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Casais homossexuais brasileiros tendem a ter filhos

Reportagem de VEJA desta semana mostra novo estudo que constata uma das mudanças recentes mais notáveis na sociedade mundial de que o Brasil não ficou de fora: a naturalidade em encarar o relacionamento entre pessoas do mesmo sexo

Por Gabriele Jimenez
24 nov 2012, 15h24

Uma das mudanças recentes mais notáveis na sociedade mundial de que o Brasil não ficou de fora é a naturalidade em encarar o relacionamento entre pessoas do mesmo sexo. Estimulados por leis, livros, filmes e novelas que tratam da homossexualidade como um fato da vida, os gays assumem sua orientação sexual sem constrangimento. Há um forte componente de classe nesse fenômeno. Quanto mais ricas e mais instruídas são as pessoas, maior tende a ser entre elas a proporção de casais que se declaram gays. Um estudo feito pelo demógrafo Reinaldo Gregori, de São Paulo, tendo como base os dados do Censo 2010, confirma essa percepção – e revela uma surpreendente taxa de casais do mesmo sexo no Brasil que já têm filhos. Eles são 20%, em comparação com os 16% verificados nos Estados Unidos.

O Censo 2010 foi o primeiro levantamento desse tipo feito no Brasil que tinha no formulário a pergunta sobre o sexo do cônjuge. A resposta era optativa. Ainda assim, cerca de 68 000 pessoas – 0,18% dos casais – declararam ter um parceiro do mesmo sexo. “O censo mostrou que esse novo arranjo familiar está se tornando menos incomum no Brasil”, diz Gregori. É presumível que seja expressivo o número de casais gays que, em 2010, preferiu optar por não revelar sua condição. O censo confirma a tendência de que os casais gays assumidos são mais numerosos entre os níveis sociais mais altos, com escolaridade e renda acima da média brasileira.

Os dados computados pelo demógrafo Gregori mostram que, enquanto apenas 34% dos chefes de família heterossexuais possuem mais de dez anos de estudo, entre os casais homossexuais declarados esse número chega a 67% e seu rendimento médio, de 5 200 reais, é quase o dobro. A musicista Thais Musachi, 26 anos, e a pediatra Luciana Avelar, 38, juntas há cinco anos, encaixam-se perfeitamente nessa amostra, tanto no que se refere à renda e escolaridade quanto na tendência de ter filhos. Elas conseguiram superar as barreiras biológicas à reprodução recorrendo a um banco de esperma. Luciana gestou em seu útero dois embriões. Um deles foi produzido com a junção de um óvulo dela e o espermatozoide doado. O outro óvulo foi retirado de Thais. Elas curtem agora um casal de filhos de 11 meses. Laura é mais parecida com Thais e Lucca lembra mais Luciana. “Para nós, nunca foi importante saber quem gerou quem, nem fizemos exames de DNA para descobrir”, diz Thais, que espera uma permissão judicial para colocar na certidão de nascimento das crianças o seu nome ao lado do de Luciana.

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O caminho escolhido por Luciana e Thais para terem filhos é complexo, caro e, portanto, menos frequente. O mais comum é adotar. Mas para homossexuais as dificuldades são maiores do que aquelas enfrentadas por casais heterossexuais. Segundo uma pesquisa do Ibope feita no ano passado, 55% dos brasileiros consideram imprópria a adoção por gays. “A ideia prevalente ainda é que os gays são promíscuos e propensos a abusar sexualmente das crianças”, diz a psicóloga Mariana Farias, autora de livros sobre o assunto. Mariana lembra que a maioria das pessoas acredita erradamente que, por influência da situação doméstica, as crianças adotadas por gays fatalmente se tornarão homossexuais. Conclui Mariana: “São conceitos desmentidos em estudos científicos, mas que continuam a ter forte influência”.

O psicólogo Carlos Henrique da Cruz, 51 anos, e seu parceiro, o professor Wagner da Matta, 49, foram confrontados com toda a carga de preconceito quando tentaram incluir o nome deles no cadastro de adoções em Natal, no Rio Grande do Norte, em 2004. O pedido de inclusão foi negado. “Disseram que nós não poderíamos ser considerados uma família”, conta Cruz. Eles conseguiram seu intento dois anos depois, no Recife, mas pelo cadastro individual feito por Cruz. Desde 2006, são pais de Pérola, 11 anos, e Pétala, 9.

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Dose dupla - Cruz, Pérola, Pétala (à dir.) e Matta (na tela): “A Pérola ficava tentando me arranjar namorada. Hoje conta na escola que tem dois pais”
Dose dupla – Cruz, Pérola, Pétala (à dir.) e Matta (na tela): “A Pérola ficava tentando me arranjar namorada. Hoje conta na escola que tem dois pais” (VEJA)

As pesquisas apontam para o fato de que os casais gays não fazem as exigências que, em geral, são colocadas como condição para adotar, entre elas que a criança seja ainda um bebê, sem problemas de saúde e da mesma etnia dos futuros pais. Duas decisões tomadas recentemente pela Justiça também contribuem para aumentar a chance de pessoas do mesmo sexo formarem uma família. Em 2010, o Superior Tribunal de Justiça autorizou a adoção de uma criança por um casal de mulheres. No ano passado, o Supremo Tribunal Federal aprovou a união estável para os homossexuais. A falta de legislação específica ainda deixa espaço para interpretações diferentes, mas a situação começa a mudar. A enfermeira Cecilia de Avila, de 53 anos, de Uberaba, Minas Gerais, havia colocado apenas seu nome nos pedidos de adoção de dois dos quatro filhos que cria com a artesã Ana Cláudia Santos, 45. Por sugestão do próprio promotor, iniciou os outros dois processos junto com Ana.

Claro que não se pode exigir que todas as pessoas reajam com naturalidade diante de casais do mesmo sexo. Embora as estatísticas mostrem crescimento, esse arranjo ainda é novidade para muitos. Faz parte do cotidiano dos casais homossexuais lidar com doses diversas de estranheza. “Quando saímos os quatro juntos, as pessoas olham com muita curiosidade. Na escola nos apresentamos como pais adotivos, sem maiores explicações. Mas as meninas falam abertamente que têm dois pais e alguns coleguinhas acham que é mentira”, relata Cruz, o pai de Pérola e Pétala. A artesã Ana Cláudia conta que Laura, a filha mais velha, passou por uma situação difícil. “Uma menina disse que não ia mais ser amiga dela por nossa causa. Informamos a diretora, que conversou com a aluna.” Laura, de 10 anos, vive há cinco com suas duas mães e aprendeu a driblar esse tipo de obstáculo. Diz ela: “No começo, sentia um pouco de vergonha, mas hoje eu gosto de contar que tenho duas mães”.

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Grande família - Ana, André (no colo dela), Laura (no meio), Cecilia e Ezequiel: “Eles ficaram um pouco assustados conosco, e nós com eles”
Grande família – Ana, André (no colo dela), Laura (no meio), Cecilia e Ezequiel: “Eles ficaram um pouco assustados conosco, e nós com eles” (VEJA)
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