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Fui chamado de assassino, diz diretor de hospital onde menina fez aborto

Católico de formação, Olímpio Barbosa de Morais Filho foi alvo de religiosos que tentaram impedir procedimento em criança de 10 anos vítima de estupro

Por Mariana Zylberkan Atualizado em 18 ago 2020, 09h50 - Publicado em 17 ago 2020, 19h36

O médico obstetra Olímpio Barbosa de Moraes Filho integra desde 1996 o time de profissionais que atende mulheres vítimas de estupro ou em gestação de risco, que optam pelo aborto, no Centro Integrado de Saúde Amaury de Medeiros (Cisam), em Recife (PE), onde atua como diretor clínico. Ele já foi excomungado pela Diocese de Pernambuco quando permitiu um aborto de gêmeos de uma menina de 9 anos de idade estuprada pelo padrasto, em 2009, mas diz nunca ter visto algo como no domingo, 16, quando grupos religiosos e parlamentares da bancada evangélica tentaram invadir o hospital para impedir o procedimento em uma menina de 10 anos, com 22 semanas de gestação, também concebida por ato de violência sexual. “Fiquei assustado, aquilo parecia cena de filme”, disse o médico.

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As cenas a que o médico se referem envolviam dezenas de integrantes de movimentos religiosos reunidos em frente ao hospital. “Fui cercado por pessoas que me chamavam de assassino e a maternidade, de lugar do demônio”, lembra. “Chamaram a menina de assassina também, mas felizmente ela não ouviu nada; o procedimento era feito enquanto eu sofria os ataques”, diz. A PM foi chamada para tentar conter as tentativas de invasão e, em seguida, manifestantes começaram a rezar ajoelhados na calçada. Integrantes de movimentos feministas também estiveram no local para protestarem a favor do aborto. “Nunca tinha visto algo parecido nesses anos todos, é reflexo da força politico-partidária que os movimentos religiosos têm tido ultimamente”, diz.

Terceiro hospital do país a criar um protocolo para a realização de abortos em casos autorizados pela Justiça, o Cisam é ligado à Universidade de Pernambuco e serve de apoio no ensino de disciplinas como “gestação de risco” e “assistência da saúde da mulher em idade fértil”. “Como somos independentes da Secretaria Estadual de Saúde, a influência de parlamentares ligados a grupos religiosos é menor do que nos hospitais públicos”, diz.

Moraes Filho conta que o protocolo de aborto em Pernambuco foi regulamentado por uma portaria do ex-governador Miguel Arraes, na gestão entre 1995 e 1998, com base em um decreto do ex-presidente Getúlio Vargas dos anos 1940, que concedia o direito à interrupção da gravidez às mulheres vítimas de violência sexual ou que tivessem gestação de risco. “Esse decreto foi resultado de uma medida parecida adotada na Alemanha, que garantia o acesso ao aborto em casos de estupro para que o gene do agressor não se perpetuasse na sociedade”, conta.

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Como hospital de referência, o Cisam capacitou médicos de outras regiões do Nordeste onde não havia o mesmo atendimento, mas o processo foi interrompido em 2006 por força dos parlamentares religiosos, segundo o médico obstetra. “Foi nesse ano que Lula começou a se aliar a esses grupos no governo e o apoio federal minguou”, diz. “O que perturba os religiosos nesse tema é a mulher ter direito sobre seu próprio corpo”, continua.

Criado em Recife em um lar católico, Moraes Filho estudou em colégio de padres e se casou na igreja. A criação o levou a ser contra o aborto até passar por uma especialização médica em Campinas, no interior de São Paulo, quando aprendeu os procedimentos necessários em casos de aborto. O auge na oposição entre medicina e religião ocorreu em 2009, quando ele liderou a equipe que fez o aborto de gêmeos. O médico e toda a equipe foram excomungados pela Igreja Católica. “Minha mãe, como católica praticante, não gostou muito de ter um filho excomungado, mas agora acho que já se acostumou. Jesus Cristo é um grande humanista e quebrou muitos preconceitos ao valorizar a mulher em uma época em que esse papel era quase inexistente na sociedade. Se ele retornasse à Terra, tenho certeza de que estaria do meu lado”, diz.

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