As interjeições e o reino da liberdade
“Prezado Sérgio, gostaria de saber qual a grafia correta para a interjeição de surpresa, alegria: Arrá! A-há? Ahá? Obrigada.” (Maria Diva Boechat) A interessante consulta de Maria Diva não tem uma resposta definitiva, mas por isso mesmo nos dá acesso a um território divertido e meio selvagem em que a língua se mostra resistente à […]
“Prezado Sérgio, gostaria de saber qual a grafia correta para a interjeição de surpresa, alegria: Arrá! A-há? Ahá? Obrigada.” (Maria Diva Boechat)
A interessante consulta de Maria Diva não tem uma resposta definitiva, mas por isso mesmo nos dá acesso a um território divertido e meio selvagem em que a língua se mostra resistente à domesticação da sintaxe, do discurso articulado: o reino das interjeições e seu vizinho, o das onomatopeias.
Aqui, a liberdade do falante para perseguir suas necessidades expressivas costuma ser uma regra valiosa, mesmo porque é comum que a falta de exemplos regulatórios o obrigue a improvisar. O “arrá” da leitora – que todo mundo conhece e que tem sobretudo o sentido, acrescento eu, de pontuar um flagrante, como em “arrá, eu sabia que ia encontrá-lo aqui!” – não aparece nos dicionários. E agora?
Simples: basta usar o bom senso. Como se vê, eu já fiz minha opção por “arrá”, mas com base em que condenaria, por exemplo, a grafia “harrá”? “Ahá” e “a-há” me parecem mais questionáveis, por suporem para o agá uma sonoridade que é do inglês e não do português, mas também são formas encontradas por aí.
Sim, há interjeições de diversos tipos, inclusive as que são derivadas de vocábulos, como “viva”. Entre as mais indomáveis – como a que Maria Diva nos trouxe e que o Houaiss considera semelhantes a “elementos não lingüísticos ou supralingüísticos como os gestos, a entonação etc.” – também existem muitas que já tiveram sua grafia sedimentada pelo uso: ah, hein, ai, psiu etc. Mas vale lembrar que isso não se deu sem conflito e que não há leis morfológicas sacrossantas por trás das formas que prevaleceram. Por muito tempo, o “hem” e o “hein” se enfrentaram nas páginas de livros e jornais, antes que o último pudesse ser declarado vencedor. Luta parecida se dá ainda hoje entre o “hã” e o “ahn”, o “hmm” e o “hum”.
Ah, mas toda essa conversa parece um tanto, digamos, infantil? Justamente. Quando lidamos com a expressividade bruta de interjeições e onomatopeias, temos mais do que nunca a possibilidade de brincar com a língua. E isso é muito bom.