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Grávida de 8 meses, mãe de Isabella Nardoni conta como seguiu em frente: “Lutei muito para ser feliz”

"A Isa sempre me viu feliz — e é assim que estou hoje", diz Ana Carolina Oliveira, cuja filha foi assassinada barbaramente em 2008 pelo pai e pela madrasta num crime que chocou o país

Por João Batista Jr.
25 abr 2016, 19h36

O país inteiro se solidarizou com as lágrimas de Ana Carolina Oliveira. Em março de 2008, sua filha Isabella Nardoni, de 5 anos, foi assassinada pelo pai, Alexandre Nardoni, e pela madrasta, Anna Carolina Jatobá. No dia da tragédia, antes de ser arremessada pela janela do 6º andar de um edifício na Zona Norte da cidade de São Paulo, Isabella sofreu muito nas mãos dos adultos que deveriam cuidar dela. Apanhou com uma chave tetra, foi asfixiada e, quando estava inconsciente, atirada com vida de uma altura de mais de 20 metros. Tudo isso enquanto passava o fim de semana com seus dois meios-­irmãos, Pietro, então com 3 anos, e Cauã, de 11 meses. Os responsáveis tentaram simular uma invasão, mas acabaram sendo presos e condenados – ele a 31 anos, ela a 26.

É difícil imaginar dor maior que a de enterrar o próprio filho. No caso de Ana Carolina, havia várias agravantes, como a pouca idade da menina, a brutalidade dos assassinos e, sobretudo, a identidade dos criminosos, incluindo-se o próprio pai da vítima. A enorme exposição pública, porém, ajudou. “A comoção das pessoas me dava força”, lembra ela. “Muitos choravam como se tivessem perdido o próprio filho.” Ana Carolina começou a frequentar o Santuário do Terço Bizantino, do padre Marcelo Rossi, e causava aglomeração quando subia ao palco, a ponto de precisar sair pelos fundos.

Na época, estava com 24 anos. Sua gravidez não havia sido planejada, e o relacionamento com Alexandre Nardoni acabou logo depois do nascimento do bebê. Custou a ela acreditar na participação dele no crime e mergulhou em uma torrente de perplexidade e sofrimento. “Chega uma hora em que a dor sufoca de tal forma que você precisa da ajuda de um profissional”, conta. Recorreu a sessões de terapia três vezes por semana. Sua mãe, Rosa Oliveira, foi outro apoio fundamental. “Com o tempo, aprendemos a nos acostumar com a dor. Alguns dias, no entanto, são mais difíceis”, afirma a avó de Isabella. Na segunda passada, a garotinha teria completado 14 anos. Na mesma data, Rosa pegou a filha e dirigiu até o litoral paulista para que as duas pudessem descansar. “Não comparo dores, por isso não me fiz de coitada achando que os meus problemas seriam maiores do que os dos outros”, diz Ana Carolina. “Lutei para voltar a ser feliz, pois essa é a imagem que a minha filha tinha de mim.”

O marco da reconstrução de sua vida veio na forma de uma explosão de alegria dentro de um lugar inusitado: um banheiro público. Com vontade de ser mãe novamente, no ano passado deixou de tomar anticoncepcional. O sonho era compartilhado por seu marido, o administrador Vinícius Francomano, 29, com quem se casou depois da tragédia. Poucas semanas após as tentativas, o sinal de alerta se acendeu, com o atraso da menstruação. Sem avisar Vinícius, aproveitou o horário de almoço do trabalho em um banco (administradora, ela atua no setor de câmbio da instituição financeira) e foi a um shopping. Comprou um teste de farmácia e dirigiu-se a um dos toaletes. O exame deu positivo. A vontade era de berrar de contentamento, mas segurou a emoção na hora. “No auge dos problemas, achava que jamais iria me casar vestida de noiva e ter filho. A vida dá muitas voltas.”

Na época do assassinato, Ana Carolina estava namorando, mas o relacionamento acabou meses depois. Ficou solteira por quase dois anos, até conhecer o futuro marido em um bar de São Paulo. Na semana seguinte, ela foi a uma balada com amigas no interior do estado e o reencontrou por acaso. Ficaram juntos de vez. No começo da relação, ele se assustou com o assédio. Ana Carolina era reconhecida nas ruas. Algumas pessoas chegavam a pedir autógrafo e queriam posar ao seu lado para uma foto. “Entendo terem carinho, mas, na minha cabeça, não faz sentido tirar um retrato com alguém que ficou conhecido naquela situação.” Apesar do desconforto inicial, o relacionamento prosperou. “Tem gente que fala que fui corajoso”, conta Vinícius. “Mas amo a Carol, então foi natural seguir em frente.”

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Casaram-se em abril de 2014. Na cerimônia, realizada em uma catedral anglicana, Isabella foi rememorada no fim da troca de alianças e de beijos. “Não poderia deixar de lembrar de sua filha, que está no céu muito feliz assistindo a esta celebração”, disse o reverendo Aldo Quintão. Em seguida, cantou a música gospel Faz um Milagre em Mim. “Realizo casamentos há sete anos. Esse foi o único em que vi todos os convidados chorando”, lembra a cerimonialista Babi Leite.

Um dos maiores desafios da psicologia diz respeito ao enfrentamento da perda de um filho, essa cruel armadilha do destino que reverte a ordem biológica. “Durante o luto, a pessoa revê a sua vida e as expectativas que projetou para si e para a criança”, afirma Maria Helena Franco, coordenadora do Laboratório de Estudos e Intervenções sobre o Luto, da PUC de São Paulo. “Mas a exposição pública desse processo pode fazer com que ele se torne mais prolongado.” Ana Carolina experimentou exatamente isso. O carinho das pessoas a ajudou a se levantar, mas trouxe também outras questões. “Se estava triste, me chamavam de coitada. Se sorria, era julgada por ter superado o luto.”

Hoje, Ana Carolina leva uma vida discreta. Nem sequer tem rede social. Durante a gestação, foi reconhecida apenas uma vez. “Uma mulher veio me dar parabéns e dizer que estava feliz por mim.” Em comparação ao período de gravidez de Isabella, quando tinha apenas 17 anos, sente diferenças, como enjoos e inchaços. Por outro lado, aos 32, vive a experiência da maternidade tendo ao seu lado um marido. “Eu e Vinícius escolhemos todas as roupinhas, a decoração do quarto, a lembrancinha do hospital…”, conta ela, com o sorriso largo que tanto lembra o da filha Isabella. “A Isa sempre me viu feliz – e é assim que estou hoje”, complementa, orgulhosa de estar conseguindo reconstruir a própria história. Ana Carolina está no oitavo mês de gestação. Programa fazer parto normal. Dará à luz um menino, que vai se chamar Miguel. Em um sinal da maturidade com que superou sua tragédia pessoal, Ana Carolina não tropeça na dor inútil dos falsos paralelos: “Não encaro a segunda gravidez como uma substituição. Cada filho tem uma história”.

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