado com essa abordagem. O.k., Deus então fez as leis da física, como já definia o filósofo Baruch Espinosa no século XVII. Só que isso quer dizer que Ele ouve suas preces? Ou que ajuda religiosos a vencer guerras contra outros religiosos? Ou que Ele tem barba? Foi esse Deus que falou com Moisés? Se tudo isso for tomado como verdade, então podemos dizer que Deus deixa pessoas inocentes ser atropeladas na rua. Ele permite, portanto, que uma criança morra de leucemia. Ou ainda faz vista grossa diante de furacões e vulcões que matam milhões, incluindo jovens e humanitários. Para acreditar em Deus, é preciso levar tudo em conta. Se Ele está por trás de tudo, é muito bom em matanças. Afinal, mais de 99,9% das espécies de seres vivos que passaram pela Terra foram extintas. Isso é o acaso da natureza? Ou é Deus? Seja qual for a resposta escolhida, é preciso assumi-la tanto para o lado belo como para o terrível.

O senhor acredita em Deus?Dediquei tempo para pesquisar listas de deuses na internet. Demora muitos minutos só para passar com o mouse, sem ler, por um compilado de divindades nas quais a humanidade acredita. São milhares! Quer dizer que a escolha de um desses deuses pressupõe, sem escapatória, a ilegitimidade de todos os outros? Esse conflito de ideias não é tranquilo, levou a muitas guerras. Indo além, debrucei-­me sobre o Deus mais popular do Ocidente, o judaico-cristão. Quais são suas propriedades celebradas? A bondade, o poder absoluto e a onisciência. Visto quanto a natureza mata, quer dizer que Ele é assassino? Se sim, não é bondoso. Se não, Ele não é onisciente, ou todo-­poderoso. Para mim, essas escolhas parecem randômicas. Não vejo evidências que corroborem a existência de Deus. Se há um terremoto, não é fúria divina. Geólogos avisaram que a área era vulnerável. Não adiantava rezar pelo Haiti. O terremoto que abalou o país recentemente ocorreria de qualquer jeito. Não me importo se acreditam em deuses. Só acho que quem segue essa linha cega não pode distribuir culpas por aí.

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O senhor utiliza frequentemente o termo “polícia do pensamento”. É uma forma de definir a postura religiosa que ignora solenemente o pensamento científico? Quando emprego essa definição, é para falar das pessoas que tentam ter e exercer poder pela força de seus pensamentos. Ou seja, impondo o que todos podem, ou devem, acreditar. Essa é a “polícia”. Na ciência, não fazemos isso. A ciência é inimiga da “polícia do pensamento”.

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