STF dá aval a lei que cria cota para negros no governo federal
Por unanimidade, ministros dizem que é constitucional lei sancionada por Dilma Rousseff (PT) que reserva 20% das vagas no serviço público ligado à União
O plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu nesta quinta-feira, por unanimidade, que é constitucional uma lei de 2014 que reserva aos negros 20% das vagas no serviço público federal, incluindo autarquias, fundações e empresas públicas ou de economia mista. A Lei 12.990/2014 foi sancionada pela então presidente Dilma Rousseff (PT).
O STF foi provocado a se posicionar sobre a constitucionalidade da lei pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), defensora da medida, que alegou que estavam ocorrendo entendimentos divergentes em vários tribunais. Segundo a entidade, como a posição nas diversas instâncias do Judiciário não é uniforme, com decisões declarando a inconstitucionalidade da norma e também pedidos para suspensão de certames em decorrência da aplicação da norma, há o receio de que ocorram situações de insegurança jurídica em concursos públicos federais.
O julgamento teve início em maio, quando o ministro Luís Roberto Barroso, relator do caso, votou pela constitucionalidade, afirmando que a lei é “motivada por um dever de reparação histórica decorrente da escravidão e de um racismo estrutural existente na sociedade brasileira”.
Naquela mesma sessão apoiaram o relator os ministros Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Rosa Weber e Luiz Fux. Nesta quinta-feira, Dias Toffoli – que já havia defendido a lei quando era advogado-geral da União -, Ricardo Lewandoswki, Celso de Mello, Marco Aurélio Mello e Cármen Lúcia, presidente da Corte, votaram a favor. O ministro Gilmar Mendes não votou porque estava no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) julgando a ação que pede a cassação da chapa Dilma-Temer nas eleições de 2014.
Longa trajetória
Decano do Supremo, Celso de Mello iniciou seu voto citando a história de Luiz Gama (1830-1882), que ficou conhecido como advogado dos escravos, para demonstrar “como tem sido longa a trajetória de luta das pessoas negras em nosso país na busca, não só de sua emancipação jurídica, como ocorreu no século 19, mas de sua emancipação social e de sua justa, legítima e necessária inclusão”.
“De nada valerão os direitos e de nenhum significado serão revestidas as liberdades se os fundamentos em que esses direitos e liberdades se apoiam, além de desrespeitados pelo poder público ou eventualmente transgredidos por particulares, também deixarem de contar com o suporte e o apoio de mecanismos institucionais, como os proporcionados pelas políticas de ações afirmativas”, disse.
Já Cármen Lúcia salientou que “muitas vezes, o preconceito é insidioso e existe de forma acobertada ou traduzido em brincadeiras, que nada mais são do que verdadeiras injúrias, que indignam.” Para ela, ações afirmativas como a que consta da Lei 12.990/2014 demonstram que “andamos bem ao tornar visível o que se passa na sociedade”.
Veja a íntegra da lei:
Lei n° 12990, de 09 de junho de 2014 (Lei das Cotas)
Reserva aos negros 20% (vinte por cento) das vagas oferecidas nos concursos públicos para provimento de cargos efetivos e empregos públicos no âmbito da administração pública federal, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista controladas pela União.
Art. 1º – Ficam reservadas aos negros 20% (vinte por cento) das vagas oferecidas nos concursos públicos para provimento de cargos efetivos e empregos públicos no âmbito da administração pública federal, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista controladas pela União, na forma desta Lei.
- A reserva de vagas será aplicada sempre que o número de vagas oferecidas no concurso público for igual ou superior a 3 (três).
- Na hipótese de quantitativo fracionado para o número de vagas reservadas a candidatos negros, esse será aumentado para o primeiro número inteiro subsequente, em caso de fração igual ou maior que 0,5 (cinco décimos), ou diminuído para número inteiro imediatamente inferior, em caso de fração menor que 0,5 (cinco décimos).
- A reserva de vagas a candidatos negros constará expressamente dos editais dos concursos públicos, que deverão especificar o total de vagas correspondentes à reserva para cada cargo ou emprego público oferecido.
Art. 2º – Poderão concorrer à s vagas reservadas a candidatos negros aqueles que se autodeclararem pretos ou pardos no ato da inscrição no concurso público, conforme o quesito cor ou raça utilizado pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE.
Parágrafo único – Na hipótese de constatação de declaração falsa, o candidato será eliminado do concurso e, se houver sido nomeado, ficará sujeito à anulação da sua admissão ao serviço ou emprego público, após procedimento administrativo em que lhe sejam assegurados o contraditório e a ampla defesa, sem prejuízo de outras sanções cabíveis.
Art. 3º – Os candidatos negros concorrerão concomitantemente às vagas reservadas e às vagas destinadas à ampla concorrência, de acordo com a sua classificação no concurso.
- Os candidatos negros aprovados dentro do número de vagas oferecido para ampla concorrência não serão computados para efeito do preenchimento das vagas reservadas.
- Em caso de desistência de candidato negro aprovado em vaga reservada, a vaga será preenchida pelo candidato negro posteriormente classificado.
- Na hipótese de não haver número de candidatos negros aprovados suficiente para ocupar as vagas reservadas, as vagas remanescentes serão revertidas para a ampla concorrência e serão preenchidas pelos demais candidatos aprovados, observada a ordem de classificação.
Art. 4º – A nomeação dos candidatos aprovados respeitará os critérios de alternância e proporcionalidade, que consideram a relação entre o número de vagas total e o número de vagas reservadas a candidatos com deficiência e a candidatos negros.
Art. 5º – O órgão responsável pela política de promoção da igualdade étnica de que trata o § 001° do art. 049 da Lei n° 12288, de 20 de julho de 2010, será responsável pelo acompanhamento e avaliação anual do disposto nesta Lei, nos moldes previstos no art. 059 da Lei n° 12288, de 20 de julho de 2010.
Art. 6º – Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação e terá vigência pelo prazo de 10 (dez) anos.
Parágrafo único – Esta Lei não se aplicará aos concursos cujos editais já tiverem sido publicados antes de sua entrada em vigor.