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Alimentação de ancestrais humanos se diferenciou de outros primatas há 2,5 milhões de anos

Nesse período, o tipo de plantas consumidas pelos hominídeos do gênero Homo o diferenciou do primata ancestral Paranthropus

Por Da Redação
Atualizado em 6 Maio 2016, 16h19 - Publicado em 11 jun 2013, 09h12

Um conjunto de estudos publicados no PNAS, periódico da Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos, reúne descobertas sobre como a alimentação dos humanos primitivos começou a se modificar por volta de 3,5 milhões de anos atrás e se diferenciou dos primatas próximos há cerca de 2,5 milhões de anos. Os estudos têm como base análises de isótopos de carbono do esmalte dentário fossilizado de hominídeos e primatas que habitavam a África Oriental.

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AUSTRALOPITHECUS

Gênero composto por diversos hominídeos extintos, próximos ao gênero Homo. Estima-se que o Australopithecus afarensis tinha vivido entre 3,9 e 2,9 anos atrás. O famoso fóssil denominado Lucy, descoberto em 1974 pelo professor Donald Johanson e o estudante Tom Gray, em Hadar, na Etiópia, faz parte desta espécie. Já a existência do Australopithecus anamensis é estimada em cerca de 4 milhões de anos atrás.

KENYANTHROPUS

O Kenyanthropus platyops foi “criado” a partir da descoberta de um crânio quase completo, em 1988, no Quênia. Datando de 3,5 a 3,2 milhões de anos atrás, ele é contemporâneo ao Australopithecus afarensis, mas sua morfologia distinta o fez ser classificado em um outro gênero. O Kenyanthropus platyops é caracterizado por apresentar face achatada e dentes pequenos, diferentemente do Au. afarensis.

PARANTHROPUS

Gênero de hominídeo caracterizado por sua anatomia robusta, o Paranthropus é considerado por alguns pesquisadores como um tipo de Australopithecus. Estima-se que ele tenha vivido entre três a dois milhões de anos.

THEROPITHECUS

O Theropithecus era um primata de grande porte comum que coexistiu com hominídeos. Atualmente os Theropithecus, conhecidos como Macacos do Velho Mundo, são representados apenas por uma espécie, o babuíno Gelada (Theropithecus gelada), que vive na região central da Etiópia.

Os isótopos de carbono provenientes da alimentação são incorporados aos dentes durante seu desenvolvimento e podem ser utilizados para distinguir o tipo de plantas ingeridas por cada indivíduo. Isso porque as plantas fazem tipos diferentes de fotossíntese, transformando o carbono em formas diversas que permitem aos pesquisadores identificar quais tipos de plantas eram consumidos por cada grupo de hominídeos e de primatas.

As plantas que fazem fotossíntese do tipo C3 (transformam o gás carbônico em um componente com três carbonos) são folhas e frutos de árvores e arbustos. Já as que fazem fotossíntese C4 ou CAM (que transformam o gás carbônico em um componente com quatro carbonos ou um ácido) correspondem a alguns tipos de grama e plantas suculentas (plantas nas quais a raiz, o talo ou as folhas são engrossados para permitir o armazenamento de água, como os cactos).

Ancestral distante – A equipe de pesquisadores liderada por Thure Cerling, da Universidade de Utah, nos EUA, analisou dentes fossilizados de 94 diferentes hominídeos do Quênia, de aproximadamente 4,1 milhões até 1,4 milhão de anos atrás. Os resultados mostraram que a espécie de hominídeo mais antiga do estudo, o Australopithecus anamensis, tinha a alimentação quase totalmente derivada de plantas do tipo C3, similar aos chimpanzés e gorilas atuais. Porém, o hominídeo Kenyanthropus platyops, de 3,5 milhões de anos atrás, se alimentava de uma mistura de alimentos derivados de plantas dos tipos C3 e C4.

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Paralelamente a isso, Jonathan Wynn, da Universidade do Sul da Flórida, também nos EUA, revela em seu estudo que outro hominídeo da África Oriental, o Australopithecus afarensis, da Etiópia, também expandiu sua dieta para incluir plantas C4 durante a mesma época, diferenciando-se se eu antecessor, o Australopithecus anamensis. Wynn e seus colaboradores escrevem no artigo que “a expansão da dieta do Australopithecus da África Oriental em meados do período Plioceno, [que vai de 5 milhões de anos a 1,8 milhão de anos atrás] para incluir alimentos típicos da savana representa uma mudança no uso de recursos alimentícios que já eram abundantes nos ambientes em que viviam os hominídeos há pelo menos um milhão de anos e abre o caminho para a diferenciação da dieta dos hominídeo subsequentes”.

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Diferenciação – O estudo de Thure Cerling relata também que, por volta de 2,5 milhões de anos atrás, os hominídeos da África Oriental se dividiram em dois grupos: aqueles pertencentes ao gênero Homo continuaram a se alimentar de uma mistura de alimentos C3 e C4, enquanto o Paranthropus boisei passou a ter uma dieta formada predominantemente pelas plantas C4. Esse tipo de alimentação não era comum em primatas, com exceção do Theropithecus, um grande primata que coexistiu com os hominídeos na África Oriental entre quatro e um milhão de anos atrás.

Outro estudo liderado por Cerling, tendo como foco o Theropithecus, mostra que este primata foi aumentando gradualmente a proporção de alimento vindo de plantas do tipo C4 em sua dieta, até chegar a quase 100%. As análises de isótopos de carbono não permitem avaliar a proporção do consumo de folhas, sementes ou raízes, nem qual dessas partes da planta era mais importante na dieta. O que se sabe é que a alimentação do Theropithecus era muito mais baseada em plantas C4 do que a dos demais primatas e hominídeos, sendo similar apenas à do Paranthropus.

“O que estes estudos mostram é que o Homo e o Paranthropus não estavam competindo por comida”, disse Cerling ao site de VEJA. De acordo com o autor, o fato de alguns primatas apresentarem uma dieta predominantemente baseada em plantas do tipo C4 significa que eles estavam aproveitando um recurso que se tornava mais importante na região dos trópicos. “Os mamíferos existiam há cerca de 200 milhões de anos, os primatas há mais de 60 milhões e as plantas do tipo C4 só começaram a existir de forma abundante por volta de 8 milhões de anos atrás”, diz o pesquisador.

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Para ele, outro ponto importante do estudo se refere às informações que podem ser obtidas a respeito do habitat desses hominídeos e primatas. “Esses animais estavam na savana aberta. Não uma savana sem árvores, mas sim uma savana mista, e ainda assim mais aberta do que as florestas”, afirma Cerling.

Opinião do especialista

Pedro da Glória

Pesquisador do Laboratório de Estudos Evolutivos Humanos (LEEH) da Universidade de São Paulo (USP)

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“Esse estudo é importante, em primeiro lugar, porque utiliza uma técnica nova, que tem sido desenvolvida nos últimos dez anos. Antes os hominídeos eram divididos com base na espessura de seu esmalte dentário, mas a análise de isótopos permite entender quimicamente a dieta deles.

Ao entender a dieta desses indivíduos, nós estamos entendendo também o ambiente em que eles viviam. Assim começou-se a ter uma melhor ideia do tipo de vegetação e local e que eles circulavam.

Os pesquisadores identificaram, a partir do Australopithecus afarensis, um sinal de C4 na alimentação, que remete a savanas e locais mais abertos. Ocorre uma mudança de habitat neste hominídeo, uma vez que seu antecessor, o Australopithecus anamensis, tem uma dieta muito ligada ao C3.

Por volta de 2,5 milhões de anos atrás, começa a haver a divisão entre a linhagem robusta (que foi extinta por volta de 1 a 1,5 milhão de anos atrás) e a grácil (que deu origem ao homem moderno). Os robustos parecem ter explorado mais o C4, mas ambos misturavam os dois tipos de alimento”.

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