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“Está em nossas mãos tornar real o impossível”

Bertrand Piccard e André Borschberg, pilotos do primeiro avião solar que deu a volta ao mundo, contam como é possível fazer qualquer coisa com energia limpa

Por Marina Rappa e Rita Loiola
30 jul 2016, 16h14

Na última terça-feira, os suíços Bertrand Piccard e André Borschberg tornaram-se os primeiros homens a dar a volta ao mundo em um avião movido à energia solar. Piccard pousou com a leve aeronave às 4h05 (21h05 de segunda-feira, horário de Brasília) em Abu Dhabi, nos Emirados Árabes, cidade considerada um símbolo da utilização de combustíveis fósseis. O objetivo era mostrar a todo o planeta que é possível utilizar energias limpas para qualquer coisa – até mesmo percorrer 42.000 quilômetros (que incluiu a travessia do Atlântico) confiando apenas na força de delicadas baterias alimentadas pela luz do Sol.

“É um sonho que se tornou realidade. Não fizemos história apenas na aviação, fizemos história na área da energia. Espero que todos os dias algo seja feito com energias limpas e esse feito dure para sempre no futuro”, afirmou Piccard ao site de VEJA.

Espírito pioneiro

Bertrand Piccard, de 58 anos, foi o idealizador da aventura Solar Impulse. A determinação – e a capacidade de realizar façanhas – é herança de uma família de pioneiros. Seu avô, Auguste (1884-1962), foi o primeiro homem a chegar à estratosfera, em 1931. O irmão gêmeo de Auguste, Jean-Felix, realizou a mesma proeza nos Estados Unidos, três anos depois – o capitão Jean-Luc Picard, da série Star Trek, é uma homenagem a ele. O pai de Piccard, Jacques, foi o primeiro a atingir o ponto mais profundo da Terra, a Challenger Deep, na Fossa das Marianas. Em 1999, Bertrand fez o primeiro voo de balão sem escalas ao redor do mundo. Daí veio a ideia de construir um avião que não utilizasse nenhum tipo de combustível fóssil, projeto que desenvolveu durante 15 anos com o engenheiro mecânico Borschberg, de 64 anos.

Em conjunto, conduziram uma equipe de 90 pessoas, entre engenheiros, técnicos e controladores de voo, que aprimoraram novas tecnologias para tornar o voo possível. Piccard, formado em psiquiatria, professor de medicina na Faculdade de Nice, na França, e membro da Sociedade Médica de Hipnose da Suíça é um famoso palestrante na Europa – tem mais de quatro livros publicados nos quais reúne as suas aventuras aéreas e a psiquiatria. Borschberg, empresário e piloto treinado pela força aérea da Suíça, é capaz de conduzir qualquer tipo de aeronave. A experiência em áreas tão diferentes foi utilizada para promover energias sustentáveis que, acreditam, é onde está o futuro do planeta.

O primeiro feito da Solar Impulse foi bater o recorde do voo solo mais longo da história. Em julho de 2015, Borschberg pilotou a aeronave solar por quatro dias, 21 horas e 52 minutos, entre Nagoya, no Japão, e o Havaí.

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No momento do pouso final, os pilotos ouviram de Ban Ki Moon, secretário-geral das Nações Unidas, que aquele era “um momento histórico para a humanidade”. Nesta entrevista exclusiva, feita por telefone ao site de VEJA de Abu Dhabi, os exploradores contam como realizaram o feito e de que maneira as tecnologias utilizadas no avião que cruzou a Terra sem combustível estarão em nossas casas em poucos anos.

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Por que pilotar um avião solar ao redor do mundo? 

Piccard: A ideia surgiu em 1999, quando contornava o globo a bordo de um balão, sem pausas. Em cada um daqueles vinte dias eu acionava o gás para abastecer o balão e tinha muito medo de que ele acabasse. Ao pousar, dos 3.700 quilos de propano do início só restavam 40 quilos, quase nada. Foi quando pensei se seria possível me livrar de qualquer combustível fóssil – que termina – e voar para sempre. Comecei a sonhar com um avião que usasse apenas a energia inesgotável do Sol para abastecer baterias e, assim, eu poderia viajar por dias e noites, sem limites. Foi exatamente isso que conseguimos com a Solar Impulse.

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O projeto, então, era criar um meio de transporte que não utilizasse combustível? 

Piccard: Esse era o primeiro objetivo. Quis fazer um avião porque ele cativa as pessoas: é algo sofisticado e costuma despertar muito interesse. O segundo era chamar a atenção e encorajar a utilização de energias limpas. Alcançamos a primeira meta, mas a outra é bem mais difícil. Graças ao sucesso da viagem demos muita credibilidade às tecnologias que usam energia sustentável e acredito que a promoção delas será mais fácil a partir de agora.

Que tipo de aeronave faz uma viagem de 42.000 quilômetros apenas com a luz do Sol? 

Borschberg: O Solar Impulse é um avião com baterias alimentadas pela luz solar que geram energia elétrica. É essa energia que faz os motores e outros mecanismos funcionar. Por isso, ele precisa de asas muito grandes – é um pouco maior que um Boeing 747. Para aproveitar o máximo de energia, ele também deve ser muito leve, pesa apenas 1,5 tonelada [um Boeing 747 pode pesar até 440 toneladas]. Seus motores aproveitam 97% de toda a energia, enquanto na queima do combustível dos motores comuns há perda de energia de 70%.

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Como o avião foi construído? 

Borschberg: O processo levou 15 anos. Quando pedimos ajuda para montá-lo, ouvimos da indústria da aviação que seria impossível fazer algo tão grande, leve e eficiente. Por isso tivemos que fazê-los por conta própria. Chamamos um time internacional de engenheiros que encontraram as melhores soluções para todos os componentes do avião: foi assim que chegamos ao número de 17.000 células fotovoltaicas, que transformam a energia luminosa em energia elétrica, sobre as asas.

Assim que vocês terminaram o voo, Vincent Le Seigneur, diretor do Observatório de Energias Renováveis em Paris, na França, afirmou que um avião solar comercial é “impensável”. É impossível utilizar essas tecnologias na aviação? 

Borschberg: Há 113 anos, quando os irmãos Wright fizeram sua primeira viagem de avião, as pessoas disseram que não precisavam daquela máquina, pois tinham cavalos para sua locomoção. Se tivéssemos seguido essas pessoas, não teríamos a aviação. Acredito que, em dez anos, teremos aviões elétricos que levem até 50 passageiros em voos de pequeno a médio porte, como São Paulo-Rio de Janeiro. Há algumas semanas, a Nasa anunciou que está desenvolvendo um avião elétrico. Algo que nunca foi feito é sempre considerado impossível. Está em nossas mãos tornar real o impossível.

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No entanto, a volta do mundo do Solar Impulse precisou ser interrompida durante dez meses, no Havaí, para a troca das baterias. Encerrar a jornada era uma alternativa? 

Borschberg: É importante dizer que não paramos por problemas técnicos. O que aconteceu é que levamos as baterias até o limite e resolvemos trocá-las por questão de segurança. Após a troca, quando checamos as baterias novamente, elas estavam em perfeita forma. Fizemos um voo durante cinco dias e cinco noites e Borschberg achou que havíamos chegado perto do limite de segurança. Preferimos não correr nenhum risco, afinal, sobrevoamos cidades e o Oceano Atlântico. Qualquer erro poderia ser fatal.

Em um avião tão leve, como lidar com a turbulência? 

Piccard: Especialmente nesse último voo, quando a turbulência foi grande e não conseguia dormir, utilizei a hipnose, um método que me ajuda a agir com consciência. Em três noites, dormi três vezes, em um total de 49 minutos. A hipnose me ajudou a sobreviver. Além disso, todos os movimentos dos pilotos precisam ser extremamente precisos, para não desperdiçar nenhuma energia além da necessária. Foi preciso uma grande concentração em todas as etapas.

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Acredita que o Solar Impulse pode transformar outras áreas além da aviação? 

Borschberg: Precisamos de energias renováveis. O grande potencial de nosso avião é mostrar como ser mais eficiente. Por exemplo, para viajar durante a noite utilizamos um sistema que aumenta a autonomia das baterias, que já pode ser empregado em carros elétricos ou painéis solares. Desenvolvemos uma camada de isolamento tão fina para as baterias que são excelentes para serem usadas em refrigeradores e frigoríficos: elas liberam mais espaço interno para os alimentos. As próprias baterias com as quais voamos poderão ser utilizadas, no futuro, em celulares ou outros aparelhos, pois duram muito.

São melhores que as desenvolvidas pelo empresário Elon Musk, da Tesla, que pretende revolucionar o modo como utilizamos a energia? 

Borschberg: Elas são semelhantes. Musk é uma inspiração e acreditamos que, juntos, estamos indo em direção a um mundo em que essas tecnologias sejam baratas e utilizadas amplamente.

Um dos grandes empecilhos à utilização das energias limpas é seu preço. Há alguma maneira de torná-las mais acessíveis? 

Piccard: Precisamos deixar de encarar essa tecnologia como custo – ela é investimento, e bastante rentável. Quando fazemos um bom isolamento para manter a temperatura da casa, poupamos energia para aquecê-la ou resfria-la. O custo se transforma em economia, pois traz retorno financeiro. É o mesmo com motores elétricos ou baterias de alta durabilidade.

O senhor é o fundador do Future is Clean, uma iniciativa com 420 participantes, como o príncipe Albert, de Mônaco, e Al Gore, e agora está organizado um Comitê Internacional para Tecnologias Limpas. Qual o objetivo? 

Piccard: A substituição dos sistemas poluentes, que são antiquados e estão levando o planeta ao colapso, é urgente. As soluções devem ser guiadas pelos governos; caso contrário, ninguém irá fazê-la. Com o Comitê pretendemos aconselhar políticos de todo o mundo, oferecendo o que há de mais avançado em termos de tecnologia limpa de acordo com a situação econômica, geográfica e social de cada lugar. É rentável, estimula o país, cria novos empregos e, portanto, crescimento econômico. Para isso, pretendemos utilizar toda a rede da Solar Impulse, que tem ótima comunicação com a Organização das Nações Unidas e mais de 400 organizações e instituições de todo o planeta. É um excelente grupo de especialistas. E provamos que é possível.

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