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Sexo e internet: quando a exposição pode levar à morte

Casos de duas adolescentes que se suicidaram após ter imagens íntimas divulgadas na internet apontam os riscos de expor a privacidade nas redes

Por Mariana Zylberkan
24 nov 2013, 16h32

No último dia 14, a estudante gaúcha Giana Laura Fabi, de 16 anos, foi avisada por uma amiga do colégio que uma foto em que aparece nua havia sido espalhada pela internet. Três horas depois, Giana foi encontrada morta em seu quarto pelo irmão. Segundo a polícia, ela se enforcou com uma corda. Quatro dias antes, a 4.000 quilômetros da cidade gaúcha de Veranópolis, outra adolescente, Júlia Rebeca Pessoa, de 17 anos, também se enforcou depois de receber pelo celular um vídeo no qual ela fazia sexo com uma amiga e um rapaz, todos menores de idade, na cidade de Parnaíba, no litoral do Piauí.

A prática de produzir e distribuir fotos e vídeos íntimos nas redes sociais, conhecida como sexting, é expressiva no Brasil. De acordo com uma pesquisa da ONG Safernet, que será divulgada no próximo dia 1º de dezembro, 20% dos 2.834 usuários entrevistados já receberam textos ou imagens com teor erótico, e 6% admitem que enviaram esse tipo de conteúdo. A ONG calcula que ao menos 1.500 casos de vazamento de fotos íntimas envolvendo adolescentes e adultos aconteceram no último ano e meio. No entanto, disparar imagens ou vídeos íntimos, na maioria das vezes feito em tom de brincadeira entre os adolescentes em fase de iniciação sexual, caracteriza-se crime quando envolve menores de idade.

Tanto no caso de Giana quanto de Júlia, a polícia investiga os responsáveis pela disseminação das imagens – ambas consentidas. Giana foi vítima de um garoto com quem trocava mensagens no Skype e para quem mostrou os seios na webcam. O rapaz capturou a imagem e repassou para outros cinco amigos. Foi o suficiente para a foto de Giana, nua, se espalhar pela internet. “Ela era uma menina 100% alegre. Nunca teve depressão e nem nada do tipo, era rodeada de amigos. Só que também era muito decidida. Ela se apavorou e acabou tomando essa decisão”, diz o pai de Giana, Marcos Fabi.

Pelo ângulo como o vídeo foi captado, presume-se que foi Júlia quem filmou toda a ação, mas a Polícia Civil do Piauí ainda investiga a morte. Os condenados nesses casos podem responder por até três crimes — produzir, armazenar e divulgar esse tipo de material – previstos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. Desde 2008, foram estabelecidas três penas diferentes para quem capta, armazena e distribui imagens de sexo envolvendo crianças e adolescentes. Juntas, essas penas vão de oito a dezoito anos de reclusão. Nos últimos quatro anos, a Polícia Federal prendeu cerca de 300 pessoas envolvidas nesses crimes.

O rigor jurídico previsto para casos envolvendo adolescentes desaparece, entretanto, quando se trata de vítimas maiores de idade. Nesses casos, os culpados respondem pelos chamados crimes contra a honra – injúria e difamação -, previstos no Código Penal com pena que varia de três meses a um ano. A defesa da goiana Fran Santos, de 19 anos, tenta enquadrar o ex-namorado Sérgio Henrique Alves, de 22 anos, na Lei Maria da Penha por agressão, após ele ter divulgado vídeo íntimo do casal. Ele nega ter distribuído o vídeo.

Por causa da repercussão das imagens, Fran deixou o emprego de vendedora em uma loja em Goiânia (GO) e praticamente não sai mais de casa. “Me senti humilhada, por tudo que li e vi. A sociedade é muito cruel”, disse Fran ao site de VEJA. Apesar do sofrimento, ela foi capaz de ir à delegacia e fazer a denúncia, atitude que se tornou impossível para as duas adolescentes que sucumbiram ao desespero.

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A atitude extrema de acabar com a própria vida é explicada, em partes, pela relação intrincada entre as redes sociais e a vida social dos adolescentes. Prova disso é que tanto Giana quanto Júlia escolheram o Twitter para externar a angústia diante do vazamento das imagens. “Hoje à tarde eu dou um jeito nisso. Não vou ser mais estorvo para ninguém”, escreveu Giana no dia de sua morte. “Eu te amo, desculpa não ser a filha perfeita, mas eu tentei”, escreveu Júlia à mãe, também antes de se enforcar. As duas famílias dizem que só tomaram conhecimento do vazamento das imagens após as mortes.

Aceitação social – A busca por reconhecimento público é exacerbada na era da internet. Na adolescência, essa necessidade de aceitação é ampliada. É por meio dela que os jovens constroem a própria identidade, testando as reações provocadas por seus comportamentos. “Quando essas relações sofrem um abalo, o sofrimento é enorme porque quase toda a vida social dos adolescentes está relacionada à internet. Para eles, a imagem pública tem mais valor até do que a percepção de si mesmo. A morte social hoje na internet é sinônimo de morte literal”, diz o psicólogo Rodrigo Nejm, diretor da ONG Safernet.

Não é preciso um fim trágico para casos de vazamento de imagens de sexo envolvendo adolescentes ser passível de sofrimento para toda a família. O delegado do Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic) Ronaldo Tossunian afirma que recebe quase diariamente famílias desesperadas pedindo ajuda para tirar do ar fotos em que menores de idade aparecem nus ou em cenas de sexo. “Os filhos têm medo de falar com os pais e chegam aqui quando as imagens já estão espalhadas para todos os lados. É quase impossível reverter, torna-se uma cicatriz virtual para sempre.”

Desde 2011, o Deic não dispõe mais da Delegacia de Delitos Cometidos por Meios Eletrônicos, que investigava casos desse tipo no Estado de São Paulo. Segundo Tossunian, a medida foi tomada para priorizar o combate ao crime patrimonial. As queixas passaram a ser encaminhadas para distritos policiais quando há envolvimento de adultos e para o Grupo Especial de Combate a Pornografia Infantil e os Crimes de Ódio da Policia Federal quando a vítima é menor.

O delegado afirma que mesmo os casos em que o acusado de espalhar as fotos é um menor de idade é preciso prestar queixa, porque há aliciadores de tráfico de pessoas e pedófilos prontos para se aproveitar da situação. A polícia do Piauí mandou tirar do ar um site que vendia o vídeo em que a adolescente Júlia Rebeca aparece fazendo sexo por 4,90 reais. A comercialização será investigada pela PF, que tenta rastrear números de cartões de crédito de quem comprou e vendeu os vídeos.

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Tipificação – Nos Estados Unidos, a prática do sexting entre adolescentes é igualmente disseminada. De acordo com uma pesquisa feita pelo departamento de psicologia da Universidade de Utah, 20% dos estudantes do Ensino Médio já fizeram autorretratos nus ou em cenas de sexo e os enviaram a amigos pelas redes sociais.

No país, a discussão sobre a tipificação desse tipo de crime se intensificou em 2009, mas apenas a partir do ano passado foram aprovadas leis que estabelecem penas. Atualmente, só quatro Estados – Havaí, Pensilvânia, Dakota do Sul e Nova York – preveem penas para quem produz, armazena e envia imagens de nudez e sexo explicito envolvendo adolescentes.

No Brasil, o deputado federal Romário (PSB-RJ) apresentou projeto de lei que torna crime com pena de até três anos de prisão a divulgação indevida de vídeos e fotos de conteúdo íntimo.

(Colaborou Letícia Cislinschi)

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