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A maldição de Teresópolis: cidade devastada pelas chuvas mantém processo de destruição da natureza à sua volta

Pelas próximas décadas, região vai conviver com encostas desmoronadas, onde as construções clandestinas continuam. A partir desta terça-feira, prefeitura está autorizada a comprar e contratar sem licitação. No ano passado, desvio de recursos derrubou prefeito, acusado de corrupção

Por João Marcello Erthal
10 abr 2012, 16h58

“Nós, que assistimos à tragédia de janeiro do ano passado, não vamos viver para ver a recuperação do meio ambiente naquela região. A natureza, sem intervenção do homem, tem ciclo de recuperação muito longo. Uma encosta cortada pode demorar 50 anos para se recuperar, às vezes mais. Uma nova chuva, bem menos intensa, vai causar o mesmo efeito, porque cai em terreno frágil. É um soco sobre uma cicatriz ainda dolorida”, compara o professor Jorge Henrique Prodanoff

A repetição da tragédia das chuvas em Teresópolis no último fim de semana certamente não terá sido a última. E a cidade vai conviver com as cicatrizes avermelhadas de barro, nas encostas verdes, ao longo do próximo século. As afirmações soam como maldição lançada sobre uma população e uma terra já bastante castigadas pelo temporal que fez desaparecer na lama cerca de mil pessoas na serra fluminense. Mas são conclusões de especialistas com base no que já se conhece das encostas e de como a natureza se recupera de acidentes desse tipo. O agravante, nesse cenário pouco animador, é que o crescimento da cidade e a maneira de evitar os efeitos de novas chuvas estão indiscutivelmente no caminho errado.

“Nós, que assistimos à tragédia de janeiro do ano passado, não vamos viver para ver a recuperação do meio ambiente naquela região. A natureza, sem intervenção do homem, tem ciclo de recuperação muito longo. Uma encosta cortada pode demorar 50 anos para se recuperar, às vezes mais. Uma nova chuva, bem menos intensa, vai causar o mesmo efeito, porque cai em terreno frágil. É um soco sobre uma cicatriz ainda dolorida”, compara o professor Jorge Henrique Prodanoff, do departamento de recursos hídricos da Escola Politécnica da UFRJ.

Projetando-se um cenário extremo para as próximas temporadas de chuva – que tendem a se agravar, em função de fatores como mudanças climáticas e aquecimento global – o risco é de Teresópolis, bem como outras cidades serranas, deixar de existir tal como se conhece hoje. E o cenário exuberante de mata e montanhas, que atraiu e atrai turistas, passe a ser um vale emoldurado por áreas de desabamentos. É um cenário extremo. Mas não improvável.

A tragédia da lama de agora é resultado da tragédia dos tijolos e do cimento, iniciada há 20 anos, como lembra a promotora de Justiça Anaísa Malhardes, que move 10 ações contra estado, município e governo federal, cobrando a remoção da população de áreas de risco na cidade. “Teresópolis tinha, em 1975, 45 mil habitantes. Em 2010, eram 160 mil, com 90% dessa gente em 10% da área territorial. É uma ocupação maluca, inacreditável, estimulada por descontrole e por falta de uma política urbana que permita à população mais pobre ocupar áreas menos adensadas”, critica.

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Espaço não é um problema em cidades como Teresópolis. Mas o município enfrenta deficiências de estrutura que atingem cidades de porte semelhante Brasil afora. “Ninguém quer morar em um lugar que tem, por dia, dois horários de ônibus. O morador precisa trabalhar, e acaba escolhendo uma encosta perto do centro, ou não terá como ir de casa para o trabalho”, diz Anaísa.

Passada a maior tragédia da história do Brasil, nem o medo de perder a casa e a vida foi capaz de mudar o quadro nas áreas de risco. “As pessoas continuam morando nos mesmos lugares. Recebemos laudos do Departamento de Recursos Minerais do estado (DRM) em janeiro. Não vi outra saída senão entrar com ação para obrigar a desocupação e medidas de prevenção”, conta a promotora.

Política – Em Teresópolis, a situação política dificulta medidas imediatas para conter o problema. O atual prefeito, Arlei Rosa, chegou ao poder depois de dois desabamentos: o do prefeito Jorge Mário (sem partido, ex-PT), que deixou o cargo sob denúncia de corrupção e desvio dos recursos destinados a obras emergenciais; e o do vice, Roberto Pinto (PR), que enfartou ao assumir a cadeira de alcaide interinamente.

A prefeitura de Teresópolis não é para qualquer coração. “Assim que assumi, a cidade tinha um déficit de 30 milhões de reais. Organizamos a situação, mas a prefeitura, sozinha, não tem como enfrentar um problema desse tamanho. O estado está dando apoio, estamos tentando tirar as pessoas das áreas mais perigosas”, diz Rosa, que percorreu de moto – o único transporte possível – os alagamentos e deslizamentos na noite da última sexta-feira.

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Quando se fala em recuperação de áreas destruídas pelas chuvas, a dificuldade não está só no dinheiro. Em Teresópolis e Nova Friburgo, as duas cidades com maior número de mortes, o muito a fazer não cabe na mão-de-obra, no corpo técnico das prefeituras e no grau de complexidade que a administração pública está acostumado a atender. Nesta terça-feira, um decreto publicado pelo Diário Oficial do município de Teresópolis declara “situação de emergência” por 90 dias – prorrogáveis por mais 90.

O decreto baseia-se nas 480 interdições e 610 vistorias técnicas e cerca de mil desalojados e desabrigados da chuva da última sexta-feira. A prefeitura pode, nesse período, contratar e comprar, sem licitação, ações para socorrer os desabrigados, veículos, máquinas, remédios e alimentos. Foi durante a vigência do outro estado de emergência, em 2011, que brotou o esquema de corrupção que tirou da cadeira o prefeito acusado de superfaturar e desviar dinheiro destinado aos desabrigados. O risco de nova tragédia, como se vê, não vem só das nuvens.

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