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Brasil empaca construção do maior telescópio do mundo, diz diretor de observatório europeu

Segundo Tim de Zeeuw, diretor do Observatório Europeu do Sul (ESO), Brasil pode perder chance de se tornar membro pleno da maior comunidade astronômica do planeta. Projeto de adesão ainda não foi concluído pelo Ministério da Ciência e Tecnologia, em razão dos cortes financeiros de 2011

Por Marco Túlio Pires, de Santiago, Chile
Atualizado em 6 Maio 2016, 16h48 - Publicado em 17 jan 2012, 21h51

A construção do maior telescópio terrestre do mundo, o European Extremely Large Telescope (Telescópio Europeu Extremamente Grande – E-ELT, na sigla em inglês), no Deserto do Atacama, Chile, está empacada por causa do Brasil. É o que diz o diretor do ESO (Observatório Europeu do Sul), Tim de Zeeuw, líder da maior comunidade astronômica do mundo, que reúne um terço dos astrônomos do planeta. A declaração foi dada em Santiago, capital do Chile, onde Zeeuw conversou com jornalistas brasileiros.

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European Extremely Large Telescope (E-ELT)

O E-ELT (European Extremely Large Telescope) será o maior telescópio ótico terrestre do mundo. O projeto foi proposto pelo ESO (Observatório Europeu do Sul) e tem previsão de ficar pronto em 2021. O E-ELT dará um grande salto na qualidade das imagens capturadas do espaço. Com um espelho único de 40 metros de diâmetro, quase quatro vezes maior que o mais potente telescópio do ESO, o Very Large Telescope, o E-ELT será capaz de capturar imagens de planetas orbitando estrelas entre 30 e 50 anos-luz da Terra, algo inédito para a astronomia.

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O início das obras depende da ratificação do acordo que torna o Brasil o décimo quinto membro pleno do ESO, o primeiro fora da Europa. O documento foi assinado em 2010, pelo então Ministro da Ciência e Tecnologia Sérgio Rezende. Durante o ano de 2011, afirma Zeeuw, o ESO tentou marcar reuniões com o substituto de Rezende na pasta, Aloizio Mercadante, para saber como andavam as negociações no Congresso, mas não recebeu sequer uma resposta. “Enviamos os pedidos, mas fomos ignorados todas as vezes”, diz o diretor do ESO.

De acordo com Zeeuw, o ESO conta com o dinheiro brasileiro para a construção do E-ELT, que deve custar até 1,2 bilhão de euros. “Sem o Brasil não podemos começar as obras”, diz. Contudo, por causa da lentidão no processo de ratificação – que era esperada para o meio de 2011 – o diretor disse que a vaga do Brasil como membro pleno da instituição está ficando insustentável. Uma das das razões que explicam por que o Brasil pode perder a vez é a crise mundial. O dinheiro que os países membros do ESO reservaram para a construção do E-ELT está parado. Por causa disso são cobrados por seus governos, que podem requisitar a soma para outros propósitos. “Se o Brasil não ratificar o acordo até o meio de 2012, não podemos garantir que as condições serão as mesmas ou que a vaga será renegociada – isso não é uma ameaça, é um fato.”

As condições às quais se refere Zeeuw são algumas facilidades que o país conseguiu ao negociar a entrada no ESO. Por exemplo, o país poderia parcelar a taxa de entrada no grupo, 130 milhões de euros, em 10 anos, condição que nenhum outro país teve. “O ESO também permitiu que os astrônomos brasileiros enviassem propostas para utilizar os telescópios da instituição como investigadores principais e a média de aprovação dos trabalhos tem sido semelhante ou superior aos dos Europeus”, disse Zeeuw.

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Além disso, a anuidade para manutenção da vaga no ESO, que é proporcional do PIB de cada país, seria cobrada gradativamente do Brasil. Em 2011, por exemplo, o país investiria 13 milhões de euros e o valor chegaria a 37 milhões em 2021. No total, em 11 anos, o brasil teria desembolsado 257 milhões de euros . “O Brasil seria um dos maiores investidores do ESO por ser uma das maiores economias do mundo, mas teríamos tempo para amadurecer nossa comunidade astronômica e fazer valer o gasto”, disse Marcos Dias, doutor em astronomia pela USP e que já publicou diversos artigos utilizando os telescópios do ESO. O astrônomo está no Chile acompanhando a visita brasileira aos observatórios da organização.

Prejuízo astronômico – O Brasil também pode perder contratos de construção civil e alta tecnologia por não ter ratificado o acordo. Apesar de ter acesso aos telescópios e até um representante brasileiro no comitê técnico do ESO, o país não pode participar de licitações para a construção de novos projetos da organização ou para a manutenção dos que já existem. Um relatório produzido pela astrônoma brasileira Beatriz Barbuy, da USP, com a anuência da Sociedade Astronômica Brasileira, mostra que o Brasil poderia ter vantagens em vencer concorrência para a construção de estradas no novo complexo do E-ELT, para terraplanagem e tecnologias que envolvem aço.

O Brasil teria mais chances de vencer a concorrência por já possuir empresas no Chile que atuam nessas áreas. “Em algumas áreas estratégicas, faz muito mais sentido algumas empresas brasileiras já estabelecidas realizarem obras para o ESO do que as Europeias”, disse Zeeuw. “O país também pode evoluir muito em áreas de alta tecnologia que têm interesse, como a construção de espelhos para os telescópios”, continuou.

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Vozes contrárias

Apesar da entrada do Brasil no Observatório Europeu do Sul ser apoiada pelo governo brasileiro, o acordo não é unanimidade entre os astrônomos

Laerte Sodré

Pós-doutor em astronomia pelo Royal Greenwich Observatory, Inglaterra

“Não acho sensato o nosso país, que está crescendo e tem condições de fazer um investimento sério e planejado em ciência, abrir mão de agir autonomamente e se associar ao ESO, onde as decisões envolvem todos os outros membros. Perderemos flexibilidade”

Augusto Damineli

Pós-doutor em astronomia pelo observatório IAS/CNR, Itália

“O acordo tem uma péssima relação custo/benefício para o Brasil: seremos um dos maiores membros pagantes, pois a conta é proporcional ao PIB, mas seremos usuário minoritário uma vez que nossa comunidade de astrônomos é muito pequena. Se o governo optar por entrar no ESO, ele deve apresentar um plano de investimentos em contratação de pessoal, bolsas de pós-graduação e construção de laboratório para fazer valer a pena.”

O diretor do ESO sinalizou que se o Brasil optar por não ratificar o acordo será uma situação constrangedora. “Teremos que cortar o acesso dos astrônomos que estão realizando pesquisa com nossos telescópios e começaremos a tratar o Brasil novamente como um país que não é membro”. Isso quer dizer que a única maneira de usar o complexo de telescópios do ESO seria por meio de parcerias com países membros. “Mesmo assim, não poderíamos ter um investigador principal envolvido, teríamos acesso apenas aos dados”, disse Dias.

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Caso o Brasil não ratifique o acordo, o que não faltam são candidatos. Zeeuw disse que existem pelo menos cinco países cujas comunidades científicas já se manifestaram desejosas de integrar o ESO: Austrália, Rússia, Israel, Polônia e Estônia. “Seria uma tragédia para a astronomia brasileira”, disse Eduardo Pacheco, presidente da Sociedade Astronômica Brasileira. De acordo com Pacheco, o Brasil precisa plantar agora os frutos que serão colhidos daqui 10 anos com a construção do E-ELT. “Vamos estimular nossa indústria, a formação de astrônomos, a publicação de artigos de qualidade e teremos acesso aos melhores equipamentos do mundo”, disse.

Segundo o Ministério da Ciência e Tecnologia, a entrada no ESO foi feita por “desejo da comunidade científica brasileira”, mas precisou ser adiada por razões econômicas. “Em função dos ajustes orçamentários realizados pelo governo em 2011, e o atual cenário econômico internacional, o projeto foi reavaliado e encontra-se em fase final de conclusão para ser enviado ao Congresso Nacional”, afirmou, em e-mail enviado ao site de VEJA. O Ministério ainda disse que o “desejo do Brasil é participar de todo o programa do ESO e empregará todos os esforços para isso.”

Uma das vantagens pretendidas pelo Ministério é a transferência de tecnologia. “É imprescindível que haja participação da indústria brasileira, o que exigirá um processo de negociação amplo com o ESO, a partir da ratificação do acordo.”

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