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Por Sérgio Praça
A partir do que há de mais novo na Ciência Política, este blog do professor e pesquisador da FGV-RJ analisa as principais notícias da política brasileira. Este conteúdo é exclusivo para assinantes.
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Dois discursos do mesmo Romero Jucá

Nem atenção para os eleitores, nem políticas públicas: o senador de Roraima usa a tribuna para elogiar a Odebrecht e criticar a imprensa

Por Sérgio Praça 21 fev 2017, 18h39

Romero Jucá  (PMDB), líder do governo no Senado, fez um duro discurso ontem no plenário. Comparou a imprensa brasileira aos nazistas e aos revolucionários franceses que, no fim do século 18, guilhotinavam adversários políticos. Jucá estava incomodado com o fato de ter tido que retirar uma proposta de emenda constitucional que daria proteção extra, contra investigações, para os presidentes do Senado Federal e da Câmara dos Deputados. Já que a proposta não tinha uma “sunshine provision – ou seja, entraria em vigor imediatamente –, foi vista como manobra para proteger Rodrigo Maia (DEM) e Eunício Oliveira (PMDB) que respectivamente presidem Câmara e Senado e respeitosamente estão citados na Operação Lava Jato.

O senador afirmou: “Jucá é sinônimo de uma madeira que não quebra e não se enverga. Eu não vou morrer de véspera. Eu não me entrego. Sei o que fiz e o que vou fazer. Vou continuar aqui agindo como sempre agi”. Hum, será que vai mesmo?

Dei uma olhada nos discursos antigos de Romero Jucá no Senado. Em 17 de março de 2005, o senador falou sobre a Odebrecht. Vale destacar alguns trechos:

* “A Organização Odebrecht, fundada em 1944, completou 60 anos de grandes serviços prestados ao Brasil, é motivo de orgulho para a engenharia nacional e merece uma especial homenagem (…)”;

* “Em seus 60 anos de trabalho eficiente e de alta qualidade, a Organização Odebrecht conquistou respeitabilidade mundial e realizou uma obra ciclópica, dificilmente atingível por outras empresas nacionais e internacionais (…)”;

* “[São] valores morais, intelectuais, espirituais, ao lado do trabalho, é que constituem o verdadeiro alicerce, o lastro e as colunas em que se apoiaram a trajetória vitoriosa de Norberto Odebrecht”;

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* “[A filosofia da empresa] pode ser resumida em prover as melhores soluções para os clientes, confiar nas pessoas, educar para o trabalho, com realização moral, ética e material, em ser a melhor organização empresarial para se trabalhar, maximizar o retorno aos acionistas e investidores, ser um agente decisivo de crescimento e desenvolvimento, respeitar o meio ambiente e participar do esforço de inclusão social”;

* “Norberto Odebrecht é, sem dúvida, aquele semeador que saiu a semear a boa semente”

Pouco menos de doze anos depois, um executivo da Odebrecht afirmou, em delação premiada para o Ministério Público Federal, que a empresa pagou mais de R$ 22 milhões para Romero Jucá ao longo de vários anos (dinheiro repartido, segundo o colaborador, com os senadores peemedebistas Eunício Oliveira e Renan Calheiros). O senador, segundo Melo Filho, teria ajudado a empresa em pelo menos doze projetos. (Veja aqui a lista completa.) A maioria eram medidas provisórias que tiveram intenso debate e participação dos parlamentares em suas respectivas comissões mistas. (Toda vez que uma Medida Provisória é editada pelo presidente, constitui-se uma comissão com deputados e senadores para analisá-la antes de ser aprovada ou rejeitada pelo plenário do Congresso Nacional.)

Então temos dois discursos de Romero Jucá: um reclamando da imprensa e se dizendo inocente; outro, antigo, adulando a empresa com quem teve relações corruptas. Mas, afinal, por que congressistas discursam? Jucá não se deu bem após o discurso de ontem. Foi ainda mais criticado na mídia. E o discurso de março de 2005 pode ter servido apenas para sinalizar sua fidelidade à empreiteira.

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Saindo um pouco do mundano, vale questionar: para que discursos parlamentares serem? Em certos momentos da história, como na Inglaterra do Século XIX, discursos serviam para que congressistas mostrassem serviço para seus eleitores. Interessados em terem seus discursos divulgados pela imprensa, sessões após a meia-noite eram evitadas para garantir que repórteres estivessem presentes para fazer o registro. Nota-se a importância da imprensa independente (comparada ao nazismo por Jucá) em conjunção com a competição eleitoral livre, presente na Inglaterra apenas depois do primeiro “Reform Act” (1832), com o qual distritos eleitorais pouco competitivos foram eliminados. (É o que mostra Gary Cox em “The Efficient Secret”.)

Nos Estados Unidos do Século XX, afirma David Mayhew em “Congress: the electoral connection”, discursar sobre uma política pública era parte essencial do trabalho parlamentar, especialmente tratando de temas para os quais a responsabilidade governamental é difusa – ou seja, não é muito claro quem é o responsável pela politica pública. Se ela funciona bem, o congressista apoia; se funciona mal, denuncia. De qualquer modo, nada faz além de falar.

Em seus dois discursos, Jucá ignora eleitores e políticas públicas. Com tantas citações em escândalos nas costas, seria surpreendente se ele não estivesse cogitando, em seu íntimo, um acordo de colaboração premiada com o Ministério Público Federal. Mas talvez o mais apropriado para ele fosse um acordo de leniência.

(Entre em contato pelo meu site pessoal, Facebook e Twitter)

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