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Estrelas binárias criam jatos em nebulosa planetária

Cientistas confirmam que Fleming 1 tem duas anãs brancas em seu interior que trocam matéria entre si. Fenômeno, até então sem explicação, faz com que jatos cósmicos sejam lançados dos polos de uma das estrelas

Por Ricardo Carvalho
Atualizado em 6 Maio 2016, 16h25 - Publicado em 8 nov 2012, 18h19

Edward Pickering (1846-1919), diretor do Harvard College Observatory, disse certa vez que sua governanta faria um trabalho muito melhor do que os assistentes que o observatório da universidade americana dispunha no final do século 19. Ele não poderia estar mais certo. Aluna brilhante desde os tempos do colégio, a escocesa Williamina Fleming (1857-1911) rapidamente aprendeu o ofício, desenvolveu novos métodos de classificação de estrelas e foi a primeira a observar e catalogar diversos corpos celestes. Entre eles, a nebulosa planetária batizada de Fleming 1.

Desde que o desenvolvimento de telescópios mais modernos, como o Hubble, tornou possível a observação de nebulosas na nossa galáxia em mais detalhes, um fato peculiar chamou a atenção dos astrônomos. Além de uma coroa de gás esverdeada mais ou menos esférica, Fleming 1 apresentava dois jatos vermelhos em espiral (assista ao vídeo abaixo), cuja existência simplesmente não podia ser explicada.

Saiba mais

NEBULOSA PLANETÁRIA

Corpos como a Nebulosa da Hélice são chamados de nebulosas planetárias, mas não têm nenhuma relação com planetas. O nome foi dado graças ao aspecto circular do fenômeno, que lembra um planeta. Quando morrem, as estrelas com até oito vezes a massa do Sol começam a expelir suas camadas exteriores, formando uma coroa de gás brilhante.

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ANÃ BRANCA

Quando uma estrela como o Sol tem sua energia esgotada, ela se transforma em anã branca. Cientistas acreditam que daqui a aproximadamente 5 bilhões de anos o Sol também vai se apagar e se tornar uma anã branca.

Agora, os cientistas dizem finalmente ter descoberto o que causa esse fenômeno na nebulosa. Após observações com os instrumentos do Very Large Telescope do Observatório Europeu do Sul (ESO, em inglês), no Chile, um grupo de astrônomos confirmou que o efeito, também chamado “irrigador”, é causado por um sistema binário. Em outras palavras, pela interação e troca de matéria entre duas estrelas já mortas (anãs brancas) que orbitam entre si.

A partir de simulações de computador, os cientistas já tinham levantado a hipótese segundo a qual esses jatos, que se assemelham a longos braços saindo da coroa de gás da nebulosa, eram resultado da interação de duas estrelas. Só que faltava encontrá-las.

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Proximidade inesperada – Um par estrelas de fato foi avistado no interior de Fleming 1, confirmando as simulações de computador. Mas as imagens do ESO também capturaram algo inesperado: as duas anãs brancas estavam muito próximas uma da outra, com um período orbital de apenas 1,2 dia. “Os astrônomos já tinham sugerido uma estrela binária (como causa do efeito “irrigador”). Mas sempre pensou-se que, sendo este o caso, o par estaria bem separado, com um período orbital de dezenas de anos ou ainda mais longo”, afirma Henri Boffin, um dos responsáveis pelo estudo que será publicado nesta sexta-feira na revista Science.

Astrofísico da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), Gustavo Rojas explica que a incrível proximidade entre as duas estrelas faz com que haja uma intensa transferência de matéria entre os dois corpos. Apesar de terem idade semelhante, algo em torno de 8 bilhões de anos (o Sol tem cerca de 5 bilhões), por alguma razão um dos astros adquiriu mais massa do que o outro. Como resultado, ele começou a sugar a matéria do companheiro, formando um disco (chamado disco de acreção) que circula a “estrela vampira”. O disco altera o comportamento de qualquer material que é ejetado dos polos da anã branca de maior massa, dando o formato dos dois jatos espirais observáveis na Fleming 1.

Localizada na constelação de Centauro, Fleming 1 faz parte de um grupo de nebulosas que apresentam morfologias bastante estranhas, como filamentos e jatos intensos. Um outro exemplo disso é a nebulosa Olho de Gato, com uma complexa estrutura de arcos que se entrelaçam. Diego Falceta-Gonçalves, astrofísico da USP, explica que há uma série de teorias sobre o que causa configurações tão intricadas. “Tentava-se explicar esses fenômenos pela velocidade de rotação das estrelas, pelos campos magnéticos ou pela interação entre duas estrelas”, diz. É a primeira vez que uma dessas concepções é confirmada em observações. “Isso não quer dizer que todas (as nebulosas de forma complexas) são causadas por isso”, pondera Falceta-Gonçalves.

David Jones, do ESO, espera que a descoberta ajude a explicar as estruturas inesperadas em outras nebulosas. “Estudando esse sistema, podemos começar a entender todo o processo em funcionamento desses objetos. Não apenas os que formam os espetaculares jatos na Fleming 1, mas os que criam anéis, nodos e demais estruturas estranhas (em outras nebulosas).”

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Nebulosas – Comparado ao tempo total de vida de uma estrela, de bilhões de anos, uma nebulosa planetária dura bem menos, apenas alguns milhares de anos. Por isso, a coroa de gás multicor de uma nebulosa planetária é uma espécie de último suspiro de uma estrela. Quando morre, a estrela começa a inchar e a ejetar camadas exteriores, perdendo massa e formando uma enorme – e belíssima – coroa de gás. Essa coroa pode ser constituída por átomos de hidrogênio, oxigênio ou nitrogênio, entre outros elementos, que se excitam quando são bombardeados pela luz proveniente da matéria quente no centro da estrela moribunda. Isso faz com que os gases das nebulosas assumam as mais diferentes cores. Pela sua massa, o nosso Sol, quando morrer, formará uma nebulosa.

“Entender o que acontece com a Fleming 1 talvez nos ajude a prever como será o futuro do nosso Sol”

David Jones

Astrônomo do ESO que pesquisa a formação e evolução de nebulosas planetárias

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Como a atual pesquisa nos ajuda a compreender a formação da nebulosa Fleming 1?

Por muito tempo, acreditou-se que duas estrelas fossem necessárias para produzir esse fenômeno, mas esta é a primeira vez que alguém realmente encontrou as duas estrelas no interior do sistema – e elas estão completamente de acordo com os modelos de computador que foram criados para tentar explicar o fenômeno.

Por que a forma dos jatos em espiral na Fleming 1 intrigou os astrônomos por tanto tempo?

A imagem clássica que temos nos livros sobre a formação de nebulosas planetárias é que elas surgem quando as estrelas, como o nosso Sol, expelem suas camadas exteriores – e são essas camadas que constituem as nebulosas. O maior problema com essa ideia é que muitas das nebulosas que conhecemos apresentam formatos muito, mas muito incomuns, como os jatos em espiral da Fleming 1. Também há nebulosas com anéis e filamentos no formato de cordas, tudo muito diferente da forma esférica das estrelas. Nós não sabemos ao certo de onde essas formas vêm. Nossa melhor hipótese, por muito tempo, é de que as estrelas que formam essas nebulosas têm uma parceira que as ajudam a criar esses desenhos, mas elas são muito difíceis de encontrar.

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Como a pesquisa poderia ajudar no estudo de outras nebulosas planetárias?

Como disse anteriormente, nós acreditamos que estrelas binárias são responsáveis pela produção dessas estruturas incríveis que vemos nas nebulosas planetárias, mas elas (estrelas binárias) são bastante difíceis de encontrar. Com a descoberta das duas estrelas no centro de Fleming 1, precisamos tentar encontrar mais estrelas binárias desconhecidas (em outras nebulosas). Estudando esse sistema, podemos começar a entender todo o processo em funcionamento nesses objetos. Não apenas os que formam os espetaculares jatos na Fleming 1, mas os que criam anéis, nodos e outras estruturas estranhas (em outras nebulosas).

Qual a contribuição que a pesquisa pode trazer para o estudo da astronomia?

É a mais completa imagem que já tivemos de como esse objeto maravilho é criado. Talvez o mais interessante é que as estrelas que formaram essa nebulosa são bem parecidas ao nosso Sol. Portanto, entender o que acontece com a Fleming 1 e outros objetos similares talvez nos ajude a prever como será o futuro do nosso Sol.

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